Surgida no começo dos anos 1980 na Alemanha, a tática de protesto “black bloc”, que prega o ataque a símbolos capitalistas e às forças repressoras do estado, se tornou uma constante nos últimos protestos em São Paulo.
Para especialistas, cenas como a do dia 26 de julho, em que ao menos 13 agências bancárias da av. Paulista foram depredadas por manifestantes de preto e com os rostos cobertos, podem ficar menos frequentes, mas o ideário do ato tende a permanecer.
“O ‘black bloc’ é uma ideia que se mantém ao longo dos anos numa espécie de trégua, mas sempre de prontidão”, diz Marcos Nobre, filósofo e professor da Unicamp.
“A análise da correlação de forças políticas só interessa ao manifestantes da tática como indicativo de quando entrar e sair de cena. E nisso eles são muito bons.”
Até as manifestações de junho, puxadas inicialmente pela bandeira do MPL (Movimento Passe Livre), os registros de ações “black blocs” no Brasil eram incipientes.
“Eles estavam presentes nessas passeatas do MPL, mas era próximo do modelo alemão”, diz Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP.
Berlim x Seattle
O modo germânico remete à origem da tática, ligado a grupos anarquistas, ambientalistas e à ocupação de espaços urbanos, quando manifestantes cobertos de preto para dificultar a identificação, faziam o isolamento das passeatas contra a ação de provocadores e da polícia.
A violência até então era um objetivo secundário.
“Quando o Movimento Passe Livre foi à marginal Pinheiros em junho, os black’ retardaram a chegada da PM, permitindo o avanço da manifestação, como na concepção alemã”, diz Ortellado.
A explosão recente de violência mimetiza a quebra de padrão ocorrida em 1999, em Seattle, nos EUA.
Foi quando um grupo de Oregon, em discordância com os movimentos sociais que protestavam num encontro da Organização Mundial do Trabalho, adotou a destruição do que consideravam símbolos do capitalismo (lojas do McDonald’s e do Starbucks, por exemplo).
O modelo fez escola e desde então houve picos de ação em Gênova (2001), Toronto (2010), Londres e nos Occupy americanos (2011) –e, desde o ano passado, no Egito e na Turquia.
Crime e política
“O black bloc’ questiona a fronteira do que é legítimo, da violência como arma política e não como crime”, diz Marcos Nobre, que ressalta ainda o que chama de “parâmetros de performance”, ligados à força da imagem durante as depredações.
Para Pablo Ortellado, por ser uma ação simbólica (o capitalismo ruindo na destruição de uma agência bancária), “a chave para entender a tática está mais na interface da política com a arte do que com o crime, porque ela não é contra pessoas, só contra coisas”.
Um ponto de discordância com Nobre, para quem “a lógica black bloc’ só tem valor como resultado de uma ação concreta. Então o objetivo não se resume à imagem”.
Segundo ele, as manifestações de junho criaram uma espécie de “colchão social” que deu, até agora, suporte às demandas das ruas, que tende a se esgarçar pela ação repressora oficial e na difícil empatia com a sociedade.
“O desafio da tática é enfrentar o debate público, o questionamento e o contraditório em fóruns diferentes de suas plenárias horizontais e autônomas.”
A análise dos dois especialistas convergem quando provocados sobre um prognóstico da manutenção da tática no Brasil.
“O black bloc’ veio para ficar. Os protestos podem arrefecer, surgirem de outra forma, mas a tática se estabeleceu, entrou no imaginário social e é um fenômeno mundial”, diz Ortellado.
******
Rodrigo Levino é editor-assistente da “Ilustrada”, da Folha de S.Paulo