Criminalista dos mais conhecidos, Antonio Carlos Mariz de Oliveira espantou-se com o nível atual de violência. “Eu entendo a violência do assaltante: ele rouba. Mas e a violência de quem não está sequer praticando crime, mas se torna criminoso de momento, desrespeitando valores? É a banalização do mal. Esse é um problema penal? De repressão? É muito mais grave do que o sistema penal apresenta: é um problema patológico”.
A violência difusa tornou-se habitual, nos jogos de futebol, nas manifestações de rua, trazendo mais combustível na fogueira da violência institucionalizada do crime organizado e da polícia.
O país está enfermo. E há muitas causas para essa enfermidade. “Está se assistindo a essa violência incompreensível e nós apenas bradando por cadeias. Que se prenda, mas que se discutam as razões disso”.
Exemplos isolados
Mariz salienta a responsabilidade da TV aberta na criação desse clima, especialmente os telejornais sensacionalistas. Mas não exime também a imprensa escrita dessa responsabilidade.
“A televisão, como mais eficiente sistema de aculturamento, chegando onde a escola não chega, está prestando um desserviço à sociedade brasileira, tornou-se um eficiente meio de desagregação moral. Não porque mostra beijos de dois homossexuais, mas porque mostra que os problemas da vida são resolvidos à bala e o valor argentário é o mais relevante”.
Continua ele: “A TV não veio só para o Ibope, mas para servir à sociedade como instrumento de formação. Mas a TV teatraliza, instiga e assinala para a sociedade que a única resposta possível ao crime é a prisão. Então o binômio crime-prisão é visto como sagrado. Ai do Judiciário se não prender naquele caso em que, sem processo, sem julgamento, ela julga culpado. E a TV faz questão de ir além da lei e ela mesmo aplica penas crueis, perpétuas, porque o mero suspeito é exposto à execração pública, antes mesmo de estar sendo investigado”.
“A mídia pratica isso e nós, em nome da liberdade de imprensa, que é confundida com irresponsabilidade social. A imprensa tem que ter uma responsabilidade social”, constata ele.
Há toda uma indústria cultural de exploração da violência, nos enlatados, nos games. Na ponta política, intelectuais radicais irresponsáveis, comodamente instalados em suas cátedras jogando a rapaziada no fogo, brincando de realidade ideológica virtual, sem pensar nas consequências para a vida de dezenas de rapazes inexperientes. E tudo isso em uma sociedade que, historicamente, destacou-se como das mais violentas do planeta.
Denuncia Mariz que o sistema prisional faliu. Há 200 mil pessoas nos presídios ou inocentes ou aguardando julgamento, tornando-se prato feito para o aliciamento pelo crime organizado. Na outra ponta, enormes dificuldades em enfrentar os verdadeiramente criminosos.
É tarefa quase impossível reverter essa maldição nacional. Até hoje, os melhores programas de combate à criminalidade juntaram a educação, o lazer, o apoio aos jovens infratores com a repressão necessária ao crime.
Mas são exemplos isolados.
Séculos de escravidão, de política resolvida a bala, de vendetas, de jagunços, legaram uma herança quase impossível de ser extirpada.
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Luis Nassif é jornalista