Salvador Allende, o presidente chileno deposto em 1973, costumava dizer que os extremos se postavam às suas costas. Referia-se às extremas direita e esquerda que interromperam a longeva democracia no país andino, num dos golpes mais sanguinários da América do Sul.
Guardadas as proporções, temos hoje no Brasil os extremos reunidos sob a mesma ideia: “Não vai ter Copa”. Black blocs de um lado e uma certa oposição ao governo do outro.
É claro que a Copa acontecerá mais ou menos como na Copa das Confederações.
Mais se a polícia cometer excessos. Menos se a prevenção for feita com a cabeça e não com o porrete.
Mas não há como evitar que a independência crítica siga em seu trabalho de mostrar todos os absurdos que cercam o megaevento, postura longe de se confundir com complexo de vira-lata ou falta de patriotismo.
Brasil mais maduro
Se à esquerda o padrão Fifa virou paradigma para hospitais, escolas e mobilidade urbana, à direita virou rótulo das deficiências das políticas governamentais. Nos extremos das duas posturas, juntam-se a violência que bota fogo na fervura e a demagogia de quem só pensa nos excluídos como bucha de canhão.
A Copa brasileira não será a “Copa das Copas” como quer o governo, assim como o Brasil não é o país do futebol como supõe a Fifa. Ao optar pelo megalomaníaco ao fazer a Copa em 12 cidades quando deveria tê-la limitado às oito exigidas pela Fifa, a Copa do Mundo no Brasil perdeu a oportunidade de ser a Copa do Mundo do Brasil.
Denunciar os elefantes brancos, o gasto desmedido de dinheiro público com estádios em vez de investimentos nas sedes, as remoções arbitrárias, por mais que irrite o jornalismo chapa-branca, é obrigação de quem, como dizia Millôr Fernandes, sabe que jornalismo é oposição, não armazém de secos e molhados.
Mentir e distorcer como fazem os que escondem 502 anos de História do Brasil, como se o país tivesse apenas 12, são outros 500, a outra face da mesma moeda.
As manifestações de junho passado não foram exatamente contra o governo federal, mas, se também contra ele, ainda assim a seu favor, pelo aprofundamento das melhorias que trouxe para quem as desconhecia.
Lembremos que ao lado das responsabilidades indiscutíveis do PT, vimos o PSDB cúmplice, em São Paulo, da exclusão do Morumbi como um dos palcos do torneio. E em Minas, que não dá conta nem das chuvas, para não falar das estradas, mas fez outro Mineirão.
Em resumo, “Vai ter Copa” – tomara com a derrota dos que apostam no quanto pior melhor e sob a vigilância dos que não se deixam cooptar nem por gregos nem por troianos, para que ao fim dela o Brasil esteja, ao menos, mais maduro.
Com novo foco, a Olimpíada de 2016, história que fica para outra vez.
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Juca Kfouri é colunista da Folha de S.Paulo