Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Reputação será moeda no mundo pós-financeiro

Joshua Klein, 39, se descreve como “hacker” de tudo.

Mestre em tecnologia interativa pela Universidade de Nova York, está lançando nos EUA “Reputation Economics” (economia da reputação, em tradução livre; Palgrave Macmillan), em que prenuncia a substituição das moedas por um comércio em plataformas com sistemas de troca que passam longe das finanças.

Nesse mundo pós-financeiro, em que a privacidade é comercializada, afirma o consultor de firmas como Microsoft e Oracle, a reputação atestada por pares ou por especialistas ganha, cada vez mais, valor de dinheiro –cobiçada por aqueles que querem vender ou trocar mercadorias, serviços ou interesses.

O sr. diz que a privacidade não é mais um direito e que há formas de lucrar abrindo mão dela. Como vê as revelações do ex-técnico de segurança do governo americano Edward Snowden sobre vigilância governamental?

Joshua Klein – É interessante ver a reação das pessoas ao volume de informações monitoradas. De muitas formas, o que o governo faz é uma extensão do que tínhamos permitido às empresas fazer.

Se você usa Gmail, já deu ao Google o direito de analisar todos os seus e-mails: com quem você fala, com que frequência, sobre o quê, que palavras usa, quantos pronomes ou adjetivos emprega, todos os documentos.

Todos os “serviços gratuitos” fazem isso –o Facebook faz, o Twitter, a Amazon– porque permite que vendam de forma mais eficaz. O problema é que as pessoas não são realmente conscientes de que fizeram esse acordo.

Há possibilidade de voltarmos ao tempo em que as pessoas ainda tinham privacidade?

J.K. – Estamos num momento de virada como sociedade. Sabíamos que havia algo estranho nesse acordo: estávamos ganhando quantidades imensas de tecnologia de graça –ou que pensávamos ser de graça– em troca de nos dispormos a ver publicidade.

Mas esse não é o acordo de fato. O acordo é que as pessoas nos dão essas coisas e, em retribuição, temos que comprar outras. E essas empresas farão tudo para serem o mais eficazes possível e nos venderem o que puderem.

Acredito que as pessoas começaram a tomar consciência ao verem o governo fazê-lo, pois se ergueu o espectro do Grande Irmão. Vender é algo com contornos bem definidos. O problema é que esses dados podem ser usados para outras coisas.

Não há como mudar a forma de agir na internet?

J.K. – Se as pessoas admitirem que fizeram um contrato faustiano e começarem a usar criptografia e forem mais cuidadosas com os contratos de licença que assinam… Se gente o bastante fizer isso, as empresas começarão a pensar: “Para termos acesso aos dados, temos que fazer um acordo aberto, mais claro”.

Se isso acontecer, então, sim, vamos ver mudança. As empresas vão aceitar que os indivíduos tenham mais responsabilidade e controle sobre suas coisas. Mas acho que o mais provável é que uma minoria de pessoas faça isso –e elas terão acesso a menos serviços ou terão de pagar mais caro por eles.

E veremos mais abusos dos dados coletados.

Há uma frase de Andrew Lewis, no blog comunitário MetaFilter, sobre a internet: “Se você não está pagando pelo produto, você é o produto que está sendo vendido”.

J.K. – [Risos] Sim. O objetivo da grande maioria dos serviços on-line hoje não é fornecer algo divertido ou interessante. Isso é acessório. O objetivo real é vender de forma eficaz.

“Reputation Economics” também reflete isso?

J.K. – Um dos pontos do livro é que estamos estabelecendo plataformas, hoje, que possibilitam sistemas de troca livre das finanças. Por outro lado, as empresas grandes são cada vez mais eficientes em ganhar nosso dinheiro.

Daí a precificação hiperdinâmica: você entra on-line para comprar queijo, a empresa que vende o queijo reconhece que você tem um blog sobre isso e dá um desconto de 30%, na esperança de que você compre e depois diga algo bom do queijo.

Os indivíduos precisam agora escolher: Querem só ficar com o que é dado? Ou querem ferramentas e tecnologias que permitem que gerenciem seu valor? Creio que veremos mais da última, mas não estou certo ocorrerá.

A edição registra que você fez trabalhos para a comunidade de inteligência. O que foi?

J.K. – Foi sobretudo pelo Escritório do Diretor de Inteligência Nacional, que fez um programa tipo “think tank” [centro de estudos] em que muitos colaboramos, num retiro de um mês. Foi interessante por permitir contato com algumas das mentes mais brilhantes da NSA [agência de segurança nacional], CIA [agência de inteligência dos EUA] e um “insight” sobre as capacidades que têm ou tinham.

Desde então, todos ganhamos uma consciência muito maior do que se trata [devido às revelações de Snowden].

O mais importante foi ver que aquilo tinha enorme potencial, não totalmente conhecido. Em relação ao trabalho de consultoria que presto para empresas, ficou claro que o mercado baseado em “big data” se tornaria cada vez maior. A questão já era, então, qual o efeito disso sobre o indivíduo.

O livro destaca que “quem você conhece” vale mais, hoje, do que “o que você possui”.

J.K. – O que isso aponta é que, cada vez mais, as plataformas on-line estão permitindo obter informações de reputação sobre as pessoas. Se eu quiser descobrir se devo emprestar meu carro a você, posso dar um Google e ver se você é digno de confiança.

Esse tipo de informação de reputação levou ao surgimento de uma economia de reputação on-line, que está mudando como os indivíduos compartilham valor.

Ou seja, o compartilhamento não é mais só financeiro. A economia de reputação me permite descobrir a pessoa para quem a troca é útil. Esse tipo de situação agora está disponível por todas essas plataformas on-line.

Esse é um aspecto. Outro é que as pessoas têm cada vez menos capacidade de alavancar suas finanças. Os sistemas financeiros vêm com problemas há muito tempo, as maiores economias do mundo estão se debatendo, então as pessoas começam a perceber: “Ei, posso entrar no Skillshare, começar a ensinar as pessoas este hobby de mergulho e conseguir dinheiro”.

Ou: “Só uso meu carro nos fins de semana, eu posso inscrevê-lo no [site] Rideshare e ter pessoas que me paguem para usá-lo na semana”.

Você entende “hacking” como quebrar regras, em geral. O novo livro reflete essa ideia?

J.K. – Sim e não. Uma das coisas que abordo é o “momento Napster” das finanças. Há um bocado de mudanças tecnológicas acontecendo agora, algumas beneficiam indivíduos, outras, empresas e outras concorrem entre si.

Onde entra a palavra “hacking”? Por exemplo, quando o Napster foi derrubado pela RIAA [Associação Americana da Indústria Fonográfica], a internet como um todo não se convenceu de uma hora para outra de que não podia mais baixar músicas de graça.

Em vez disso, foi inventado o protocolo BitTorrent [para transferência de grande volume de dados entre usuários].

Quando a RIAA começou a derrubar sites de BitTorrent, surgiram clubes de compartilhamento de arquivos e uma criptografia melhor. Essas são forças de “hacking” que sempre tivemos: as mudanças serão apoiadas e reforçadas pelas comunidades on-line, sejam ou não legais ou desejáveis pelo ambiente regulatório e financeiro.

Em “Hacking Work”, de 2010, você apoia romper regras para alcançar resultados melhores nas empresas privadas.

J.K. – Em todas as empresas às quais dei consultoria sobre inovação e como usar tecnologia de maneira mais eficaz e mudar modelos de negócio, via que implantar mudança ou evolução numa organização é quase impossível, porque a cultura é reativa.

Com o passar do tempo, a empresa vai ganhando uma série de regras que limitam as pessoas. Parte do que você encontra nas “start-ups” [empresas iniciantes] que as torna tão eficientes é não terem, ainda, regras. Elas fazem tudo o que for necessário para serem eficientes.

O livro não sugere jogar tudo que se sabe fora. Ele propõe encontrar instâncias específicas em que você está sendo impedido de ser mais efetivo e focar métodos alternativos para quebrar o molde e termais sucesso, ajudando a empresa e até sua carreira.

Sua série de TV para o National Geographic, “The Link”, de 2012, é transmitida aqui. Ela explora conexões entre diferentes saltos tecnológicos pela história. Qual é o vínculo entre a série e o novo livro?

J.K. – O programa influenciou o livro, no sentido de estarmos num momento incomum da história em que algumas mudanças terão efeitos enormes e inesperados. Estamos começando a desenvolver modelos pré-financeiros para comércio, como [a moeda virtual obtida com a cessão de poder de processamento do seu computador] Bitcoin ou o [site para aluguel e sublocação direta de apartamentos para temporadas] Airbnb.

Nos próximos 5 ou 20 anos, veremos boa parte dos dois terços da humanidade que ainda não estão na internet aparecerem on-line, e eles vão querer usar métodos mais flexíveis de comércio. Essas pessoas estão hoje em grande parte no chamado “mercado negro”, que gira US$ 10 trilhões.

Nos próximos 20 anos, esse será o método majoritário de comércio do planeta.

O que acontece quando a economia do mundo é ocupada, de uma hora para outra, por uma população que não usa instrumentos financeiros tradicionais? Ela vai alavancar uma série de plataformas que, hoje, são bonitinhas e divertidas. Não sabemos como será, mas sabemos que pode ser muito desestabilizador.

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Nelson de Sá, da Folha de S.Paulo