É sombrio o cenário traçado pela 69ª Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Os dirigentes da entidade, que reúne as grandes empresas jornalísticas das Américas, destacaram que a liberdade de imprensa na América Latina experimentou, no último semestre, um período particularmente grave de violência e pressão. O presidente da SIP, Jaime Mantilla, resumiu o problema ao dizer que “os governos latino-americanos têm se dedicado a semear o ódio e o medo”, enfatizando os casos de Argentina, Equador, Venezuela e Cuba.
Nesses países, como se sabe, os dirigentes não medem esforços para silenciar a imprensa que lhes é crítica. Mas, com exceção de Cuba, onde vigora uma ditadura de fato e a censura é explícita, há um esforço para dissimular essa perseguição, por meio de leis cujos alegados objetivos são, entre outros, “democratizar a mídia”, “proteger contra o linchamento midiático” e evitar “atividade inimiga interna e externa”.
Na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro tem agora à sua disposição mais um instrumento para acuar a imprensa – além da já conhecida pressão econômica, que obriga as empresas jornalísticas a praticar autocensura se quiserem sobreviver, e dos inúmeros processos judiciais que ameaçam jornalistas.
Trata-se do Centro Estratégico de Segurança e Proteção da Pátria. Por meio dessa nova instituição, o governo pode “declarar como reservada, classificada ou de divulgação limitada qualquer informação, fato ou circunstância” que a entidade julgar de seu interesse.
Além do aspecto censório evidente, o tal centro está submetido à “direção político-militar da revolução bolivariana”. Dessa forma, o acesso à informação torna-se militarizado, sem estar submetido a nenhuma instância democrática. Sempre que for conveniente para a “revolução”, sem que haja a necessidade de prestar contas à sociedade, informações importantes podem ser, e certamente serão, escamoteadas. Essa truculência não deveria causar espécie num país que criminaliza a publicação de reportagens sobre a escassez de produtos nos supermercados, resultante da incompetência do governo.
Mas a Venezuela é apenas um entre tantos casos negativos no continente. No Equador, por exemplo, uma nova lei permite ao Estado “regular o exercício do direito à comunicação”. Entre outras aberrações, essa lei diz que “os meios de comunicação têm o dever de cobrir e de difundir os fatos de interesse público” – e aqui fica claro que não cabe aos jornais, e sim ao governo, definir o que é “interesse público”. Além disso, as empresas de comunicação ficam obrigadas a ter em suas redações um “defensor” dos leitores e telespectadores, escolhido em concurso organizado por um órgão estatal. “Defensor” é, portanto, um novo nome para “censor”.
Segundo a SIP, essas iniciativas indicam uma tentativa de transformar a atividade jornalística em “serviço de utilidade pública”, para colocá-la sob a tutela do Estado. Um exemplo é a Argentina, cujo governo quer controlar a fabricação e a venda de papel para jornal, a fim de submeter as empresas jornalísticas a suas exigências. A presidente Cristina Kirchner chegou a dizer que a imprensa argentina deveria “adquirir consciência nacional e defender os interesses do país”.
É esse tipo de raciocínio que preside a campanha que o PT faz para “democratizar” a mídia. Na última vez em que se pronunciou oficialmente sobre o assunto, o partido declarou que o “oligopólio” que controla a mídia no Brasil “é um dos mais fortes obstáculos, nos dias de hoje, à transformação da realidade do nosso país”. A ideia petista, está claro, é fazer da imprensa mera correia de transmissão em seu projeto de poder.
A esse propósito, convém prestar atenção no alerta do presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, Claudio Polillo. Para ele, as recentes tentativas de manietar a imprensa fazem parte de “um plano de demolição das democracias para sustentar líderes messiânicos que querem se perpetuar no poder”.