Ao mesmo tempo que se amiúdam na comunicação análises preocupadas com a situação econômica do País, vão-se tornando mais frequentes também manifestações populares de inconformismo e desapreço por governos, de protesto contra preço e qualidade de transportes, custo de vida, insatisfação com a saúde e educação ou ainda por causa do custo de construção de estádios de futebol. Que significado político mais amplo podem ter? Muitos, certamente. Mas índices de inflação e custos de alimentos têm tido presença importante.
Índices de inadimplência de famílias perante o sistema financeiro podem ser, por isso, um dos indicadores, já que em abril (Estado, 11/5) atingiram 7,6%. Já a porcentagem de famílias endividadas subiu, em maio, para 57,1%, a maior desde 2006. E 19,5% delas tinham mais de 50% da renda comprometido com dívidas. Os calotes no sistema bancário subiram para 19,5% em abril. Essa é uma das razões para o índice de confiança do consumidor haver baixado uns 6% desde abril do ano passado.
Segundo artigo de Amir Khair neste jornal (16/6), “o que causou a inflação foram os alimentos in natura”, cujo preço cresceu 53% nos últimos 12 meses, inclusive por motivos climáticos (onde nos faltam políticas adequadas). Mas não apenas por isso. Diz a Organização para Alimentação e Agricultura da ONU (FAO) que é alta a perda de áreas plantadas com alimentos no mundo por causa do alto custo dos agrotóxicos e da produção em geral (25/3). No Brasil, arroz e feijão já perderam 50% das áreas plantadas há 25 anos (Folha de S.Paulo, 7/4). O feijão, inclusive por causa da seca no Semiárido, teve a produção reduzida em 7%. E agora os preços subiram 20% em um ano.
Mais consumo
Tudo isso pesa muito num país que, embora tenha reduzido a pobreza por meio de programas como o Bolsa Família, de até R$ 70 mensais por pessoa, ainda tem estas e milhões de outras vivendo abaixo da linha da pobreza, que segundo a ONU é de US$ 1,25 (cerca de R$ 2,50) por dia, ou R$ 75 por mês, por pessoa. E nas palavras do papa Francisco (Estado, 2/5), “viver com 38 (pouco mais de R$ 100) por mês é trabalho escravo, vai contra Deus”. Em sete regiões metropolitanas a taxa de desemprego nos primeiros meses do ano passou de 10%. E a população ocupada em fevereiro diminuiu 2% (Estado, 29/3). Caíram os índices de ocupação na indústria, na construção e nos serviços (26/4).
Christine Lagarde, dirigente do FMI, chama a atenção (5/6) para o “enfraquecimento da economia mundial em meses recentes”. A seu ver, “perde ritmo a expansão econômica dos países emergentes” e no Brasil são “menos brilhantes” as perspectivas de investimentos. Não chega a surpreender. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) adverte (3/5) para os riscos de nova crise bancária na Europa, onde os bancos estão “precariamente capitalizados” e o PIB de 34 países pouco passará de um crescimento de 1% este ano. No Brasil, o superávit nas contas externas, de US$ 1,6 bilhão em 2007, recuou para um rombo de US$ 54,2 bilhões em 2012 (Panorama Econômico, 9/6). Por tudo isso, não são otimistas as projeções do mercado financeiros para o crescimento econômico este ano, juntamente com um “rombo externo” recorde e taxas de juros altas.
É inevitável, assim, retornar à crise econômico-financeira externa e às perguntas que vem suscitando nos últimos anos: quem pagará o custo astronômico das “bolhas financeiras” que explodiram, os bancos ou a sociedade (por meio da redução dos programas sociais e da alta do desemprego)? As classes de maior renda ou as menos favorecidas? Esses custos se limitarão aos países industrializados ou eles também tentam e tentarão repassá-los aos demais? Como tudo isso se traduzirá nos países fora da Europa e da América do Norte?
O desemprego nos EUA continua alto para padrões norte-americanos (7,6%). A crise de 2008 “deixou um déficit de 14 milhões de empregos no mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho; somados aos 16,7 milhões de jovens que chegarão ao mercado de trabalho em 2013, o déficit global será de 30,7 milhões de empregos” (Agência Estado, 4/6). Na Europa, o desemprego já está em 12,2%, ou 19,37 milhões de pessoas. Entre os menores de 15 anos, num recorde de 24,4% – 1 em 4 jovens desempregado; na Espanha, total de 26,7%; Portugal, 17,5%; Grécia, quase 27% (entre jovens, 64%). Não por acaso, 1 milhão de pessoas migraram da Europa desde 2008, o maior êxodo em meio século. Ainda assim, 40 milhões de pessoas no mundo ascenderão à classe C (6/4), o que aumentará o consumo e, certamente, terá reflexos nos preços, principalmente de alimentos.
Desenvolvimentismo à outrance
É preciso dar atenção especial, no Brasil – pelas características da população –, ao quadro dos alimentos. Os preços dos insumos usados na agropecuária, controlados por um cartel global de fabricantes, estão em forte alta e o País é o maior consumidor mundial. O dos herbicidas subiu 71,1%; o dos inseticidas, 66,4%; e o dos fungicidas, 55,3% (IBGE, 13/5). Consumimos mais de 1 milhão de toneladas em 2010, segundo a Anvisa. Cerca de 1/5 do consumo mundial.
É fundamental ter muita atenção nessa área. Inclusive porque os protestos e manifestações de insatisfação recentes mostram que chega também a nós o caminho observado em muitos países da África e do Oriente Médio, de movimentação política não comandada por partidos, e, sim, por redes sociais – sem projetos políticos claros e definidos. Se não reorientarmos nossas políticas – que insistem num desenvolvimentismo à outrance (que inclui, por exemplo, incentivos bilionários à fabricação de automóveis que ninguém sabe onde poderão trafegar), conjugado com heranças da política externa concebida na década de 1960 –, certamente teremos pela frente momentos muito difíceis. Ainda mais com a grande maioria da corporação política praticamente descolada da sociedade, voltada para os interesses diretos de seus membros.
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Washington Novaes é jornalista