Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Calma, gente!

Calma, gente! Antes de amarrar mais alguém ao poste, va­mos respirar fundo e tentar usar a cabeça?

Não tem aroma de corvo queima­do o governador Sérgio Cabral, ini­migo político de Marcelo Freixo, dizer que “grupos políticos” patro­cinam “black blocs”? E não possui um peculiar odor de ralo o doutor Jonas Tadeu Nunes, advogado dos acusa­dos pela morte do cinegrafista San­tiago Ilídio Andrade, se dar ao luxo de aconselhar agentes da lei a investigar “vereadores, deputados e diretórios regionais de partidos” para desvendar quem são os res­ponsáveis pela violência das mani­festações cariocas?

Você, meu dileto leitor, compraria uma máquina lava-louças usada do Sérgio Cabral? E o doutor Jonas, que por coincidência vem a ser repre­sentante legal de Natalino Guima­rães, um dos mais poderosos mili­cianos da Baixada Fluminense, vo­cê o convidaria para tomar um guaraná na esquina?

Pois é, a esta altura, eu também não. Mesmo porque não uso lava-pratos. Mas veja que curioso: está assim, ó, de gente que acredita sem pestanejar nessas acusações.

Pessoal tá cansado de saber que os “black blocs” nasceram na Europa e não têm pessoas como alvo. Em São Paulo, eles só começaram a surgir depois da segunda passeata para se proteger dos tiros de borra­cha e do gás lacrimogêneo, alguma novidade até aí?

Mas parece que nenhum argu­mento ou fato serve para apaziguar os nervos de quem nutre a ideia fixa de “projeto bolivariano” em curso na América Latina, com uma miríade de partidos de esquerda no hori­zonte, que estariam dispostos a de­sestabilizar a ordem pública por al­guma razão que… Bem, eu real­mente não saberia concluir o racio­cínio, de tão acéfalo que é. Porque basta usar apenas um neurônio pa­ra saber que o que dispersou as ma­nifestações não foi a violência de “black blocs” ou, sei lá, de besouros lilases gigantes ou duendes (vá en­tender? Essa turma não acredita no que diz Tuma Jr.?).

Leque ampliado

O que dissipou os protestos foi fal­ta de liderança, de propostas, de or­ganização e de perseverança. Pare­ce pouco, ora bolas? Não venham dizer que o quebra-quebra promovido por uns gatos pingados foi capaz de esvaziar o ânimo de um país inteiro, porque, se é assim, somos uns fuinhas.

Em “Raízes do Brasil”, Buarque de Holanda pinça os motivos da histe­ria atual: “A democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-en­tendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios”. As manifestações de junho só empol­garam o andar de cima pela oportu­nidade de ver ali uma forma de var­rer “bolivarianos”. Mas carnavali­zaram, pessoal foi para Portillo, St. Tropez ou se perdeu em protestos sem respaldo legal (“Fora, Had­dad”? Como assim?). Sem gás, vie­ram as “manifestações pocket”, pe­dia-se tudo, resultou em nada.

Passados oito meses, a coisa des­virtuou. A infiltração de fato existe. Mas ela parte dos presídios, dos grupos organizados, nascida por vingança. Uma desordenzinha pré-Copa, só para azucrinar.

No Rio, porque as vans clandesti­nas foram proibidas de circular na orla. E, em São Paulo, pela turmi­nha de sempre, que queima em mé­dia um ônibus ao dia, porque pe­ruas não podem mais circular nos corredores de ônibus de locais co­mo Jardim Ângela, Capão Redon­do e Adolfo Pinheiro. Kassab proi­biu e Haddad ampliou o leque da proibição. E os meninos que se sen­tem acolhidos pela bandidagem, porque não o foram pelo Estado, são cooptados a se “fantasiar” de “black bloc”, deixando a clientela do shopping à beira de um ataque de nervos. Calma, gente!

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Barbara Gancia é colunista da Folha de S.Paulo