Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ganhador do Nobel boicota periódicos científicos

Os principais periódicos acadêmicos estão distorcendo o processo científico e representam uma “tirania” que deve ser quebrada, de acordo com um ganhador do Prêmio Nobel que declarou boicote às publicações. Randy Schekman, um biólogo estadunidense que ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina este ano e recebe seu prêmio em Estocolmo, na terça-feira (10/12), disse que o seu laboratório não enviaria mais artigos de pesquisa aos periódicos de alto nível Nature, Cell e Science.

Schekman disse que a pressão para publicar em revistas de “luxo” levou pesquisadores a cortar arestas e a seguir áreas científicas na moda, em vez de fazerem o trabalho mais importante. O problema, disse ele, foi agravado pelos editores, que não são cientistas ativos, mas profissionais que favoreceram os estudos com mais chances de causar furor.

O prestígio de aparecer nas grandes revistas levou a Academia Chinesa de Ciências a pagar aos autores bem-sucedidos o equivalente a US$ 30,000 [cerca de R$ 69 mil]. Metade dos ganhos de alguns pesquisadores foi obtido por meio de tais “propinas”, disse Schekman em uma entrevista.

Uma “influência tóxica”

Em artigo escrito para o Guardian [ver “How journals like Nature, Cell and Science are damaging science”], Schekman levantou sérias preocupações a respeito das práticas das revistas e convocou outros integrantes da comunidade científica a agirem. “Eu já publiquei em grandes marcas, inclusive os artigos que me levaram a ganhar o Prêmio Nobel. Mas não farei mais isso”, escreveu ele. “Assim como Wall Street precisa quebrar a cultura do bônus, a ciência também deve quebrar a tirania das revistas de luxo.”

Schekman é o editor da eLife [ver aqui], uma revista online criada pelo Wellcome Trust. Os manuscritos submetidos à revista – concorrente de Nature, Cell e Science – são discutidos pelos revisores, que são cientistas ativos, e são aceitos se todos concordarem. Os artigos podem ser lidos gratuitamente por qualquer um.

Schekman critica as revistas Nature, Cell e Science por elas restringirem artificialmente o número de artigos aceitos, uma política, diz ele, que atiça a demanda “como fazem os estilistas de moda ao criarem uma edição limitada de bolsas.” Ele também ataca uma métrica amplamente disseminada, o chamado “fator de impacto”, usado por muitas revistas de alto nível como propaganda. O fator de impacto de uma revista é uma medida de quão frequentemente os seus artigos são citados e é usado como um padrão de qualidade. Mas Schekman disse que isso foi uma “influência tóxica” na ciência, pois “introduziu distorções”. Ele escreveu: “Um artigo pode ser altamente citado porque é boa ciência – ou porque é atraente, provocativo ou errado.”

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[Após o trecho anterior, a matéria reproduz comentários de cinco indivíduos: um pós-doutor que trabalha no laboratório de Schekman; um professor de outra universidade que já trabalhou com Schekman; o editor-chefe da Nature; a editora-executiva da Science e o editor da Cell.]

Daniel Sirkis, um pós-doutor que trabalha no laboratório de Shekman, disse que muitos cientistas perderam muito tempo tentando publicar seus trabalhos na Cell, Science ou Nature. “É verdade que eu poderia ter tido maiores dificuldades para entrar para algumas instituições de elite se não tivesse publicado artigos nessas publicações durante meu pós-doutorado, mas não acho quer queira transformar a ciência num lugar que tenha isso como um de seus critérios mais importantes”, declarou ao Guardian.

Sebastian Springer, bioquímico da Universidade de Jacobs, em Bremen, que trabalhou com Sheckman em Berkeley, na Universidade da Califórnia, disse que concorda que ocorreram problemas importantes na divulgação científica, mas ainda não existia um modelo melhor. “O sistema não se baseia na meritocracia. Você não encontra necessariamente, os melhores trabalhos publicados nesses jornais. Os editores não são cientistas profissionais. São jornalistas, o que não representa, necessariamente, o maior problema, mas eles enfatizam prioritariamente a novidade, e não o trabalho sólido”, disse. Springer disse que não bastava que os cientistas tomassem uma posição individualmente. Os cientistas são contratados e obtêm bolsas de estudo e ensinam em cursos com base no que publicaram em determinados jornais. “Os comitês de contratação de todo o mundo devem reconhecer esta questão”, acrescentou.

Philip Campbell, editor-chefe da revista Nature, disse que a publicação trabalha com a comunidade científica há mais de 140 anos e o apoio que recebeu dos autores dos artigos, assim como das pessoas que escrevem resenhas, comprovou a validade de que serve às suas necessidades. “Selecionamos uma pesquisa para publicação na Nature com base em seu significado científico. Isso, por sua vez, pode levar ao impacto de citações e de cobertura da mídia, mas os editores da Nature não são guiados por tais considerações e não as podem prever mesmo que o queiram fazer”, disse Campbell.

“A comunidade de pesquisa tende a uma dependência excessiva ao acessar um trabalho a partir do jornal em que foi publicado, ou pelo fator impacto de tal jornal. Numa pesquisa que o Grupo Editorial Nature conduziu este ano envolvendo mais de 20 mil cientistas, os três fatores mais importantes para escolher no qual publicar foram: a reputação do jornal, a relevância do conteúdo do jornal para com a disciplina em questão; e o fator impacto do jornal. Meus colegas e eu manifestamos preocupações sobre a dependência excessiva dos fatores de impacto durante muitos anos, tanto nas páginas da Nature quanto em outras publicações.”

Monica Bradford, editora-executiva da Science, disse: “Temos uma grande circulação e imprimir mais estudos tem um custo econômico alto… Nossa equipe editorial dedica-se a garantir uma revisão profissional profunda através da qual determinam quais os artigos a selecionar para publicação em nosso jornal. Não há nada de artificial no que se refere ao índice de aceitação. Ele reflete a abrangência e a missão do nosso jornal.”

Emilie Marcus, editora da Cell, disse: “Desde que foi lançada, há quase 40 anos, a Cell tem como foco proporcionar uma visão editorial forte, o melhor serviço de autores com editores profissionais informados e sensíveis, análises de fundo rápidas e rigorosas de alguns dos principais pesquisadores universitários, e uma qualidade de produção sofisticada. A raison d’être da Cell é servir à ciência e aos cientistas e se não valorizarmos nossos autores e nossos leitores o nosso jornal não irá prosperar. Fazê-lo, para nós é um princípio fundador, e não um luxo.”

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Ian Sample, do Guardian