Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A histeria dos comissários

Os surtos histéricos diante da violência urbana dão em nada. Se dessem, ela já teria acabado há décadas. Já os surtos de histeria política, quando dão em alguma coisa, acabam mutilando as liberdades públicas.

O senador Jorge Viana defendeu a aprovação em regime de urgência de um projeto de seu colega petista Paulo Paim que classifica como terrorismo os atos de violência física praticados durante manifestações de rua. Depredações e mesmo desacato à autoridade policial são delitos previstos no Código Penal. Isso para não se mencionar o homicídio do cinegrafista Santiago Andrade.

O projeto petista define assim o ato terrorista:

“Provocar ou difundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoas.”

A pena iria de 15 a 30 anos de prisão. Se a ação resultar em morte, sobe de 24 a até 30 anos. Fica por aí porque esse é o limite máximo da pena de reclusão nas leis brasileiras.

Alvo errado

Deixando-se de lado o caráter vago do que seria “provocar ou difundir terror ou pânico generalizado” e a precisão da pena mínima (15 anos de reclusão), pode-se buscar um caso semelhante de histeria, com danos historicamente conhecidos.

Que tal assim?

Será crime “comprometer a segurança nacional, sabotando quaisquer instalações militares, navios, aviões, material utilizável pelas Forças Armadas, ou ainda meios de comunicação e vias de transporte, estaleiros, portos, e aeroportos, fábricas, depósitos e outras instalações:

Pena: reclusão de oito a 30 anos.”

Essa era a redação do artigo 11º da Lei de Segurança Nacional, baixada a 21 de outubro de 1969, no auge da ditadura, pouco depois do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick.

A pena mínima para um sabotador de quartel, ou aeroporto (imputações específicas), era de oito anos. Para assalto a banco ou sequestro de avião, ela ia de dez a 24 anos. Nos dois casos, as penas eram inferiores às que prevê o surto petista. Caso o delito resultasse em morte, a pena seria de fuzilamento. Apesar de ter havido uma condenação, ninguém foi executado dentro das normas legais.

O comissariado quer expandir a definição de terrorismo precisamente numa época em que sexagenários que militaram em organizações da esquerda armada aborrecem-se quando alguns de seus atos são chamados de ações terroristas. O atentado do aeroporto de Guararapes, por exemplo, quando explodiu uma bomba no saguão, matando duas pessoas e ferindo 14. Ele ocorreu em 1966, dois anos antes da edição do Ato Institucional nº 5. Oito meses antes do AI-5 um documento do Comando de Libertação Nacional, o Colina, dizia que “o terrorismo, como execução (nas cidades e nos campos) de esbirros da reação, deverá obedecer a um rígido critério político”. Assim, quatro meses antes da edição do AI-5 mataram um major alemão que pensavam ser o capitão boliviano que estivera na operação que resultou no assassinato de Che Guevara. Nessa organização militava, com o codinome de Wanda, a doutora Dilma Rousseff. Tinha seus 20 anos e nunca foi acusada de ter participado de ação armada.

Como diria Ancelmo Gois: “Calma, gente.”

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Elio Gaspari é jornalista