Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Reflexões sobre este tal de rolezinho

Li muita coisa sobre os tais “rolezinhos”. Muitas pessoas colocaram sua visão sobre o caso. Como professor de Teorias da Comunicação, eu ainda não havia feito uma leitura adequada. Acredito que o mais importante sobre estes eventos não é o ato em si, mas os desdobramentos nos campos da opinião e representação.

Primeiro, o que é este tal de rolezinho? Vamos definir. É um termo que estão usando largamente para definir um agrupamento de jovens que se articulam via web, para “causar” no shopping. Segundo a Wikipédia:

“[…] Rolezinho (diminutivo de ‘rolê’ ou ‘rolé’, em linguagem informal brasileira, significa “fazer um pequeno passeio” ou “dar uma volta” 1 ) é um neologismo para definir um tipo de flash mob ou coordenação de encontros simultâneos de centenas de pessoas em locais como praças e parques públicos e shoppings. Os encontros são marcados pela internet, quase sempre por meio de redes sociais como o Facebook. Os rolezinhos vem ganhando destaque no noticiário brasileiro devido a delitos cometidos por alguns participantes, como tumultos, furtos e agressões.”

Ou seja, não é só um inocente passeio no shopping. É algo mais complexo.

Massificação e paixão

Temos muitas perspectivas. Estas vão variar conforme a tendência teórica de um ou outro autor. Acredito que tais comentários podem ser divididos em três grandes grupos:

1) Existem aqueles que desmerecem, usam a chacota para afirmar que os tais rolezinhos são compostos por uma massa jovem ignorante, fruto de uma gestão governamental inoperante. Aí entra preconceito nas mais diversas formas, para justificar – e alarmar – o desnível funcionalista em nossa sociedade atual. Estes não estão errados na raiz da questão, uma vez que tem toda uma questão referente á propriedade privada e criminalidade embutida nos tais rolezinhos. É consequência do empoderamento das mais diversas camadas sociais, proporcionado pelos meandros da internet;

2) Tem aqueles que entendem o processo a partir de um entendimento sobre a luta de classes. O viés político. E dão destaque à truculência policial e ao direito de ir e vir. Estes também não estão errados. Os rolezinhos têm fator político – mesmo que não seja intencional e é sintoma de uma sociedade desigual, que oferece o consumo à massa, mas não a inclui por inteiro;

3) E aqueles que amarram estas “manifestações” a uma leitura cultural do processo. Uma conjunção de significados, identidades, contextos que se articulam em fluxos disformes e imprevisíveis, que acabam por se cristalizar no ato em si. Este é o menor agrupamento dentre os detectados, pois não polemiza. Tenta não ideologizar. Ligada à lógica do consumo, que também está correta.

Ou seja, todo mundo está certo. Só que não. Como assim? Enquanto ocorrem embates para provar que cada ponto de vista está certo, outros processos ocorrem paralelamente em nossa sociedade. Silenciosamente.

Organizando as ideias, podemos dizer que os grupos 1 e 2 se polarizam, em um confronto simbólico dentro de um campo permeado pelas relações de poder, levando a discussão a um nível black and white, sem tons de cinza. Um processo embebido em massificação e paixão. Ou seja, o mesmo processo imanente aos sentimentos das torcidas em confrontos futebolísticos. Entretenimento?

O que o agendamento está encobrindo?

É o mesmo processo utilizado largamente pela grande mídia de massa para desviar o assunto de outra questão polêmica que está rolando no campo da política. Ou seja, é possível que o assunto ganhou mais relevância do que deveria porque alguém está lucrando com isso.

Considerando que: a) Janeiro é um mês praticamente vazio de pautas significantes – é batata, podem conferir b) Copa do mundo já está aí, permeada por processos obscuros c) ano eleitoral… Existem outras variáveis. Mas acredito que todas elas apontam para a lógica do agenda setting. Ou seja, a mídia pauta a sociedade. Metaforicamente usa uma lupa para ampliar algum fato dentro da sociedade, fazendo que este se sobressaia a outros. É meio que uma forma de guiar a opinião pública. Não é manipular. É guiar mesmo. Decidindo o que a sociedade vai discutir, certos grupos não precisam se preocupar com o teor da polêmica.

Então:

1) Os tais rolezinhos dariam um bom tema para pesquisa sociológica ou antropológica, enquanto visão cultural;

2) Quando arbitrariamente se politiza em excesso estas manifestações, elas perdem sua função e morrem no nascedouro. Praticamente anulam o potencial de resistência dos rolezinhos. É um ato estéril, que morre em si. Neste sentido, o rolézinho “artificial” de Cuiabá-MT, mobilizado por grupos políticos, é tudo menos de “resistência”. O que não quer dizer que não é interessante. Mas não é o mesmo fenômeno que acontece em São Paulo. Nesta linha, a tal “guerra de gangues” que ocorreu no Shopping Pantanal é mais próxima da ideia original. Mas a mídia cuiabana – com exceções – tratou de rotular e vilanizar o ato rapidinho para não “viralizar” a ideia.

3) Porque agendar? Quem está lucrando, se existe mesmo este agendamento? O que este agendamento está encobrindo?

Creio que ao final destas linhas, é possível chegar a algumas hipóteses que possam responder a estas perguntas. Não falo agora as minhas. Mas imagino que o leitor deva supor quais elas são.

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Rafael R. L. Marques é professor de Teorias da Comunicação, Cuiabá, MT