Dias difíceis. Deixei o Cemitério do Caju, onde o corpo do cinegrafista Santiago Andrade era velado, com um sentimento de tristeza misturado à preocupação. Nas rodas que se formaram do lado de fora da capela, era visível a revolta dos colegas. Alguns, mais exaltados, combinavam dar o troco. Transformaram em herói um outro cinegrafista que, na porta da delegacia, golpeou com a câmera um jovem que o ameaçara.
Este clima me remete às jornadas de junho do ano passado, que cobri como repórter. Parte da imprensa, empolgada como eu com o despertar cívico, inicialmente tratou os vândalos como uma minoria infiltrada. Desde cedo, pensei diferente. Pelas atitudes do grupo, logo percebi que esses mascarados se consideravam não parte, mas a vanguarda do movimento. Embuídos da certeza da verdade absoluta, seguiram em frente com a sua estratégia violenta até se verem sós nas ruas.
Não totalmente sós. O seu isolamento radical também atraiu os cassetetes e bombas de efeito moral da polícia e as lentes da imprensa. Para os jornalistas, as consequências foram desastrosas. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) contou 117 ataques a repórteres desde o início do protesto. De cada quatro agressões, três partiram de policiais. Até aí, nada de novo. Não é de hoje que a polícia faz da imprensa um alvo preferencial. A novidade é constatar que um quarto dos agressores era de manifestantes.
Água na fervura
É preciso, como professa o chavão, ouvir a voz das ruas. Concordo que a imprensa erra, que isenção absoluta é uma utopia, e tal, mas rejeito as bordoadas e os rojões como uma expressão da crítica. Como disse brilhantemente a jornalista Cora Rónai, os vândalos, quando partem para cima da imprensa, estão convencidos de que o inimigo batido é o monopólio da comunicação. Mas a cara que leva o tapa é a do repórter.
Já tenho dúvidas se posso circular por aí com o crachá no bolso. Recentemente, estive no Maracanã para torcer pelo meu time de coração. No meio do jogo, vi as arquibancadas lotadas xingarem com desabrida dose de ódio uma emissora da TV. Motivo: a recusa de transmitir os jogos do clube. Procurei pelo crachá e ele não estava no bolso. Ainda bem.
E esse ódio agora invade as redações. “Bateu, levou”, pregam alguns colegas.
Para os que nos agridem, chocando em praça pública o ovo da serpente nazista, só há uma resposta a ser dada: o instituto da lei. O país não precisa de legislação mais rigorosa contra os baderneiros. As democracias mais avançadas não precisam de leis específicas para cada situação. Temos as suficientes para conter o ímpeto violento travestido de manifestação democrática. Mas também não precisamos de jornalistas dispostos a usar os seus equipamentos como armas de defesa. Mais água na fervura. Nossa arma, como sempre foi, é a palavra. E é com ela que conseguiremos superar os tempos difíceis.
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Chico Otavio é jornalista e professor da PUC-Rio