Um dos mais intrigantes cartazes, dentre os tantos levantados durante as manifestações de rua ao longo do mês de junho, foi o de um jovem, com seus 17-18 anos, que escreveu com spray verde em uma cartolina: “Saímos do Facebook”. Entre tantas pautas de reivindicação, protestos e posicionamentos, o que realmente este cartaz específico quer dizer? A passagem do mundo virtual para o mundo real?! Mas o que é real? E o que é virtual?
Em geral, como diz o pensador francês Jean Braudrillard, vivemos “à sombra de uma maioria silenciosa”. Trata-se de uma sociedade entorpecida cotidianamente por um sistema de sustentação de interesses políticos e econômicos, tendo como principal aliado os meios de comunicação. Tal fenômeno vem sendo estudado profundamente ao longo dos últimos 80 anos, seja por um viés mais crítico ou empolgado, e aponta para uma série de proposições conflitantes. O caso do jogo de relação de interesses travado ao longo dos últimos acontecimentos deste ano vai alimentar um número bem grande de pesquisas futuras no campo da Comunicação.
Mas voltando ao “Saímos do Facebook”. Quem saiu?? Pelo contrário, foi exatamente via redes sociais que as manifestações foram convocadas, acompanhadas, comentadas e repercutidas, e não simplesmente “curtidas”. Até a tal “greve geral” do dia 1º de julho foi inventada no Facebook. Aliás, esse caso serviu bem de exemplo para mostrar a alguns empolgados que o buraco é mais em baixo. Uma greve geral, sem a sustentação das centrais sindicais e de uma conscientização mais ampla da sociedade, não existe somente a partir de um click no “Compartilhar”; tampouco tocando um jingle de publicidade de carro no autofalante.
Instrumento democrático
A migração do Face na web para a cara (coberta ou não) nas ruas pode servir de um grande processo de aprendizado cívico para uma geração até então muito acomodada diante das telas. As manifestações em alguns países da Europa e do mundo árabe faziam parte do imaginário dos brasileiros por meio de segundos nos telejornais ou a limitadas postagens na internet. E com a possibilidade de vivenciar a história frente-a-frente, ninguém iria querer ficar somente no P2P.
E da mesma forma que as novas gerações não estão acostumadas a tudo isso, as mídias tradicionais no Brasil também não estão. Com um planejamento todo preparado para a cobertura de um evento midiático como a Copa das Confederações, não havia espaço na programação para outro. O aparato de repressão do Estado também não estava preparado, e só tinha olhos para as páginas de sua cartilha escrita durante as ditaduras.
No início, ainda na pauta dos R$ 0,20 em São Paulo, o roteiro era o mesmo dos antigos filmes (e telejornais): “baderneiros”, “vândalos”, “pessoas que não têm nada com isso presas no trânsito”, “ação policial para a manutenção da ordem” etc. Depois de uma pesquisa do Ibope mostrando que os paulistanos apoiavam as manifestações e meia dúzia de jornalistas feridos com balas de borracha, a fala mudou: “o uso excessivo da força”, “jovens reivindicando seus direitos”, “a prefeitura intransigente nas negociações”… Na outra semana, com centenas de milhares de pessoas nas manifestações país a fora, ouvia-se nos telejornais: “um exercício de cidadania”, “famílias inteiras nas ruas”, “atos pacíficos”, “um pequeno número de vândalos”… Uma rápida análise do discurso mostra o quão ágil a imprensa é para ficar do lado de quem lhe interessa momentaneamente; e para assumir o protagonismo em um movimento sem dono.
Estas manifestações também abriram espaço, mesmo que tangencialmente, para o retorno do debate sobre uma participação da sociedade na democratização da comunicação. Ninguém que defende a regulação da mídia, inclusive com a coleta de assinaturas para um Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre o tema, apoia que carros de reportagem sejam queimados ou apedrejados, sequer espera que jornalistas façam seu trabalho disfarçados ou do alto dos prédios; mas que o povo não é bobo, isso não é.
Não se pode ser ingênuo, porém, ao ponto de achar que o Facebook seja o maior instrumento da democracia. A grande mídia continua a pautar muitos dos comportamentos desses que, mesmo na rede, têm no G1, Globo.com, UOL e Terra como principal referencial de informação. Sair do Face não basta, o uso que se faz dele, dos jornais, das TVs, das rádios e das ruas – sendo todos meios de comunicação – é o que importa.
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Edgard Rebouças é jornalista, professor da UFES, coordenador do Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas e sistemas e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos.