O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, do PT, é um estudioso da liberdade de imprensa. Nas horas vagas de sua função – que, ao que parece, são muitas –, decidiu pesquisar o maior jornal de seu estado, o Zero Hora, do Grupo RBS.
Como detesta improvisos e amadorismos, quis basear seu estudo em dados científicos. Contratou, então, um instituto especializado nesse tipo de pesquisa – a Foco Opinião e Mercado Ltda., de Santa Catarina – para avaliar se o dito jornal é ou não imparcial nas coberturas que faz de seu governo.
Para tanto – detalhe irrelevante –, serviu-se do tesouro do Estado, de lá sacando a módica quantia de R$ 400 mil, que, claro, não fará falta a ninguém. Não se sabe a que conclusão chegou a tal pesquisa, que não foi – e provavelmente não será – publicada.
O Ministério Público de Contas do Rio Grande do Sul não entendeu – e não gostou: “Não se depreende qual a finalidade e o interesse público, em possível desatendimento às disposições constitucionais, na realização dos gastos”, diz o texto da representação que o procurador-geral Geraldo Da Camino encaminhou ao Tribunal de Contas do Estado.
Mistério palaciano
Os procuradores em geral são chatos. Têm sempre dúvidas e suspeitas e estão sempre procurando alguma coisa errada. Daí o nome da função. No caso, porém, o procurador achou estranho gastar R$ 400 mil numa pesquisa que poderia sair quase de graça.
De fato, para aferir a imparcialidade de um jornal basta lê-lo, o que implica a aquisição do exemplar, na faixa dos R$ 2. Mas – e isso escapa à perspicácia do procurador –, o governador talvez tenha feito a opção mais cara para não contaminar a resposta com suas idiossincrasias e preconceitos.
Possivelmente, já tenha sua resposta pessoal, mas não julgou suficiente: quer ser justo. Por isso, acionou a Secretaria Estadual de Comunicação e Inclusão Digital, para encomendar o serviço. O que são, afinal, R$ 400 mil, sobretudo quando não nos pertencem, não é? O que, afinal, é o dinheiro público?
Há controvérsias: uns acham que, sendo público, não é de ninguém – e, portanto, é de qualquer um; outros, inversamente, acham que, sendo público, é de todos, o que não autoriza ninguém a dele se servir, senão em benefício de todos. O governador não se mete nessas polêmicas. É imparcial.
Cultor da liberdade de imprensa, quer ter certeza das intenções e pontos de vista do maior órgão de imprensa de seu Estado. Não se sabe exatamente para quê, pois, goste ou não, parcial ou não, terá que continuar a conviver com o jornal, cujas atividades estão sob garantias constitucionais.
Mas essa é uma questão posterior.
O governador neste momento se concentra na pesquisa. Quer entendê-la. A Foco Opinião perguntou a 2.400 gaúchos se acham a Zero Hora imparcial. E se for? E se não for? E se der empate? É denso – e tenso – o mistério que cerca o Palácio do Piratini. Ninguém pode falar sobre o assunto.
Silêncio de ouro
O governador certamente terá feito reuniões prolongadas com sua equipe para decifrar os enigmas que a pesquisa lhe infunde. Se Zero Hora lhe fosse favorável – e nesse caso a imparcialidade seria bem vinda –, a pesquisa talvez fosse desnecessária. Não sendo – e aí a imparcialidade é inaceitável –, é preciso tomar providências.
A melhor delas, tudo indica, seria governar melhor. Mas não exageremos. Enquanto não houver uma conclusão fundamentada, o melhor é guardar silêncio – e lamentar que iniciativa tão séria, tão comprometida com os fundamentos do Estado democrático de Direito, esteja sendo questionada por míseros R$ 400 mil.
******
Ruy Fabiano é jornalista