Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Aos que tanto amam a elite do poder

Pelo jeito, começou a preocupar os tucanos e assemelhados a razão crítica dos militantes da internet que conseguiu identificar o papel central da imprensa na luta contra qualquer um que represente avanço na superação do fosso existente entre a casa grande e a senzala. Que isto fique bem claro: ela, a grande imprensa, invariavelmente, desde 1930, exceção feita à Última Hora de Samuel Wainer, a Veja de Mino Carta e a Folha de S.Paulo no período de Cláudio Abramo e Alberto Dines, sempre esteve na vanguarda da retaguarda. Alguns vão mais longe, até o Brasil escravocrata. Todos os avanços desde então foram alvo de suas críticas. Esta lá a luta dela, como representante mais visível dos interesses do patriciado brasileiro, contra a legislação trabalhista de Getúlio Vargas, e depois a luta contra o décimo-terceiro salário no tempo de João Goulart e em outros episódios de maior ou menor magnitude.

Justamente quando Eugenio Bucci, no seu artigo “Dos que tanto amam odiar a imprensa“, publicado no jornal O Estadode S.Paulo em 26/12/2013 e reproduzido no Observatório da Imprensa (edição 779, de 31/12/2013), tenta demonstrar a inexistência de orquestração conservadora, onde a imprensa assume o papel de regente, aparece artigo de Ethevaldo Siqueira batendo na mesma tecla. No mínimo, curioso. Mesmo não sendo adepto de teorias de conspiração, sou levado a supor que ou algo não deu certo com a recente leva de aquisição de brucutus da web pela grande imprensa (Lobão, Reinaldo Azevedo, Luiz Felipe Pondé), ou resolveram diversificar e atingir um público menos afeito às grossuras e truculências destes. Como tem gosto para tudo, acredito que a última opção é a verdadeira – isto é, colocaram alguém com títulos universitários importantes (professor da USP, ESPM, escritor, articulista frequente do jornal O Estado de S.Paulo) para atingir um público mais culto e refinado do que os leitores dos acima citados.

O problema é que, como demonstrou Gabriel Priolli, no seu artigo “A imprensa de lado“, os seus argumentos não têm lá muita, digamos, qualidade. Primeiro, porque mais se deteve em desqualificar in totum os militantes que assim pensam e menos em desmontar com argumentos plausíveis a tese em si. Em certo momento, ele explicita o seu pensamento de casa grande ao dizer que a campanha contra a grande mídia foi imposta de cima para baixo, isto é, “era um recurso para dar tônus à disposição dos cabos eleitorais (de muitos níveis), para inflar o ânimo dos militantes de baixo e para inflar o ego dos militantes de cima”.

Viés intolerante

Aliás, eu já o tinha flagrado utilizando o mesmo truque de desqualificador da esquerda na entrevista de Pablo Capilé no programa Roda Viva, ao tentar associá-los politicamente ao PT, tentando desvendar as fontes de financiamento do grupo para, a partir disto, demonstrar um atrelamento político-ideológico que retiraria a imparcialidade e impediria uma postura independente (houve, inclusive, pela produção daquele programa, a inserção de uma foto de um dos entrevistados, Pablo Capilé, próximo de José Dirceu).

Ainda no mesmo programa, ele, Eugênio Bucci, foi mais longe e “forçou a barra” ao tentar associá-los ao grupo anarquista Black Bloc quando afirmou, depois de uma resposta de Bruno Torturra, que os estava defendendo – quando ele apenas havia dito que, apesar de discordar dos métodos empregados pelo referido grupo, entendia suas motivações. Inclusive, para ilustrar este seu entendimento referiu-se ao espaço privilegiado que a mídia dá aos atos de vandalismo e ao pouco espaço que recebem os atentados à vida nas periferias, como no caso Amarildo.

Segundo, porque traz uma questão risível ao dizer ser impossível à oposição atuar como um partido afirmando que “se os meios de comunicação tivessem passado a operar como partido unificado, com o intento de sabotar a administração pública, o que nós teríamos no Brasil seria um abalo semelhante ao que se viu na Venezuela em 2002”. Diz mais: “A imprensa não se articula nos moldes de um partido porque não segue comando centralizado, não se submete à disciplina que os partidos impõem aos filiados e não renunciou à função informativa ‘para abraçar o proselitismo partidário’.”

A todo este argumento que mais parece querer descrever um modelo de imprensa que não existiu nem nos tempos da ditadura, recorro à resposta de Gabriel Priolli: “Primeiramente, observo que a imprensa não é criticada por converter-se formalmente em partido político, algo que, mesmo querendo, lhe seria impossível. A imprensa é criticada por agir partidariamente, por ter como único foco de crítica o PT e sua aliança governista federal e por pautar o discurso e as ações dos partidos de oposição contra o governo petista. Desde Lula e agora sob Dilma.”

Como se não bastasse, invoca a questão judaica, o antissemitismo hitleriano para enquadrar os petistas e aqueles que veem a grande imprensa como principal partido de oposição como militantes que vão incorporando cada vez mais feições autoritárias e fanatizantes similares ao discurso nazista. Este argumento é tão pífio que bastaria o professor olhar os seus companheiros de trincheira para perceber ao seu lado a chamada elite podre e branca, como dizia Claudio Lembo.

Não estou dizendo que não exista, dentro do amplo e diverso leque que compõe a esquerda, correntes autoritárias. Porém, os maiores “barracos” com viés intolerante ocorridos nos últimos anos tiveram como protagonistas os tucanos e/ou seus simpatizantes conservadores. Só para ficar em fatos mais recentes, vide as críticas iradas ao programa Bolsa Família, a política das cotas raciais para as universidades, a legislação em defesa dos direitos das empregadas domésticas e as agressões aos médicos cubanos.

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS