Jon Lee Anderson, jornalista da revista New Yorker, biógrafo de Che Guevara e autor dos mais completos perfis de líderes latino-americanos como o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e o ditador chileno Augusto Pinochet, acredita que, se estivesse vivo, Che Guevara veria os governos de esquerda na América Latina como “um bando de superficiais”.
“Dilma (Rousseff), Brasil… Isso não é governo de esquerda, isso é outra coisa, é desenvolvimentismo! Velar, finalmente, pelos 40 milhões de cidadãos mais miseráveis que vivem na merda em seus casebres e entregar a eles R$ 100 mensais não faz de você um governo de esquerda. Isso é pragmatismo puro!”, diz.
Lee Anderson também não poupa o Brasil de sua crítica afiada sobre a censura a biografias (mais informações nesta página). Para escrever Che Guevara – Uma biografia, lançada em 1997, ele se mudou com a mulher e os três filhos para Cuba por três anos, parte dos quais escreveu à frente da mesma escrivaninha usada pelo revolucionário marxista, cercado por seus livros e anotações no escritório da casa onde Che viveu com sua segunda mulher, a cubana Aleida March.
O jornalista americano esteve no Rio para ministrar uma oficina de reportagem promovida pela Fundação Gabriel García Márquez para o Novo Jornalismo Ibero-americano, em parceria com as revistas Piauí e Serrote e o Instituto Moreira Salles.
Se Che Guevara acordasse hoje, o que ele acharia da esquerda na América Latina?
Jon Lee Anderson – O Che diria que são um bando de superficiais. Como figura pública, ele os defenderia, porque os veria como a única possibilidade de manter viva a esquerda na América Latina, mas em particular, estou seguro de que seria um crítico severo desses regimes, que não são verdadeiramente de esquerda. São matutos, corruptos que ostentam ser de esquerda. Argentina, Brasil, Nicarágua, Equador… Parecem-me bem pragmáticos. Correa (Rafael, presidente do Equador), entregou o Yasuní aos chineses (o governo autorizou a exploração de três blocos de petróleo sobre o Parque Nacional de Yasuní, decisão ligada à dívida de US$ 10 bilhões que tem com a China). Talvez a Bolívia seja uma exceção porque lá a esquerda não era só uma questão de economia, mas de reivindicação histórica. Então, Che veria que finalmente o país mais indígena da América Latina tem um presidente indígena e isso seria de grande orgulho para ele. Ele seria um amigo da Bolívia, ainda que em particular pudesse ter reservas sobre aspectos desse período mais pragmático.
Como veria as mudanças que o regime de Raul Castro está fazendo em Cuba?
J.L.A. – Che tinha a cidadania cubana e estava relacionado com a revolução, então, se manteria firme ao lado de Cuba, embora olhasse com horror a abertura inevitável que estão dando agora e a volta ao capitalismo. Ele veria isso como um fracasso. Em 1964, ele prognosticou que a União Soviética colapsaria porque não tinha assumido um socialismo verdadeiro como ocorreu em Cuba. Então, internamente, seria um crítico das mudanças de Castro, mas publicamente manteria o apoio ao país porque ainda tem um simbolismo frente ao capitalismo. E estaria orgulhoso por Cuba continuar firme ainda que de maneira simbólica como vestígio de algo que poderia se relançar.
E o que diria sobre a esquerda no Brasil?
J.L.A. – Dilma (Rousseff), Brasil… Isso não é governo de esquerda, isso é outra coisa, é desenvolvimentismo! Velar, finalmente, pelos 40 milhões de cidadãos mais miseráveis que vivem na merda em seus casebres e entregar a eles R$ 100 mensais não faz de você um governo de esquerda. Isso é pragmatismo puro! Um país que deu terras indígenas para criação ilegal de gado em favor dos pecuaristas… Isso é esquerda? Não.
O sr. fez um dos mais completos perfis de Hugo Chávez. Como vê o seu legado?
J.L.A. – Chávez tinha boas intenções. Tentou governar para os pobres. Encarnava a revolução bolivariana. Mas teve 14 anos para construir seus ideais e não conseguiu fazer as reformas sociais e econômicas que queria. Seu carisma era fascinante. Quando vivo, havia sinais de que não ia bem, mas as pessoas gostavam dele. No rastro de sua morte, porém, não há mais nada. Ele deixou para trás uma base militante e um país de um só partido altamente corrupto. Maduro é claramente inapto e incompetente. Está basicamente tentando evitar que o barco afunde. Não fosse um país com petróleo, haveria sangue nas ruas agora. É um desastre.
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‘Censura a biografias aproxima Brasil de ditaduras’
Biógrafo de Che Guevara, Jon Lee Anderson diz que a censura a biografias no Brasil aproxima o país de ditaduras como Cuba, China e Mianmar ou do regime teocrático do Irã e critica os artistas brasileiros que “querem o privilégio e os lucros de ser uma celebridade sem a responsabilidade social de ser esse personagem público.”
Ainda sobre privacidade, o jornalista americano, autor de A Queda de Bagdá, sobre a invasão americana no Iraque, diz que não confia em Edward Snowden, ex-técnico da agência de segurança dos EUA. “Não sei como Snowden pode falar em liberdade de expressão da Rússia de Putin, que mata e encarcera todos os que falam mal dele, de homossexuais a jornalistas”, dispara,
Como o biógrafo de Che Guevara, o que o sr. acha sobre a polêmica das biografias no Brasil?
J.L.A. – Aqui se trata de uma celebridade (Roberto Carlos) que não queria que saísse seu livro. E outros, como Caetano Veloso, que seguramente têm coisas que não gostariam de compartilhar e buscam maneiras de impedir que seus públicos saibam mais do que queiram revelar. Mas são artistas. O dinheiro que o público lhes deu ajuda a pagar a proteção do personagem que criaram. Ou seja, querem o privilégio e os lucros de ser uma celebridade, sem a responsabilidade social de ser esse personagem público. Eu não sou adepto das biografias das celebridades. Estou farto delas e não me importam, francamente. Mas o governo proibir que se escreva sobre eles, para mim, é um mau caminho, porque isso pode se estender facilmente a qualquer figura pública. Logo será um político, um chefe de polícia, um banqueiro. E sabemos que em países como o Brasil há gente que se esconde atrás de seus títulos que são corruptos, que são assassinos. Que lugares restringem o tipo de livros que se pode ler? Cuba, China, Mianmar. Rússia e Irã. Ao fazer isso, o Brasil se aproxima deles. Se alguém ocupa um espaço na vida pública, é direito do público saber o máximo sobre ele. Há leis contra difamação ou que protegem a intimidade da família. Eu não gostaria de saber que fariam uma biografia minha não autorizada, mas sou jornalista, uma figura pública. Posso impedi-lo? Não. O que espero é levar a vida de maneira tal que não me envergonhe de nada quando publicado.
Como o sr. vê as revelações de Edward Snowden sobre a agência de segurança dos EUA?
J.L.A. – Snowden ou Assange (Julian, do WikiLeaks) têm uma cruzada para abrir governos, pelo menos os ocidentais, e isso é uma opção ideológica. Por que não exigimos o mesmo da Rússia ou da China? Porque não se pode, porque usam a violência para amedrontar jornalistas. Também é certo que Snowden nos está proporcionando, a seu gosto, algo que não lhe foi entregue. É um ex-espião contratado que foi no arquivo de seus chefes, tomou dados, colocou numa maleta, pegou uma avião para a China, depois para a Rússia, e entregou-os a um jornalista de sua seleção. Há 20 anos, seria considerado um traidor porque tínhamos a Guerra Fria. O mundo mudou. Mas a Rússia não mudou tanto. Não sei como Snowden tem coragem de falar sobre liberdade de expressão desde a Rússia de Putin. Quem é Vladimir Putin? Um ex-agente da KGB que arrebatou os recursos naturais de seu país para se converter em um dos homens mais ricos da Terra. Que mata e encarcera todos os que falam mal dele, de homossexuais a jornalistas. Deve ser estranho e desconfortável para Greenwald (Glenn, do Guardian, que revelou documentos da NSA) que Snowden tenha se refugiado em um país que é o maior repressor de sua opção sexual. Não gosto dos abusos do governo, concordo que a NSA se tornou muito grande, mas não sei se este é o mal maior do mundo. Eu rejeito o ponto de vista clássico de que todos os pecados residem no Ocidente. Vivi minha carreira em guerras, sei quais são os riscos. Snowden ou Assange nunca estiveram em áreas de conflitos e não sei se Greenwald já saiu de Nova York ou Rio. Para mim, que espiem meu computador é incômodo. Mas é pior que me degole a Al-Qaeda na frente das câmeras, o que é uma ameaça real.
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Adriana Carranca, do Estado de S.Paulo