Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Eles só pensam naquilo

Sexo está ficando chato. Cansa pela quantidade de vezes que um homem traça a mulher na cama, que a mulher se engancha nas coxas de um homem, que um homem seduz outro homem, a mulher se atraca com outra e tudo acaba em cima do colchão. Não há anúncio de TV vendendo carro, cerveja, apartamento, viagem, alpargatas, shampoo sem a sedução induzindo a compra do sexo junto. Não há novela ou sucessão de novelas sem a metralhadora sexual funcionando igual, repetitiva, ininterrupta. Nem filme brasileiro que não meta um falo, um seio, uma óbvia penetração no telão, como a vírgula ou a respiração do tempo real. Sexo, francamente, virou fichinha, como dizia Millôr Fernandes, coisa de gentinha.

Nelson Rodrigues dizia que educação sexual só devia ser dada por veterinários. Mario Vargas Llosa, num texto para o El País há cinco anos (1/11/2009), já denunciava a extraordinária pobreza da arte erótica, o esporte do sexo, o desaparecimento do erotismo. Como Mario Sergio Conti analisou a saga do emburrecimento e do empobrecimento do cinema americano (O Globo, 19/12/2013) e salvou pelo menos “Blue Jasmine”, é preciso revelar o prazer erótico que foi assistir a um filme sem cenas sexo explícito, o de Woody Allen, ou o dos irmãos Coen, “Inside Llewin Davis” (Balada de Um Homem Comum).

No livro Sexo Sem Pecado, a psicóloga americana Pam Spurr ensinava aquilo que diretores de ficção esqueceram: a mente humana é um maravilhoso parque de diversões sexuais. O principal órgão sexual é a cabeça. A fantasia erótica não tem limites, mas o óbvio chapado nas telas mata qualquer voo antes de levantar no chão. No rasteiro vulgar.

Tamanho do pênis

Numa entrevista ano passado ao suplemento “Prosa e Verso” de O Globo (9/02/2013), a feminista Camille Paglia atacava o fenômeno da literatura erótica para mulheres e condenava a cultura imediatista.

“A imaginação se perde, começa a faltar… não se tem nada, há um vazio, todo mundo tomando remédio para ficar bem. O fato de as mulheres se fantasiarem com um personagem que gosta de sexo selvagem [Cinqüenta Tons de Cinza] sugere que sexo se tornou muito chato. Depois da revolução sexual da minha geração o sexo foi banalizado”

Camille Paglia se espanta com o Brasil. “Não entendo, as mulheres reclamam de desinteresse masculino, apesar de serem muito mais sensuais do que as americanas”. Sobrou o vazio. Seria endorfina, oxitocina, serotonina pra valer se fosse de verdade.

Não é só no Brasil. Num artigo para a revista Época (16/12/2013) Jairo Bouer reconhecia: “eles desistiram da vida sexual”. Pesquisas sobre a vida sexual tanto no Reino Unido (revista Lancet) como no Japão, dois países do grupo dos mais industrializados do mundo, provaram: todos estão fazendo menos sexo. Desejo e afeto foram trocados pelos gadgets e pelo sexo virtual. Ou seja, menos envolvimento, compromisso e consequências. Um mês antes o Huffington Post (3/11/2013) apontava os espanhóis, não tão tecnológicos, na cabeça da infidelidade na Europa. Os espanhóis não conseguem segurar o amor pelo parceiro/a por mais de 300 dias, que vai se arrastando no máximo por 900 dias. Até morrer.

A traição é saudade da hiperatividade, necessidade de esporte radical, fricção no desconhecido e proibido, tudo muito rápido e volátil. Christopher Ryan, autor do best-seller (na lista do New York Times) No Princípio era o Sexo, explica “como nossos antepassados mais próximos, os chimpanzés, o Homo Sapiens ao se desenvolver tornou-se uma espécie promíscua”.

Para Camille Paglia é tudo falta de grandes estilos artísticos: “A cultura está em crise e as pessoas estão nervosas, ansiosas, distraídas, a mente delas não está focada”.

E tome sexo nas telas, no palco, nos anúncios, a banalidade erótica e boçal que se extingue não em 300 dias, mas em 3 minutos. Os jornais vão atrás, estimulam a melação ou no mínimo não põem a mão no freio da onda. Em O Erotismo, George Bataille já advertia – atenção diretores de telenovelas e cinema – que “o erotismo abre um abismo, querer iluminar suas profundezas exige ao mesmo tempo uma grande resolução e uma calma lucidez”.

O que a maioria dos nossos criadores sabe de calma lucidez?

Ao comentar Ninfomania que acaba de estrear (38 falos flácidos, de todas as cores e tamanhos, passam pela tela em 30 segundos, competição para ver quem transa mais durante uma viagem de trem…), Inácio Araújo critica, na Folha de S.Paulo (8/01/2014), o ponto final da “trilogia da depressão” do dinamarquês controverso Lars von Trier.

“Estamos longe da ideia de afeto, mas também da de prazer. Assim como em Anticristo e Melancolia [filmes anteriores] parece haver algo de irrecuperável no ser humano. A sexualidade em [no personagem] Joe não é angústia, felicidade, gozo. Não é nada, a rigor. É um ato desprovido de sentido, embora sempre em busca de sentido”.

Nada melhor definido do que no ótimo livro recém-lançado por Fernanda Torres, best-seller de vendas no Natal, Fim, que relata o tédio da sofreguidão do sexo e a falta dele em cinco amigos pra lá de maduros chegando… ao fim. Coisa de macho que só pensa no pênis e no tamanho dele. Por sinal, uma pesquisa divulgada por fabricantes de preservativos mostrou que em matéria de tamanho de pênis o brasileiro está em 14º. lugar no mundo – nenhum europeu à frente dele, o Congo em primeiro lugar. A preocupação vem de longe e assume diversas formas. Ortega y Gasset sentenciou: um homem nunca é tão feliz quanto ao sair para caçar.

Fecundidade em queda

As meninas estão hipersexualizadas, trocando Barbie pela estética gótica – na Idade Média seriam queimadas como bruxas –, perfurando o corpo com piercings, tatuando a pele com dor até chamar atenção para a identidade, a visibilidade do corpo, saindo à caça, caindo no mesmo vazio masculino. Para aumentar a bilheteria, agora Hollywood foca o erotismo adolescente.

Outros dois filmes recém-lançados no Brasil que abordam sexo, longe do erótico – O Azul é a Cor Mais Quente, do franco-tunisiano Abedellatif Kechiche (três cenas de sexo entre duas mulheres, que duram cerca de 15 minutos) e Jovem e Bela, do francês François Ozon (discute a sexualidade feminina) –, não atraíram grande público. Azul, 75 mil pessoas, Jovem e Bela, 27 mil, contra 1,7 milhão de ingressos vendidos em Até Que a Morte Nos Separe 2.

“Parece que o público, anestesiado pela pornografia sem limites na internet, não se escandaliza mais – e tampouco se interessa pelo que o cinema tem a dizer sobre o sexo” (“O sexo delas, por eles”, na Época desta semana). Que dirá sobre o que a televisão exibe…

Nosso público é parte de uma população envelhecida com a fecundidade nacional em queda que pratica cada vez menos sexo, afeto, erotismo, prazer. Estamos perdendo o melhor da festa de tanto ler na imprensa, ver na ficção e nos anúncios, da poltrona de casa ou do cinema, gente na escala mais baixa do desenvolvimento humano que só pensa naquilo.

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Norma Couri é jornalista