Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O rolezinho pode acabar em rolão

O neto saiu para um rolezinho. O pai lembrou-se: “Eu fui ao comício das Diretas.” O avô acrescentou: “E eu, à Passeata dos Cem Mil.” Se há algo de novo na praça é a degradação do que se considera como manifestação. O rolezinho é a manifestação em torno do nada. Contrapôs-se a ela uma visão policial da ordem pública.

Na sua origem, os rolês podiam ser chamados de divertimento. No século passado os Mamonas Assassinas já cantavam:

“Esse tal Chópis Cêntis/ É muicho legalzinho/ Pra levar as namoradas/ E dar uns rolezinhos”

No último [penúltimo] fim de semana dois deles foram claramente instrumentalizados. Em São Paulo, 150 pessoas mobilizadas pelo Uneafro levaram o shopping JK Iguatemi a fechar suas portas. Uneafro é o nome da “União de Núcleos de Educação Popular para Negros”. Em Niterói, um rolê de 50 pessoas, liderado por um ex-candidato a vereador do PSOL, zoou o Plaza Shopping. No Leblon, um evento foi enfeitado por dois cidadãos que se vestiram de Batman e Coringa.

Quem vai aos shoppings é o povo e quem atende nas lojas são trabalhadores, quase sempre remunerados por comissões sobre suas vendas. Um domingo de shopping fechado custa milhões de reais aos comerciantes e aos seus vendedores.

Descarte de soluções que agravam o problema

Se de um lado há manifestações em torno do nada, do outro, o da liderança da guilda dos shoppings, há uma postura tonitruante, inútil. Primeiro chamaram a polícia. Deu em pancadaria. Depois foram à Justiça buscar liminares e ameaças de multa. Deu em nada. O doutor Nabil Sahyoun, presidente da Alshop, pediu uma reunião com a doutora Dilma para “proibir que façam esse tipo de convocação, caso sejam menores, responsabilizar os pais”. Faltou explicar como. Talvez chamando o companheiro Xi Jinping, que tem brigadas de chineses vigiando a internet, prende quem quer e solta quando quer.

Nesse diálogo de canibais com antropófagos, veio de Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, uma palavra de sensatez, numa entrevista ao repórter Marcelo de Moraes. Ele diz que é preciso conversar, procurar entender: “Se eu falar que tem uma resposta é bobagem.”

Enquanto rolavam rolês, um grupo de trabalhadores foi barrado num centro comercial da Barra da Tijuca porque traziam “poluição visual e mau cheiro”. Isso na cidade onde o réveillon da praia teve tenda VIP para convidados e, uma passeata, cercadinho para celebridades. Nos últimos anos pelo menos três correntistas de banco foram assassinados por seguranças. A maior rede de lojas de varejo do país classificou de “incidente” o assassinato de um freguês. No Rio, uma rede de supermercados tinha convênio com a quadrilha do tráfico da Cidade de Deus. Em Campinas e Salvador, cidadãos foram mortos por seguranças de shoppings depois de atritos banais. Nenhuma guilda empresarial pronunciou-se.

O melhor ponto de partida para lidar com os rolês é o descarte das soluções que agravam o problema. Em junho passado, a polícia de São Paulo jogou gasolina no fogo durante uma passeata e incendiou o país. Pode-se pensar numa solução policial, afinal, a ordem precisa ser mantida. Tudo bem, troca-se o rolezinho pelo rolão.

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Elio Gaspari é jornalista