A disciplina infraconstitucional do direito de resposta no direito brasileiro tem sido objeto de discussões frequentes após o julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 130, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009. Na oportunidade, foi declarada revogada a Lei de Imprensa então vigente e, por consequência, a regulamentação do direito de resposta no direito brasileiro.
Em 2010, foram propostas duas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão (ADO) nas quais se discutiu, entre outras questões, o direito de resposta. Na falta de promulgação de uma norma, o contexto continua favorável ao debate acerca da positivação de inovações ao instituto de modo a favorecer o pluralismo no debate público.
Como já afirmado anteriormente (“O direito de réplica na ordem jurídica brasileira”, Observatório da Imprensa, edição nº 758), é preciso enfatizar que o mais substancial avanço no sentido da promoção do acesso à informação seria a mudança do regime jurídico de modo a impedir a concentração da propriedade dos meios de comunicação social. No Brasil, um mesmo grupo econômico explora diferentes veículos de comunicação de massa simultaneamente (jornais, rádios, revistas, televisão aberta) e sem limitação de audiência máxima.
As teorias justificadoras
Sem prejuízo do combate à concentração da propriedade dos veículos de comunicação social (tanto em número quanto em percentual da audiência) como forma de garantir a efetividade do direito do cidadão à informação, discutem-se meios de promoção do acesso aos veículos de comunicação social. Este texto é dedicado ao exame de algumas propostas para eventual regulamentação do direito de resposta.
Reiteram-se manifestações de pesquisadores no sentido da necessidade de ampliação do uso do direito de resposta, previsto no art. 5º, V, da Constituição Federal (nesse sentido, leia-se Fábio Konder Comparato, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho e Venício Artur de Lima). Disso decorre a continuidade do exame da questão posta na referida edição nº 758 do Observatório da Imprensa: como ampliar o uso do direito de resposta?
Não se pode olvidar, enfatize-se, que a ampliação do uso do direito de resposta precisa atentar para a sua teleologia. Várias teorias justificam a defesa do direito de resposta e as possibilidades de utilização precisam estar em harmonia com as justificativas apresentadas. De acordo com Vital Moreira, poderiam ser destacadas cinco teorias justificadoras do direito de resposta classificadas de acordo com os bens ou valores alegadamente tutelados: 1) defesa dos direitos da personalidade; 2) direito de participação informativa; 3) garantia do pluralismo informativo; 4) defesa do dever de veracidade da comunicação; 5) sanção ou indenização em espécie.
Possibilidades a serem adotadas
Neste texto, a ampliação do uso do direito de resposta é defendida com fulcro na pluralidade de funções expressas, especialmente, nas três primeiras teorias: defesa dos direitos da personalidade, direito de participação informativa e garantia do pluralismo informativo. Baseado em uma plurifuncionalidade, o direito de resposta pode atender variados objetivos e continuar em harmonia com o texto constitucional.
A finalidade precípua da proteção da informação é a proteção do cidadão. O acesso à informação é condição necessária para o exercício de todas as demais liberdades. É crescente o reconhecimento de uma dimensão acentuada mente transindividual da perspectiva de proteção da liberdade de informação. Como destacada na edição nº 758, a Constituição de 1988 possui diversas normas indicativas dessa mudança.
Para a ampliação do uso do direito de resposta, é possível vislumbrar algumas possibilidades a serem adotadas em legislação infraconstitucional a ser promulgada: 1) direito de resposta para a proteção de direitos transindividuais; 2) gratuidade da resposta quando não comprovada a má-fé na proteção de interesses transindividuais; 3) teto para o valor a ser pago pelo requerente do direito de resposta vencido no mérito; 4) obrigação alternativa ao direito de resposta; 5) pedido de resposta formulado em texto escrito com outra perspectiva de abordagem da matéria; 6) flexibilidade na apreciação da proporcionalidade entre resposta e agravo. Nesta oportunidade, serão feitas considerações acerca das três primeiras possibilidades mencionadas.
Legitimidade para a formulação de pedido
Além de servir para a garantia da defesa individual o direito de resposta também deve ser amplamente compreendido para a defesa de bens classificados como transindividuais. Constantemente, por exemplo, são veiculadas informações equivocadas em veículos de comunicação de enorme penetração social. Dados há muito reconhecidos como incorretos pela comunidade científica são veiculados sem contestação e influenciam substancialmente o comportamento dos cidadãos receptores da mensagem. A informação equivocada afeta a liberdade de pensamento dos cidadãos e, conseguintemente, o exercício de todos os seus outros direitos.
Nesse sentido, defende-se o alargamento do direito de resposta para a defesa de bens coletivos ou sociais classificados como difusos. Para tanto, pode-se pensar na legitimação do Ministério Público; de órgão da Administração Pública, direta ou indireta, quando especificamente criado para a defesa de interesses difusos e coletivos; e a de organizações não-governamentais cujas finalidades estatutárias prevejam a defesa desses interesses.
Sem pretender fazer uma longa incursão no aspecto processual (nesse particular, leia-se Luiz Manoel Gomes Júnior e Miriam Fecchio Chueiri), convém fazer algumas considerações acerca da legitimidade para a formulação de pedido de resposta. Em regra, consoante o art. 6º, do Código de Processo Civil (CPC), apenas o titular do direito violado poderá agir em juízo. Essa regra geral não afasta a possibilidade de a resposta ser postulada em ação coletiva quando houver necessidade de uma resposta ampla destinada a beneficiar toda a coletividade.
O “preço da cidadania”
O direito de resposta na ordem constitucional brasileira não se restringe à proteção individual do direito de alguém eventualmente ofendido. Quando o direito de resposta é exercido na proteção de direito coletivo, cumpre atentar para a conveniência de um tratamento diferenciado em relação às custas processuais.
Assim como na proteção de um direito individual, é possível uma resposta ser deferida, veiculada e, em grau de recurso, ser julgado improcedente o pedido. A quem caberia o ônus da veiculação da informação?
Owen M. Fiss discorre a respeito do custo da cidadania. Conforme enfatizado pelo autor, em uma democracia, a utilização da propriedade de alguém para suportar atividades detestadas pelo proprietário é amplamente considerado o “preço da cidadania”. Inúmeros exemplos poderiam ser oferecidos: recursos arrecadados pelo sistema tributário são destinados a atividades que contam com a oposição de muitos (v.g., guerras, construções de estradas, edifícios, passeatas, palestras e mesmo livros em bibliotecas públicas). Do mesmo modo, a possibilidade de acesso aos veículos de comunicação de massa contribui para a preservação do próprio processo democrático e pode ser considerado também um “preço da cidadania”.
Gratuidade é a opção mais adequada
Esse entendimento de Owen M. Fiss pode ser aceito com muito maior razão no direito brasileiro, no qual o direito de resposta encontra explícita previsão constitucional. No que concerne à proteção de direitos transindividuais, o pedido de resposta se apresenta como um exercício regular de um direito em benefício de toda a sociedade interessada na pluralidade informativa.
Toda a coletividade é beneficiada pela informação jornalística mais precisa. A resposta contribuirá para a cognição precisa dos fatos pela sociedade, favorecerá a compreensão da verdade e, por conseguinte, proporcionará melhores condições para a efetividade do direito à informação. Quando regularmente exercido o direito com o propósito de proteger direito transindividuais, o regime jurídico da ação popular revela-se o mais adequado: gratuidade para o autor, salvo comprovada má-fé.
Elaborando-se, pois, regime jurídico específico para o ressarcimento de custos de respostas veiculadas após decisão judicial, salvo comprovada má-fé, a gratuidade revela-se como a opção mais adequada. Nesse caso, o propósito maior é a efetividade do direito à informação jornalística da população. Se o proponente não age na defesa de um interesse pessoal, o risco do processo não deve recair sobre o mesmo. De outro modo, a sociedade é privada, em grade medida, da proteção desejada.
O custo da resposta
A promoção do contraditório informativo atende a interesse público. Impõe-se a adoção de mecanismos que favoreçam o exercício do direito de resposta em benefício da pluralidade de perspectivas no debate público. O Supremo Tribunal Federal julgou não recepcionado o art. 52 da Lei de Imprensa, que estabelecia o regime de indenização tarifada (Ag. de Instrumento nº 496.406, julgado em 7/8/2006). De acordo com o entendimento adotado pela Corte, após a Constituição de 1988, art. 5º, V e X, vigeria a ampla reparabilidade dos danos. Essa decisão foi positiva do ponto de vista da inibição de abusos cometidos por meio de comunicação social. De outro modo, poderia ser mais vantajoso economicamente praticar o abuso do que respeitar os direitos alheios.
No mesmo sentido de conter abusos praticados por meio da imprensa, com o propósito de promover o exercício do direito de resposta, poderia ser estabelecido regime tarifado em favor do requerente vencido quando do julgamento do mérito do pedido.
O risco de um pedido de resposta concedido judicialmente vir a ser julgado improcedente ao final do processo compromete a efetividade deste direito. Ao cidadão, mesmo convencido de que foi vítima de uma ofensa, diante do risco de ter de pagar pelo custo da veiculação da resposta em um veículo de comunicação de massa, pode parecer melhor abrir mão dessa via e recorrer apenas à responsabilidade civil e penal pela informação veiculada quando cabível.Ao reconhecer, espontaneamente, o direito e veicular a resposta, não há dificuldade a ser enfrentada. Todavia, quando é necessário recorrer ao Judiciário e solicitar a veiculação imediata da resposta, um problema se apresenta: o custo da resposta veiculada.
No horário eleitoral, Estado paga a resposta
A antiga Lei de Imprensa previa a possibilidade de o autor arcar com o custo da resposta inicialmente veiculada. Qual é o custo de meia página de um jornal com uma tiragem de um milhão de exemplares? Quanto custa uma resposta de um minuto no horário nobre de uma emissora de televisão? Considerando o risco inerente a qualquer processo, esta antiga previsão legal revelava-se prejudicial à efetividade do direito de resposta. Destaque-se que a possibilidade de exercício deste direito foge de uma relação próxima entre autor e réu. Um veículo de comunicação pode divulgar uma informação que justifique a concessão do direito de resposta e ter a sua informação reproduzida por outras quarenta empresas. O interessado terá direito de resposta contra todas, mas terá condições de assumir o risco do processo multiplicado dessa maneira?
Tendo em vista o julgamento do STF na ADPF nº 130, a antiga Lei de Imprensa foi revogada. Ao inexistir lei especial, é forçoso concordar com Luiz Manoel Gomes Júnior e Miriam Fecchio Chueiri: deve ser aplicada a regra geral prevista na legislação cível. Para garantia do pluralismo informativo e de direitos eventualmente afetados por informações veiculadas, é recomendável regime jurídico semelhante ao existente para o horário eleitoral.
O horário eleitoral é gratuito para os partidos, mas não o é para a sociedade. Como esclarece José Paulo Cavalcanti Filho, os veículos de comunicação social são remunerados pelo Estado pelo tempo destinado aos partidos políticos. Vale dizer, durante o período eleitoral, no horário destinado aos partidos e coligações nos veículos de rádio e de televisão, se um candidato é difamado por outro e solicita tempo para resposta, o veículo de comunicação social é pago pelo Estado para veicular a resposta.
Algumas contribuições ao debate
Para promover a efetividade do exercício do direito de resposta por quem é lesado por veículo de comunicação social, uma solução semelhante poderia ser positivada. Caso a decisão inicial fosse revertida, quem exerceu o direito de resposta baseado nesta decisão poderia não pagar nada ou pagar até um determinado limite fixado em lei. A diferença para o valor deveria ser paga pelo Estado.
Na lei a ser promulgada sobre a matéria, revela-se aconselhável regime jurídico específico para o ressarcimento de custos de respostas veiculadas. O ressarcimento integral do veículo de comunicação é conveniente para o detentor do controle do veículo, mas desvantajoso para quem for vítima de uma informação e desejar a sua pronta reparação por meio da resposta.
Por meio dessas inovações na legislação a ser promulgada para disciplinar o exercício do direito de resposta, acredita-se ser possível intensificar o debate público com ganhos para o pluralismo social. Em outra oportunidade, serão desenvolvidas as outras três propostas de regulamentação mencionadas no texto. Desse modo, acredita-se, serão feitas algumas contribuições ao debate acerca do tema.
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Pedro Augusto Lopes Sabino é professor de Direito Constitucional