Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cinegrafista é morto e o sindicato perde o foco

Com apenas seis meses de mandato, a direção do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro cometeu, provavelmente, o maior erro de toda a gestão que tem pela frente. Refiro-me, é claro, à total passividade diante da agressão estúpida que causou a morte do repórter-cinematográfico Santiago Ilídio Andrade, da TV Bandeirantes.

Muitos colegas têm se mostrado indignados e perguntam, com razão: como pode a direção do Sindicato dos Jornalistas não lançar uma crítica contundente contra esses grupos radicais conhecidos como black blocs, da mesmo forma que critica a polícia, e com razão, quando ela é violenta? A nota emitida com atraso pela direção do Sindicato (leia aqui), quando Santiago foi atingido, é de uma tibieza inacreditável, totalmente fora de foco, mas não chega a surpreender. Afinal, é impossível condenar aquilo que no fundo alguns diretores consideram compreensível: as agressões contra jornalistas da “grande mídia”. Não é por acaso que a nota do Sindicato condena a TV Bandeirantes, por não ter fornecido equipamentos de segurança adequados ao cinegrafista Santiago – uma crítica mais do que pertinente –, mas não demonstra qualquer indignação com os manifestantes radicais que mataram o jornalista. 

Para entender melhor, vamos voltar um pouco no tempo: no dia 24 de julho de 2013, logo depois de ser eleita, mas ainda não empossada, a atual presidente do Sindicato dos Jornalistas Paula Máiran deu uma entrevista ao programa Faixa Livre, na rádio Bandeirantes AM (ouça aqui). Um dos temas levantados foi sobre as grandes manifestações de rua da época e as agressões que jornalistas já vinham sofrendo tanto por policiais quanto por grupos de manifestantes radicais. Ao abordar a atuação desses grupos, Paula Máiran tentou explicar da seguinte maneira os ataques aos jornalistas da “grande mídia”:

“(…) O jornalista há mais de 20, 30 anos era reconhecido como um agente defensor dos direitos da população, da Constituição, da democracia, e agora a população não reconhece mais o jornalista como esse defensor e o confunde apenas como um agente do seu patrão, um mero reprodutor da lógica do veículo onde trabalha. E esse é um dos motivos mais claros que levam hoje o jornalista a sofrer agressões e ser expulso por exemplo das manifestações que têm ocorrido.” 

Reparem, ao ouvir a entrevista, como Paula Máiran é tolerante com a ação dos agressores, a quem sempre se refere como “a população” ou “os movimentos sociais”. Ora, esse tipo de ato que matou nosso colega Santiago Andrade é praticado por grupos minoritários, que na verdade afastam a população (aí sim, a população) de protestos absolutamente legítimos.

Em outro ponto da entrevista ao programa Faixa Livre, Paula Máiran refere-se assim aos jornalistas da TV Globo que vinham sendo hostilizados por grupos radicais nas manifestações. Aliás, hostilizados “pela população”, segundo a presidente do Sindicato:

“O jornalista da TV Globo é confundido com a família Marinho, com a empresa onde trabalha. A população, os movimentos sociais organizados hoje têm um nível de consciência maior do que é esse problema da manipulação da informação, da notícia, da concentração da mídia porque há um debate muito capilarizado na nossa sociedade sobre a necessidade da luta pela democratização da comunicação. (…) Nessa conjuntura o jornalista da TV Globo que vai trabalhar e tentar fazer o seu trabalho, que é um dever profissional não com o patrão mas com a sociedade, não consegue fazer esse trabalho porque é confundido e é expulso, e é compreensível essa visão de que o manifestante não acredita naquilo que vai ser produzido por aquela equipe e que vai ao ar.”

Não parece que essa fala é de uma jornalista que acabara de ser eleita para presidir o sindicato da categoria profissional à qual ela pertence.

Chega de violência

Finalmente, a nota de pesar do sindicato pela morte cerebral de Santiago, no dia 10 de fevereiro (leia aqui), exige “uma apuração rigorosa por parte do Estado em busca dos culpados pela morte do nosso colega”, mas novamente não traz qualquer crítica aos assassinos de Santiago, aos grupos mascarados que perseguem jornalistas desde as manifestações de junho do ano passado. Certamente é para “não criminalizar os movimentos sociais”, como costumam dizer alguns diretores do sindicato.

Considero lamentável que, com apenas seis meses de empossada, a atual diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio cometa um erro tão grave que leva alguns colegas a pensar em se desfiliar do Sindicato, o que considero um grande equívoco. Ao contrário, entendo que somente a participação de todos – e não apenas jornalistas – na política, nas associações de moradores, no sindicalismo pode tornar a vida melhor.

Desejo muito que as manifestações de rua aconteçam, como em qualquer país democrático, com garantias de segurança para tanto para os manifestantes como para os jornalistas que lá estiverem cumprindo o importante e sagrado dever de informar. Chega de agressões, chega de violência, não importa de que lado ela venha, da polícia ou de black blocs. E que os responsáveis pela morte de Santiago sejam punidos com o rigor da lei.

Leia também

Nota pública sobre o caso do repórter cinematográfico Santiago Andrade

Violência contra a imprensa (15/8/2013)

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Rogério Marques é jornalista