Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Narradores demais e interlocutores de menos

Formadores de opinião. Afinal, que planeta habitam, quem efetivamente são os luminares, os tais que em tese fazem a cabeça, norteiam e esquadrinham nossa, mais do que nunca, conturbada sociedade ? Que tipo de poder e influência exerce esta nem sempre atilada e antenada, por assim dizer, reserva moral da nação, e em particular, no desenrolar dos últimos acontecimentos? A julgar pelo assombro e desencontro de opiniões que pontificaram nos veículos de informação em geral, com quase todos atropelados pelos fatos, é forçoso concluir que ainda agora, transcorrido um mês de rebuliço, há narradores demais e interlocutores confiáveis de menos nesse processo.

Não que a massa de descontentes, que cresce a cada dia, careça de gurus e muito menos de representações impregnadas de segundas intenções. Se algo ficou claro desde o início é a natureza apolítica e apartidária do movimento, que não tem poupado nomes ou siglas em seus protestos, numa espécie de recado que não exime ninguém na longa pauta de reivindicações brandidas nos manifestos. Instados, para não dizer intimados, a desentranhar as medidas que vinham sendo negligentemente postergadas e levadas em banho-maria, governo e oposição – para desgosto das cassandras anti-governistas – acabaram sumariamente reduzidos à condição de farinha do mesmo saco.

A presidente Dilma, inclusive, claramente em pânico com a súbita e iminente perda de prestígio, depois de uma semana de reclusão após as vaias recebidas na abertura da Copa das Confederações e com hordas de manifestantes fungando no cangote, tratou de por água fria na fervura com a proposta desse esdrúxulo plebiscito, como forma de delegar à população o poder de definir os termos das reformas na conjuntura política.

Templo dos vendilhões

Uma proposta, como não poderia deixar de ser, fadada a discórdias e que devolveu de pronto o imbróglio à velha e cansativa discussão política, com as barganhas e mise-en-scène de praxe. Partindo do princípio de que um plebiscito na véspera de ano eleitoral dificilmente seria viável, ainda mais para a presidência, como já se admite abertamente, tudo indica que a ideia não passa de mera cortina de fumaça, um artifício para levar no bico a plebe rude e os nefelibatas de plantão.

Nefelibatas mediáticos, naturalmente, que além de desbaratinados com as dimensões do movimento, passam recibo numa proposta casuísta, de custo estimado na bagatela de 400 milhões de reais, para apurar respostas que estão na boca de todo mundo. Reivindicações que se fossem levadas a sério, poderiam ser obtidas através de pesquisas encomendadas, ou simplesmente recorrendo ao IBGE, que existe exatamente para esse tipo de coisa. Daí a impressão de tratar-se muito mais de jogo de cena para fugir à adoção de medidas mais corajosas, uma saída pela tangente para ganhar tempo até as coisas voltarem à normalidade.

Se é que voltarão, é a dúvida latente que persiste, face à crescente adesão de setores cruciais, como o dos caminhoneiros, que paralisaram uma série de rodovias ao longo da última semana, dos médicos, bancários, professores e por aí afora. O fato é que são tantas reivindicações que, mesmo que quisesse, é obvio que o governo não está habilitado a atender sequer às demandas mais prementes, sob o risco de comprometer as contas públicas, já meio combalidas, sem falar nos tradicionais entraves burocráticos, de responsabilidade de um Congresso que faz jus à fama de templo dos vendilhões.

Faltam intérpretes

O que fazer diante de cenário tão caótico, quais medidas e como implementá-las, eis o que todos tentam vislumbrar, de olho não só na presidente, nos governantes e autoridades em geral, como também nos formadores de opinião, os tais pensadores, intelectuais e palpiteiros que grassam no caótico universo mediático. Uma patota loquaz e igualmente histriônica, mas ao que tudo indica com pouca bala na agulha, visto que as ideias que alardeiam e as conjecturas e vaticínios que preconizam nem sempre encontram respaldo na realidade, e tampouco costumam ter qualquer efeito prático.

Há uma nítida dicotomia entre o que essa gente emproada apregoa e o que a população almeja. O que motiva e instiga as massas, como se percebe nesse movimento, é simplesmente a busca por melhores condições de vida, de coisas básicas, como direito à saúde, educação, segurança, lazer. O resto são tergiversações, arroubos fascistoides que não merecem ser levados a sério, ainda mais quando eivadas de suposições levianas, tentativas canhestras de desclassificar o movimento e seus eventuais mentores, no que os notórios Reinaldo Azevedo e Arnaldo Jabor dessa vez se superaram.

Não, positivamente não faltam narradores para o fenômeno que tanta intriga os donos do poder e intelligentsia tupiniquim. Faltam intérpretes despidos de ranços ideológicos, de vínculos partidários, interesses pecuniários, enfim, do maniqueísmo objeto que contamina as discussões em geral no país. Faltam interlocutores independentes e afinados com os anseios populares, que reconheçam que em pleno século 21, o grosso de nossa sociedade, desiludido com a política, saturado de ideologias hipócritas, de certa forma converte-se ao lumpesinato, desprovido de consciência política, para clamar por melhores condições de trabalho, de vida.

Diversidade de opiniões

Descomplicado, reducionista, simples demais? Pode ser, mas o que dizer dos exegetas profissionais que atiram para todos os lados sem enxergar o alvo, à moda dos batalhões de choque com suas balas de borracha e bombas de efeito moral? Ora, se os veículos de informação têm como dever básico zelar pelos interesses e demandas populares, e se há pencas de motivos para que a insatisfação um dia extravasasse, como extravasou, nada mais natural que as reações deliberadamente ambíguas e evasivas que continuam circulando na mídia causem estranheza, e em alguns casos, verdadeira indignação e repulsa. Um efeito colateral que pode custar caro não só para os atores desse teatro mambembe, mas para a própria companhia, em termos de credibilidade.

No sentido inverso, nada mais justo que a valorização de espaços plurais e genuinamente democráticos como este Observatório da Imprensa, em que mais que o contraponto e o antagonismo de ideias, a diversidade de opiniões faz a grande diferença em relação aos meios tradicionais. É dessa mescla que o país precisa para traçar seu rumo e encontrar sua verdadeira identidade.

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Ivan Berger é jornalista, Santos, SP