No início do mês de junho, quando eclodiram as primeiras manifestações contrárias ao aumento das passagens do transporte público na cidade de São Paulo, muitos analistas se apressaram em concluir que esses movimentos seriam a prova definitiva da força revolucionária da internet. Afinal de contas, assim como o ocorrido em outras nações, tais protestos haviam sido convocados pelas redes sociais, sobretudo pelo Facebook.
Entretanto, neste breve artigo, pretendo demonstrar que a chamada “mídia alternativa”, representada pelo meio virtual, apesar de sua inegável importância, ainda não consegue fazer frente ao grande poder de coerção exercido pela mídia hegemônica. Em outros termos, apesar dos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, ainda é a grande imprensa (principalmente a maior emissora de TV do país) que consegue moldar o pensamento da maioria dos brasileiros.
Analisemos os fatos. As primeiras manifestações paulistanas, convocadas pelo Movimento Passe Livre, apresentaram legítimas reivindicações do povo brasileiro, como transporte coletivo urbano digno e serviços públicos de qualidade. Também é mister salientar que a presença de determinados partidos políticos e movimentos sociais era aceita, o que trouxe aos protestos um direcionamento ideológico importante.
As ideologias dos barões da mídia
Em contrapartida, nas manifestações “convocadas” pela grande mídia, o que se pôde constatar foi um cenário totalmente oposto. Milhares de pessoas desnorteadas, “homens-massa” (lembrando a clássica expressão de Ortega y Gasset) que compareceram mais pela onda do momento do que propriamente pelo engajamento social. Históricas bandeiras reivindicatórias foram sumariamente substituídas por bandeiras do Brasil e, ao invés de gritos contestatórios, “manifestantes” entoando o Hino Nacional. Nesses “protestos”, os partidos políticos (principalmente aqueles ligados à esquerda) e os movimentos sociais foram peremptoriamente proibidos. Enfim, um cenário escalafobético, perfeitamente domesticado, que remetia mais a festas carnavalescas ou a comemorações futebolísticas.
Dessa maneira, os grandes meios de comunicação conseguiram transformar as manifestações populares, que inicialmente levantaram questões sociais de extrema relevância e serviram de alguma forma para acordar o Brasil de sua inércia política, em eventos inócuos que levantam questões inerentes ao pensamento conservador. Como a história nos revela, massas apolíticas, sem direcionamento ideológico claro e sem objetivos bem delimitados, são mais fáceis de serem manipuladas. Não é por acaso que os setores mais conservadores da nossa sociedade querem despolitizar as manifestações.
Por outro lado, nas redes sociais, que teoricamente poderiam ser utilizadas como contraponto ao poder midiático hegemônico, multiplicam-se campanhas retrógradas como um abaixo-assinado pelo impeachmentda presidenta Dilma Rousseff ou o apoio à candidatura de Joaquim Barbosa para a presidência da República (nesse sentido, uma “despretensiosa” pesquisa do Datafolha aponta o presidente do STF como o candidato preferido dos “manifestantes paulistas” para as eleições presidenciais de 2014). Assim, até as redes sociais também passam a ser mais um canal para escoar as ideologias dos grandes barões da mídia. Lastimável paradoxo.
Mudança global
Portanto, mais uma vez os objetivos dos grupos conservadores foram atingidos: o país passa por um clima de intensa instabilidade social, extremamente propício para uma grande guinada conservadora. Teorias da conspiração à parte, uma conjuntura que lembra 1964.
Em suma, não são as redes sociais que vão alterar a mentalidade da população brasileira. É preciso que ocorra uma mudança global, que proporcione uma educação pública de qualidade, uma melhor distribuição de renda e a democratização dos meios de comunicação de massa. Caso contrário, a mídia hegemônica continuará manipulando a opinião pública em favor do status quo dominante.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG