Muito mais do que um simples pedido de desculpas ou, no mais, “desculpem a nossa falha”, o texto “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro”, publicado sábado (31/8) pelo site do jornal O Globo, remete a conclusões que não podem ser tomadas de imediato, no calor do momento. Simpatizantes eternos do impresso, ou até mesmo os contrários às suas posições ideológicas, necessitam realizar um voo mais panorâmico para, de fato, enxergar as letras expostas com mais clareza.
Muito mais do que um simples pedido de desculpas, o texto traz consigo um tom de reposicionamento por parte do jornal. Nas manifestações que tomaram recentemente o país, diversos veículos de comunicação foram atacados – tanto por manifestantes mais estruturados que levavam palavras de ordem contra as Organizações Globo, por exemplo, quanto por “manifestantes” que agrediam jornalistas, destruíam carros de emissoras e depredavam fachadas de jornais.
Por que veículos jornalísticos? Há, ainda, o agenda setting, mas só agora alguns canais de comunicação começaram a se dar conta de que o povo não é mais passivo e requer ferramentas simples e poderosas para demonstrar sua insatisfação com as coberturas realizadas ou os posicionamento tomados por alguns veículos. No caso da Folha e do Estadão, o repúdio aos respectivos editorias foi tão grande que ambos recuaram e “ficaram ao lado do povo”, posteriormente. Mas e no caso das Organizações Globo?
Os “inimigos” potenciais
A Globo é o maior conglomerado midiático do país e um dos maiores do planeta. É poderosa, tem qualidade e uma linha editorial questionada pelos mais críticos. Alguns apostam na democratização dos meios de comunicação como arma para liquidar com a emissora e seus demais tentáculos. Outros, mais ponderados, enxergam no fortalecimento de novos canais uma forma democrática de expandir conhecimento e informação a todos, de maneira plural e diversificada. E ambos apontam duras falhas no comando da Globo no jornalismo brasileiro.
Muito mais do que um pedido de desculpas, o texto sobre o apoio ao golpe de 64 vai além e traz contornos estruturais mais profundos. Deixemos de lado a linha editorial da emissora, seus partidários ou críticos – que são contra seus monopólios, mas apostam em veículos patrocinados 100% pelo governo como forma de democratizar a comunicação. Deixemos tudo isso de lado. Deixamos nossos ânimos políticos de lado. O que o texto tem de diferente, afinal?
A Globo, assim como dezenas de outros veículos, começou a entender o poder do clamor das ruas combinado à disseminação viral das redes sociais. Esses fatores combinados se transforam em potenciais “inimigos” para grandes veículos já consagrados, pois confrontam suas ideias, seus posicionamentos e suas atitudes perante a sociedade. E todos nós sabemos que jornalistas não gostam de ser confrontados, muito menos seus patrões.
Olhos abertos
O texto do jornal O Globo é um reposicionamento na sua linha de modelo de negócio. Ao perceber que não é possível lutar contra os críticos – fato que nem deveria ser relevado –, a Globo enxergou a necessidade de um reposicionamento na sua forma estrutural de levar os negócios. Se não podemos ir contra eles, vamos nos juntar. Ao pedir desculpas, a Globo não muda apenas um fator na história brasileira, mas dá início a toda uma reformulação de sua linha editorial com o intuito de “sobreviver” ao caos mercadológico em que o mercado de jornalismo está inserido.
Pode soar um pouco estranho misturar o golpe de 64 com modelos de negócios, mas foi exatamente por isso que pedi que o olhar às letras do texto fosse feito de maneira macro, além de levar em conta os próximos passos do jornal. Nada é feito por acaso. O pedido de desculpas não surgiu só para gerar uma possível calmaria nos críticos. A Globo, assim como os demais grandes veículos do país, está coçando a cabeça para encontrar meios de migrar para terrenos mais firmes e menos densos.
Cabe a todos nós ficarmos atentos. Não julguemos as desculpas como hipocrisia e não julguemos as desculpas como uma ação benfeitora. Tudo isso possivelmente tem por trás moldes econômicos que pretendem trazer a sociedade para perto das Organizações Globo. Não nos tornemos lobos nem ovelhas, mas os olhos devem estar bem abertos aos próximos passos que serão dados no campo.
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Cleyton Carlos Torres é jornalista, blogueiro e editor do Mídia8!