Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quando o papa e seu rebanho chegarem

Mesmo quem não acompanha as passeatas que tomaram de assalto o Brasil, através dos meios de comunicação tradicionais ou pelas novas tecnologias, é notório que algo profundo, embora que ainda na superfície, entrou em curso. Ninguém pode ser tão alienado e recluso em seus ‘mundinhos’ que ainda não conseguiu perceber as manifestações nas ruas. Isso é o óbvio ululante.

Nesse momento, a expressão massiva continua pulsando, e, estrategicamente se direciona à locais explícitos de contestação. Ganha força, ao contrário das ações feitas por setores reacionários e seus porta-vozes como não chegariam (um mar de gente) a valer nem R$0,20. Demostrou-se que não era somente por R$0,20. Se apoiando na sabedoria popular ao sentido “já que não pode contra eles, junte-se a eles”, a ponta do conservadorismo, isso é, os policiais, se infiltraram (comprovados em filmagens) nas manifestações pela tentativa de provocar, de dentro pra fora, a desestruturação do movimento.

Por que classifico como a “ponta do conservadorismo”? Sob lema “servir e proteger” seria condizente que a Polícia Militar prestasse um serviço público, logo, gratuito, de qualidade e democrático. Vem sendo levantada a discussão da “desmilitarização” da polícia, pois, ao sairmos da ditadura militar e entrarmos em nossa jovem democracia, as forças de segurança são ainda vicejadas como aparelho do regime repressor. O Brasil, segundo meu amigo Luiz Eduardo Soares (ex-secretário nacional de segurança pública), não passou para a democracia na área de segurança. Nós transitamos para a democracia em todas as outras áreas, porém, a segurança ficou esquecida em função de negociações com a ditadura na época e até hoje não reformamos o modelo policial. Até hoje é ensinado nas academias militares, que, o que ocorreu no Brasil a partir de abril de 1964, foi uma Revolução…

Sem preconceitos

Esse pensamento conservador é disseminado desde a formação da Guarda Real, uma vez que, sempre foi primado proteger a classe dominante. Na passagem do Império para a República, o mesmo contingente continuou em serviço como agentes de segurança, trocando apenas a farda. E a reforma (?) do Código Criminal do Império (primeira legislação brasileira no campo do Direito Penal) de 1830, que iria ser revogado, para o Código Penal de 1890 – já em plena República – foi relatado pelo mesmo jurista. Ou seja, não mudou nada.

O medo da multidão independente, porém, organizada tentou (ao azar deles, em vão) fazer que as mudanças pretendidas sejam neutralizadas. O estado de coisas, do que jeito que estava até então, agradava aqueles que pensam que o povo não pode tomar conta e muito menos participar das decisões políticas. De um lado, ficam aqueles que insistem em dizer que o povo é burro e de outro, ficam esses que acreditam na potência popular transformadora. De que lado você samba?

Nenhuma crise, seja de qualquer natureza, é para sempre. Sendo assim, nada melhor do que aprender com nossos erros a fim de superá-los. Essa crise de representatividade só faz aumentar o nível de consciência por todos aqueles que diretamente ou indiretamente contribuem para o jogo político. Claro que política, economia e etc; são temas chatos. E é, dessa aparente chatice que políticos profissionais constrói suas carreiras. Maquiavel dizia que “A desgraça daqueles que não gostam de política, é ser governado pelos que gostam”. Pois é.

Coincidentemente, Nicolau Maquiavel teve seu clássico O Príncipe permanecido por séculos na lista dos livros proibidos pelo Vaticano, catalogado no Índice de Livros Proibidos (Index Librorum Prohibitorum). O Index, criação do Papa Paulo IV em 1559, chega ao ano de 1571 reformulado como Congregação Index, o que nada mais seria que uma tentativa de limitar o conhecimento humano censurando autores do naipe de Jean Paul Sartre, Voltaire, Heidegger, René Descartes entre outros. Após críticas internas (?), demorou quase que 400 anos pra ser abolido no ano de 1966, mas que, coincidentemente na América Latina ocorriam seus anos de censura a qualquer tipo de pensamento livre. Na Argentina, Jorge Mario Bergoglio, hoje o Papa Franscisco, segundo se divide opiniões, teria apoiado a ditadura…

Os golpes de Estado aconteceram em momentos quando o povo, guiado por suas vanguardas, caminhava para um outro sistema político que atendesse todas as camadas da sociedade ao passo de tornar uma nação mais justa, fraterna e liberta de uma minoria dirigente, mas uma população em pé de igualdade com todos, sem preconceitos de qualquer ordem, como racial, social, sexual, entre outras formas de discriminação.

Mudar o mundo

No começo do ano de 1989, quando teríamos nossas primeiras eleições para presidente, após 20 anos de censura à liberdade de expressão, o carnaval carioca gerou repercussão ao receber censura da igreja católica ao proibir na justiça a imagem do Cristo em trajes de mendigos (na Bíblia não consta que Jesus se preocupava com os mais pobres, tendo andando entre mendigos e leprosos?) protegendo prostitutas, mendigos e todo o pessoal em situação de rua, abandonado. O revolucionário Joãozinho Trinta cobriu o carro alegórico com sacos de lixo preto, porém, a frente veio a facha: “Mesmo proibido, olhai por nós!” Ficou ainda mais forte.

Faixas das mais diversas continuam sendo erguidas pela população e palavras de ordem proliferadas, entre aos quais convém aproveitar a presença do Papa, como a regulamentação do aborto e a regulamentação das drogas, temas esses que atingem diretamente os mais pobres. Recentemente, em dados oficiais não foi registrado nenhuma morte de mulheres que precisaram abortar no Uruguai. Teremos em breve dados oficiais relacionados ao vigor da regulamentação do uso da maconha. Essas políticas públicas ganharam o debate no Uruguai ainda quando Jorge Mario Bergoglio era cardeal na Argentina. E a própria Argentina também já descriminalizou o uso.

Positivamente, veremos que índices de violência e corrupção tenderam a baixar, já que o ciclo vicioso começa a ser desmontado pelo simples fato de temas que dizem respeito à saúde e a vida das pessoas, sejam questões politicas referente à saúde, e não de polícia. Em países como Canadá, Espanha, Itália, Holanda, entre outros, o uso medicinal e/ou recreativo está regulamentado ao controle do Estado e não na mão de narcotraficantes. Em declaração pública sobre essas polêmicas, vemos que o Papa não está bem informado acerca dos resultados práticos.

O prefeito da cidade que recebe a Jornada Mundial da Juventude também tentou, em vão, pedir que as manifestações cessem durante a estadia da Sua Santidade. É um legítimo movimento de massas que está a impulsionar ‘a grande roda da história’ e aos que não tem coragem: “Se você não pode ser forte/ Seja pelo menos humana/ Quando o Papa e seu rebanho chegar…” Quem vai mudar o mundo com seus moinhos de vento?

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Paulo Mileno é ator