Quando foi candidata à Presidência da República, em 2010, Marina da Silva conquistou 19 milhões de votos com seu discurso verde e sua aparente sinceridade e pureza de propósitos. Ela era, naquele momento, uma novidade em termos de proposta e na forma de fazer política. Pelo menos foi o que acreditaram os jovens que se engajaram na campanha, fascinados pelo debate em defesa do meio ambiente, ausente nas propostas de Dilma e Serra.
Três anos depois, afastada de seu Partido Verde e impedida de criar o seu partido, Marina faz aliança com o PSB, que de verde não tem nada. E cria, nos seus jovens eleitores, uma ponta de desilusão. Afinal, se a luta é pela ecologia, onde está a coerência?
Buscar coerência em políticos deve ser um sonho tão infantil como o da menina Malala Yousafzai, a jovem paquistanesa que trocou o desejo de ser médica pela vontade de fazer política, por acreditar que “poderei ajudar a um número maior de pessoas” (Veja, 13/10/2013).
Na mesma edição de Veja encontramos uma análise que mostra a falta de coerência entre Dilma Rousseff, a presidente, e Dilma Rousseff candidata à reeleição. Segundo a revista, Dilma, a presidente, é mostrada por seus marqueteiros como uma governante “intransigente com a corrupção, avessa a conversa com as raposas da política e intolerante com a ganância de banqueiros e empresários”. Imagem essa que rendeu altos índices de popularidade. A candidata, segundo Veja, não é exatamente assim: “É quase a antítese da gerente durona. Em sua nova versão eleitoral, Dilma redime acusados de corrupção, confraterniza com líderes partidários e corre para os braços do povo. Tudo com sorriso no rosto. Tudo com direito a afagos nos interlocutores. Tudo em nome da reeleição.”
Voltar atrás
Mas a verdade é que Dilma não é a única que passa ao eleitor esse ar de incoerência ou de adesão ao vale-tudo para ganhar votos. Por que, indeferida a criação de seu novo partido, Marina preferiu o PSB ao seu partido de origem, o PV? O ex-deputado Fernando Gabeira explica: “Meus esforços para reaproximar Marina e o PV foram em vão e as razões do fracasso não cabem numa análise política. Talvez num outro suporte, um romance psicológico, conseguisse explicar o que aconteceu. Os dois lados estavam irredutíveis”.
O historiador Carlos Guilherme Mota, em entrevista publicada pelo Estado de S.Paulo (13/10/2013), faz outra análise: “A opção de Marina foi mais do que pragmática: maquiavélica. Uma terceira via mais nítida seria ela se juntar ao PPS. Mas seguramente ela fez essa análise com muito mais cuidado que imaginamos… Marina tem a tradição de movimentar e pensar as classes populares. Campos esboça contornos de projeto nacional – e que não vem dele apenas”.
Marina garante: “Essa aliança não é contra ninguém, é a favor da política. Não ajo por vingança, mas por legítima defesa da esperança”.
Sobre as divergências, complementa: “Os dois lados terão de ceder um pouco nos caminhos que planejavam trilhar… Há valores com os quais eu não transijo. Sou uma árdua defensora dos direitos dos índios, da reforma agrária e do meio ambiente”.
O que, além do sonho de ganhar os votos do povo, Dilma e Marina têm em comum? Como a menina Malala, as duas foram criadas (apesar dos quase 11 anos de diferença) num mundo em que a política era coisa de homem. Dilma em Minas e Marina no Acre cresceram sabendo que o fato de ser mulher faria necessário se esforçar mais do que os homens para se destacar. Conseguiram, mas parece que, uma vez conquistado o lugar desejado, esqueceram o sonho que lhes serviu de motivação. Seria interessante se a imprensa, durante a campanha, fizesse uma bela matéria com as duas lembrando a infância, seus sonhos e o que, na opinião delas, mudou de lá para cá. Aliás, não deveria ser necessário esperar as campanhas eleitorais para que a mídia desse mais atenção às mulheres. Especialmente as que surgiram com propostas renovadoras e feministas e acabaram se tornando apenas mais uma figura política tradicional.
Se para elas não dá mais para voltar atrás, a menina Malala talvez encontre alguém que a aconselhe e se manter fiel aos seus ideais de hoje. E longe, o mais longe possível, da política partidária.
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Ligia Martins de Almeida é jornalista