Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Rolezeiros são muito focados na moda e no consumo

A ocorrência dos rolezinhos despertou minha curiosidade pelo assunto, principalmente em razão de palestra a que assisti no Brasil há alguns anos, ministrada por Gilles Lipovetsky, um filósofo francês que analisa a realidade sócio-histórica e, dentro dela, fenômenos como o consumo, a moda e o luxo. São temas também da seara de economistas, como eu, e pelo que li nos jornais os rolezeiros são muito focados na moda e no consumo, o que para eles constitui um luxo.

Para Lipotvesky, cada um tem a sua ideia do que seja luxo, muitas vezes compartilhada pela sua comunidade. Na palestra, ao falar do luxo nessa perspectiva, que não depende necessariamente da renda, ele disse que para brasileiros isso não deveria ser novidade. E mencionou os nossos índios, que se enfeitam luxuosamente para suas celebrações, e também todo o luxo ostentado pelas escolas de samba.

Na realidade sócio-histórica atual, Lipovetsky identificou o que chamou de hipermodernismo, objeto de seu livro Os Tempos Hipermodernos, de 2004. Pondero não ser possível fazer justiça ao seu abrangente significado recorrendo a uma frase ou outra, mas não tenho alternativa. Num trecho em que explica o conceito, afirma que (…) “no cerne do novo arranjo do regime do tempo social, temos: (1) a passagem do capitalismo de produção para uma economia de consumo e de comunicação de massa; e (2) a substituição de uma sociedade rigorístico-disciplinar por uma ‘sociedade-moda’ completamente reestruturada pelas técnicas do efêmero, da renovação e da sedução permanentes”.

“Nasce toda uma cultura hedonista e psicologista que incita à satisfação imediata das necessidades, estimula a urgência dos prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o paraíso do bem-estar, do conforto e do lazer. Consumir sem esperar; (…) divertir-se; não renunciar a nada (…).”

São termos sofisticados, mas que colocam os rolezinhos como fenômeno hipermoderno, apoiado também no forte avanço das tecnologias de informação e comunicação. É só traduzir esse “filosofes”: os rolezeiros apreciam o consumo e andam na moda, valorizam a cultura do prazer, até mesmo na urgência de beijar as “minas” que também se dispõem a fazê-lo, querem ser admirados por suas aparências e seus feitos, e por aí afora. Para o florescimento pessoal, fotos nas reportagens e nas capas de revistas são a glória.

Interesses divergentes

Encontrei outra obra pertinente ao assunto, datada de 1967, que permanece atual. Intitulada A Sociedade do Espetáculo, foi escrita Guy Debord, outro filósofo francês, um marxista crítico da velha guarda do ramo. Cada parágrafo exige reflexão do leitor. Teve várias traduções do francês e uma em inglês, que consultei, criticou outras na sua introdução.

Dada a complexidade do texto, recorri a uma resenha dele feita pelo jornalista John Harris, do jornal britânico The Guardian, de 30/6/2012. Harris também adverte ser temerário descrever o livro por poucas frases, mas selecionou algumas, e eu ainda escolhi estas entre elas: “Em sociedades onde predominam as modernas condições de produção, toda a vida se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se transformou numa representação.” Depois de refundir a ideia de ser na de ter, “(…) a atual fase de total ocupação da vida social pelos resultados acumulados da economia (…)” produziu um “(…) generalizado deslize do ter para o aparecer, do qual todo o efetivo ter deve extrair seu imediato prestígio e sua função final”.

Nesse contexto, imagem e realidade se confundem, muitas vezes com predomínio da primeira, de mais fácil difusão e percepção. E frequentemente de forma oportunista, como no caso da propaganda de bens e serviços, ou mesmo de políticos.

Mas onde está o marxismo de Debord? Está no fato de que procura entender como evolui e se adapta o capitalismo, contrariando companheiros que, assentados em clichês antigos, ficam a esperar por uma crise definitiva desse sistema. Que nunca chega, como o esperado personagem Godot da conhecida peça teatral. Uma razão é que o consumo exacerbado pelo espetáculo impulsiona a economia e acaba sendo uma forma de alienação do proletariado de sua efetiva condição social, um tema recorrente da análise marxista.

Em retrospecto, embora de diferentes vertentes, as análises de Lipovetsky e Debord se integram, pois ambos enfatizam o consumo exacerbado. E a moda e o luxo do primeiro autor levam a espetáculos pessoais na visão do segundo. Como conceito, entretanto, a sociedade do espetáculo firmou-se mais do que a hipermodernidade. Além de mais recente, este último adotou como nome uma perspectiva temporal, enquanto o título de sociedade do espetáculo enfatiza a natureza do que se passa. Evidência disso é que Mário Vargas Llosa, num livro publicado em 2013, optou por chamá-lo de a civilização do espetáculo, ainda que se referindo aos dois autores.

Pensando em como lidar com os rolezinhos, pouco tenho a dizer. Talvez caiam de moda ou de conveniência para seus praticantes, inclusive pelo fim das férias escolares. De qualquer forma, o diálogo entre as partes envolvidas é indispensável. Ele vem ocorrendo, mas do lado dos shoppings vejo-o limitado a seus donos ou executivos. Falta a representação dos comerciários que trabalham nos shoppings recebendo parte de seus ganhos na forma de comissões sobre vendas e, assim, ficando no prejuízo com os rolezinhos ou com a simples ameaça deles.

E se houve quem, precipitadamente, tenha visto no fenômeno um sintoma de crise do capitalismo, com gente do proletariado se arregimentando para enfrentá-lo, vale lembrar uma contradição interna a essa classe e frequentemente ignorada por marxanalistas. Essa dos interesses divergentes de rolezeiros e comerciários, entre muitas outras.

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Roberto Macedo é economista e consultor econômico e de ensino superior