Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A comunicação científica numa sociedade democrática

Um dos grandes desafios da cobertura de ciência é traduzir a linguagem científica para o público leigo. O problema é que o jornalista, no intuito de facilitar o entendimento do relato científico que às vezes sequer entende, entrega ao público uma informação equivocada. Outro erro comum é a simples transcrição do conteúdo especializado, sem nenhuma contextualização.

Comunicação de ciência não é apenas transferir conhecimento ou informação. Talvez este tipo de pensamento explique o motivo pelo qual a cobertura de Ciência, Tecnologia e Informação (C, T & I) ainda seja deficitária na imprensa brasileira. Conforme argumenta o educador Carlos Vogt, a comunicação científica aproxima, compartilha e estimula. Neste contexto, ela também exerce um papel social, que é o de municiar cidadãos comuns, que não detêm o “poder”, pois informação também é poder, com recursos capazes de envolvê-los na discussão de temas relevantes para a sociedade.

O primeiro passo para a popularização de ciência, termo que Vogt usa com propriedade, é a conscientização, por parte dos jornalistas e comunicadores de ciência, de seu papel de “mediadores” entre os interesses e necessidades da comunidade científica e o público leigo. A tarefa é desafiadora: traduzir e contextualizar o relato científico de forma palatável e cativante ao leitor que não está familiarizado com os jargões da ciência. Isso tudo, é claro, sem perder de vista o rigor científico.

Ferramenta para o exercício da cidadania

A segunda edição do livro A Field Guide for Science Writers, publicado pela Oxford University Press, traz algumas dicas em relação ao exercício do jornalismo científico. No prefácio do livro, os editores introduzem a relevância da cobertura de ciência e dão algumas características do jornalista científico ou “escritor de ciência”, termo que revela a importância que os profissionais de imprensa têm ao exercer o papel de mediadores entre os interesses da comunidade científica e os da sociedade, mesmo que a última não saiba o potencial político que a informação científica pode desempenhar. “Mais do que em qualquer outro campo da reportagem, equilíbrio em ciência é mais do que simplesmente distribuir um número igual de colunas e centímetros para as aspas de cada lado. Equilíbrio em ciência requer guia autoral, requer contexto e conhecimento quando determinados pontos de vista simplesmente precisam ser ignorados.”

Pesquisas mostram que a percepção pública da ciência e tecnologia tem aumentado sensivelmente no Brasil. Nesse sentido, a formação de jornalistas especializados na cobertura de C, T & I tem contribuído para a ampliação e a melhoria da qualidade da divulgação científica na mídia. O que, por sua vez, tem um impacto significativo na percepção que o público tem da ciência. O fato é que o surgimento da ciência no Brasil ainda é um fenômeno recente, segundo aponta a doutora em História Social pela USP, Germana Fernandes Barata. A especialização do conhecimento e o investimento na criação de institutos de pesquisa, escolas e faculdades, por exemplo, ocorreu apenas a partir da primeira metade do século 20.

Já na década de 1980 pesquisas apontavam os benefícios, bem como o potencial político e transformador da C, T & I em áreas estratégicas para o desenvolvimento econômico e social. Esses benefícios já são conhecidos pelos brasileiros, segundo revela uma pesquisa de opinião pública realizada em 1987 pelo Instituto Gallup de Opinião Pública. Intitulada “O que o brasileiro pensa da ciência e tecnologia”, a pesquisa indicou que “tanto o cientista como a Ciência desfrutam de grande consideração e respeito junto à população brasileira” (Ministério da Ciência e Tecnologia, 1987). Já naquele ano, o governo reconhecia a importância e o papel da divulgação científica como ferramenta fundamental para o exercício da cidadania.

Dois editais da Finep

Quando o jornalista de ciência entende e reconhece o papel social e democrático que a comunicação científica exerce, pode informar a sociedade e formar nela uma consciência cidadã e de engajamento com as questões que envolvem, entre outros aspectos, políticas públicas de ciência.

Áreas vitais para a vida humana, como saúde e alimentação, por exemplo, também são objeto de aplicações tecnológicas, mas cujas decisões, muitas vezes, não são decididas em conjunto com a sociedade. O uso de células-tronco embrionárias, os avanços da biotecnologia e as discussões éticas sobre os limites da tecnologia de DNA recombinante, por exemplo, ainda são temas pouco conhecidos pela população em geral.

No caso específico da técnica de DNA recombinante, que une o DNA de fontes não homólogas em geral de organismos diferentes, os benefícios a ela associados podem resultar na melhoria da qualidade de vida de hemofílicos, por exemplo. Não por acaso, notícia, ou melhor, nota divulgada pelo Estadão em 2007 informa que “a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) aceita inscrições para dois editais com valor total de R$ 12,8 milhões. O primeiro, de R$ 2,8 milhões, será encerrado na quinta-feira. Ele busca projetos em escala piloto que visem obter fatores 8 e 9 da coagulação sanguínea por DNA recombinante. Atualmente não existe a produção desses insumos no país”.

Os avanços da ciência e a cidadania

No site do veículo, uma rápida busca pelo termo “DNA recombinante” mostra a escassez de notícias relacionadas ao tema, o que, mais uma vez, evidencia e justifica a necessidade de formar jornalistas especializados na divulgação e comunicação científica.

Desenvolver e divulgar a ciência com responsabilidade social e compromisso público não é uma tarefa restrita aos cientistas. Cabe aos divulgadores de ciência, em especial aos jornalistas, que adoram o título de “fiscalizadores” do poder público, investigar os avanços da ciência e traduzir aos cidadãos os desafios, limites e avanços da ciência e tecnologia. Só assim, de posse de informações e fatos devidamente contextualizados, o cidadão poderá participar de forma mais efetiva e democrática da tomada de decisões no campo da ciência.

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Leonardo Siqueira é jornalista, especialista em Comunicação Empresarial (Umesp) e pós-graduando em Jornalismo Científico, Campinas, SP