O Brasil tem 495 shopping-centers, nos quais estão distribuídas 87.867 lojas e 2.100 cinemas. O comércio de shopping faturou R$ 120 bilhões em 2012, segundo os dados mais recentes da Associação Brasileira de Shoppings Centers, mais que o dobro dos R$ 50 bilhões faturados em 2006. A expansão acelerada nos últimos anos também se deu em número de empreendimentos construídos – só em 2012 foram inaugurados 73 novos shoppings (ver aqui) – e na expansão dos já existentes. No Rio de Janeiro, o maior em área é o Norte Shopping, que já teve quatro expansões para chegar aos seus 245 mil metros quadrados de área construída e 10 salas de cinema, por onde circulam mensalmente 3,5 milhões de pessoas. Muitas das quais vão ao shopping aos domingo apenas para dar um “rolezinho”. Aqui sigo o argumento de que “não há uma grande diferença do rolezinho organizado e ritualizado das idas aos shoppings mais ordinárias”, defendido pela antropóloga Rosana Pinheiro-Machado (ver aqui).
Os números impressionantes mostram como estes junkspaces – para usar a expressão do arquiteto holandês Rem Koolhaas em belo ensaio na revista serrote (número 9, texto não está on-line) – tomaram conta da vida cotidiana. Por junkspace ele entende “a soma total de nossa arquitetura atual (…), resultado do encontro entre a escada rolante e o aparelho de ar condicionado”. Entre os diversos tipos de junkspace identificados por Koolhaas, o shopping center é o que considero mais emblemático, sobretudo considerando seu alcance hoje no Brasil e suas dimensões econômicas e sociais.
Em tempos de “rolezinho”, é bom lembrar que o impressionante crescimento dos shoppings no Brasil é um dos efeitos mais visíveis de uma política econômica que estimula consumo com incentivos fiscais à indústria e crédito farto, e dá a isso o nome de inclusão social. Não por acaso, o maior shopping do Rio de Janeiro é na Zona Norte, na confluência de bairros de classe média em ascensão econômica via consumo. Mas a expansão dos junkspaces se dá também em espaços tidos como nobres, como o Shopping Leblon, lugar que pretende substituir o flanar pelas ruas do bairro pelos corredores protegidos e orientados para o consumo.
Ao mesmo tempo, conforme o consumo cresce e expande a nossa conta de junkspace, diminui a nossa capacidade de produzir espaços públicos de qualidade. Se as manifestações de junho de 2013 surgiram a partir da demanda de mobilidade urbana, foi para mostrar como a urbe é território de uns poucos, demarcada por transportes ruins e caros, limitada por fronteiras invisíveis que definem quem pode ou não pode circular no espaço urbano. Nesse sentido, também na serrote, edição 15, ensaio do arquiteto Francesco Perrota-Bosch sobre o vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) contribui muito para pensar o problema da falta de democratização do espaço urbano.
Consumo em alta
Os shoppings-centers cresceram nos últimos anos tanto em direção à classe média em busca de inclusão via consumo quanto em direção à classe alta em busca de distinção social, via consumo. Tornaram-se espaços de privilégio a partir da oferta de ambientes refrigerados, sob o conforto de escadas rolantes, que substituíram a suposta dureza das ruas. Espaços privados que simulam o espaço público, são compostos por ruas, praças, estacionamentos, mimetizando a vida urbana, mas ao mesmo tempo conferindo à experiência a ideia de uma urbe protegida, seja das intempéries – onde levar as crianças em tarde de chuva, se não ao shopping? – seja da violência, supondo que o junkspace está permanentemente protegido por seguranças privados, estes também uma cópia mal acabada do policiamento de rua.
Passear no shopping, por tudo isso, tornou-se parte de uma rotina da vida econômica que pode ser gerida dentro destes espaços: há de lavanderias a restaurantes, de caixa eletrônico a lojas de eletrodomésticos, de cinema a farmácia. Há áreas de lazer que incentivam a ida ao shopping apenas para um passeio – ou um “rolezinho” –, indicação de que o clichê “templo de consumo” não dá conta do que significa o shopping center na vida contemporânea. Comprar é apenas uma das muitas atividades que o shopping oferece. Estar no shopping não é só sinônimo de consumir, mas é indicação de inclusão em um lugar supostamente privilegiado – condicionado, protegido – em relação ao espaço público.
Dar um “rolezinho” no shopping é atividade intrínseca ao shopping como lugar, atividade estimulada pela própria razão de ser dos shoppings, cujas praças de alimentação abrem antes e fecham depois das lojas apontando na direção de que passear é parte importante do negócio de vender. Por isso, me interessei pelo tema do rolezinho a partir da decisão de alguns shoppings – como o Leblon, no Rio de Janeiro, no domingo (19/1), mas também o JK Iguatemi, em São Paulo, em pleno sábado (18) – de fecharem as portas para impedir o “rolezinho”.
Significa para mim que o shopping abre mão de sua razão de ser – ser espaço privado, junkspace que almeja substituir o espaço público – em nome de ser “apenas” espaço privado, no qual fica definido pelo dono quem pode ou não pode entrar, quando, e em que condições. Quando fecha as portas e proíbe o “rolezinho”, o shopping escancara como o racismo brasileiro está inscrito na sociedade por leis não escritas; quando os shoppings fecham suas portas para proibir o “rolezinho” também nos mostram a diferença entre consumo e inclusão social. Se estas forem as consequências do rolezinho, para mim já está de ótimo tamanho: caracterizar o shopping como espaço privado, marcá-lo como junkspace, diferenciá-lo da rua, esta sim espaço público por excelência; fechar as portas do que se abriu escancaradamente nos últimos anos em função do crescimento do consumo, que se disfarça como lugar ideal de interação social, e do que se assume como lugar de privilégio simbólico.