Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As redes sociais e o fim da hipocrisia

Democracia digital é um projeto inevitável, mas ainda em formação. É impossível governar um país apenas através de assembleias e votos diretos.

Com todos seus defeitos, a democracia representativa garantiu políticas de inclusão e os direitos das minorias. São avanços civilizatórios que dificilmente teriam ocorrido em eleições plebiscitárias.

São curiosos os conceitos abarcados pela democracia. O povo se manifesta apenas nos períodos eleitorais. Eleitos presidente, governadores, parlamentares, o jogo político torna-se restritivo.

Nas disputas políticas, os poderes econômicos participam através da influência na mídia, do financiamento de políticos e da contratação de lobbies. O contraponto é feito por partidos de esquerda (que também têm seus grupos econômicos aliados), sindicatos, organizações sociais. Fora das eleições, poucas vezes há a manifestação do cidadão individual, desorganizado.

No campo da economia do setor público, não há diferença entre orientações partidárias: há apenas os dirigentes mais ou menos sérios e seus pactos econômicos nebulosos.

No caso brasileiro, a não obrigatoriedade da prestação de contas aos associados e/ou eleitores promoveu a descaracterização das instituições, seu alienamento em relação aos cidadãos. Além disso, a exploração permanente da escandalização como arma política, acelerou a perda de representatividade dos diversos poderes.

Tudo isso é fato e explica os desdobramentos brasileiros do fenômeno mundial da mobilização da opinião pública pelas redes sociais.

Tem-se a questão premente dos poderes constituídos se abrirem para o escrutínio dos cidadãos, através das redes sociais. Mas um enorme conjunto de obstáculos ao exercício da democracia direta.

Por isso mesmo, o caminho inicial da democracia digital passa pelo chamado “accountability” – a obrigação de um dirigente público de prestar contas aos cidadãos. Será a tendência inevitável em todo o setor público – e seria conveniente que estados e municípios, órgãos federais e de controle, começassem a se preparar para os novos tempos.

Essa é a única certeza: cada vez mais serão abertos os porões de todos os poderes.

A hipocrisia é um dos ingredientes centrais dos modelos políticos. É através da hipocrisia que partidos abrem mão de princípios por alianças que lhes garantam o poder; que grupos econômicos impõem leis, portarias, políticas para interesse próprio, em nome de um suposto interesse comum; que criam-se imagens de figuras públicas supostamente impolutas – que se valem desse patrimônio artificialmente construído para benefício pessoal.

Agora mesmo, fica-se sabendo que um filho do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ministro Joaquim Barbosa, em 2010 ganhou emprego da casa de show beneficiada pelos patrocínios da Visanet; que outro filho conseguiu emprego em programa da rede Globo, que tem demandas expressivas no Supremo.

Menciono-o apenas como exemplo máximo da última tentativa de criação política do cavaleiro sem mácula.

Nesses tempos de redes sociais, a democracia digital ainda demorará um tanto. Mas a hipocrisia começa a ser varrida pelo transbordamento das informações, dos diques da mídia convencional.

 

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Desdobramentos da grande guerra da mídia

Luis Nassif 

Reproduzido do blog do autor, 10/7/2013

Na semana passada, o Globo publicou série de matérias sobre a espionagem na Internet pela NSA, do governo norte-americano. Havia um gancho, o vazamento de informações sobre a espionagem por Edward Snowden, um técnico que trabalhava para a NSA. Mas, a rigor, o monitoramento não era fato novo.

Em parte, a cobertura pode ser creditada ao furo, do acesso aos arquivos. Mas o ponto central provavelmente é a guerra das mídias, dos grandes grupos midiáticos nacionais versus os gigantes da rede mundial. Com as denúncias, o Globo pretende mostrar o risco de se manter a opinião pública brasileira confinada em redes sociais controladas por multinacionais com sede em outros países, como o Google e o Facebook.

Paradoxalmente, o grande aliado dos grupos nacionais contra as redes globais será a presidente Dilma Rousseff. Muito antes do episódio Snowden, ela vinha manifestando desconforto com o fato da grande discussão pública nacional dar-se em ambientes dominados por multinacionais com sede em outros países. Depois das denúncias, manifestou-se pessoalmente contra as interferências do Google.

Não se surpreenda se, daqui para frente, ela passar a ser poupada pela velha mídia.

Na mesma semana, foi vazado para blogueiros uma autuação da Globo pela Receita Federal. É caso complicado, principalmente depois que se descobriu que uma técnica da Receita sumiu com o inquérito, tentando apagar os vestígios da autuação, foi presa, processada, mas o Ministério Público sequer procurou saber quem foi o mandante do crime.

É muito provável que os dois episódios sejam parte integrantes da grande guerra midiática que já explodiu. E terá desdobramentos relevantes nas próximas décadas.

Nos últimos anos não foram poucas as vezes que os grupos de mídia nacionais mostraram musculatura para os blogs, na atitude típica de quem abusa do poder que tem sem se dar conta dos desafios que terá que enfrentar.

Agora, que explode a verdadeira guerra, toda a estratégia terá que ser revista. A soma de inimigos acumulados nas últimas décadas são aliados naturais dos verdadeiros adversários.

Por mais que se tema o poder oligopolista dos grandes grupos nacionais, no entanto, não há como fugir dos riscos de redes sociais monopolistas. Como subordinar a discussão pública brasileira ao controle de empresas privadas, sem nenhum controle público?

Por outro lado, sem as redes sociais não haveria como romper com o pensamento único que dominou os grupos nacionais nos últimos anos, tornando-os baluartes dos maiores anacronismos.

Para refrear o poder monopolista das redes sociais, há que se aprofundar a discussão.

Por exemplo, as redes sociais têm que garantir a plena portabilidade de seus perfis e a integração com redes menores. Hoje em dia, é possível puxar para dentro do Facebook feeds (comandos para trazer notícias de outros sítios), mas não são autorizados feeds para fora. Do mesmo modo, é possível compartilhar qualquer conteúdo da Internet com usuários de Facebook. Mas o sistema não permite o compartilhamento do seu conteúdo.

Há um conjunto enorme de temas a serem aprofundados para impedir a consolidação daquele que, por sua abrangência, poderá se constituir no mais temível cartel jamais imaginado pela economia ocidental.

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Luis Nassif é jornalista