Um salto de qualidade pode ser percebido na guinada global pelo jornalismo investigativo que procura ir além da reprodução das notícias e enfatiza a análise dos fatos, dos seus personagens buscando hipóteses factíveis para a elucidação das problemáticas que o judiciário, às vezes, peca pela morosidade. Todos os elementos de um bom jornalismo investigativo estão dados a partir do trágico acidente com o cinegrafista da Bandeirantes Santiago Andrade. Acompanhamento em tempo real das investigações da polícia civil, ou, melhor ainda, antecipação dos depoimentos para a exibição televisiva antes mesmo de serem formalizados; contratação de perito para a análise das imagens fazendo revelações conclusivas inquestionáveis; leitura dos textos das ocorrências dando espaço para o pronunciamento de todos os personagens envolvidos, dos réus às vítimas; tudo isso tomando grande parte do tempo disponível no telejornal local a fim de possibilitar que os telespectadores reúnam uma quantidade de argumentos e evidências suficientes para tirarem as suas próprias conclusões, se é que já não foram tiradas.
Esse tipo de jornalismo, quase em extinção, retorna em grande estilo. Até agora, desde junho, não tinha sido possível noticiar nenhuma grande tragédia que vitimizasse algum cidadão comum, de bem, derivada do fogo dos manifestantes. Apenas uma dúzia de jornalistas da mídia alternativa e jovens com balas de borracha pela perna, um tirinho aqui outro acolá, spray de pimenta e vinagre que não mata ninguém. Agora, não. Trata-se de oportunidade imperdível para qualificar e dar vida ao jornalismo investigativo.
Tardou mas chegou. Em meio a um clima de ebulição social que aparentava se esvaziar, mas que demonstrou força e potencialidade contestatória no dia do grave incidente. E, pior, esse tipo de ação direta que escolhe depredar os símbolos do capitalismo como forma de denúncia de uma democracia que privilegia o interesse de poucos em nome da população parece ter extrapolado o meio juvenil classe-média e ganhado a adesão das classes populares – aquela que enfrenta o trem todo dia de Japeri para a central e acorda às 4 da manhã. Aquele brasileiro legal, sambista e pacífico pode ter dado lugar a uma representação mais difusa ou talvez mais intolerante aos séculos de exploração, como pode perceber o apresentador Datena, infelizmente ao vivo, em seu programa de TV durante as manifestações de junho.
“Violência não leva a nada”
Um perigo que precisava ser evitado principalmente em um momento tão especial e importante para a história do Brasil como o acontecimento da Copa do Mundo. Se o brasileiro não cai mais no conto de que “bom mesmo é ficar em casa aguardando o próximo presidente melhorar as coisas”, outras estratégias hão de ser lançadas. Nada que uma morte não comova, principalmente de um cidadão de bem, identidade diversa daqueles que vão para as ruas para causar tumultos e balbúrdias, ou seja os vândalos, black blocs. Então, nada melhor do que uma investigação jornalística isenta que julga, exibe e comprova que todos esses moleques, na verdade, são arruaceiros e agora, assassinos, e portanto merecem toda a desaprovação da sociedade ordeira que, pelo menos, por favor, durante a Copa, permaneça assim.
Para concluir a investigação jornalística com chave de ouro, à frente de qualquer delegacia competente e empenhada recomenda-se ouvir o depoimento de quem durante toda a vida esteve ao lado da vítima, guardando suas lembranças mais carinhosas e não sendo capaz de esconder as lágrimas diante de uma grande perda, sua esposa. Diz ela ao ser perguntada pela repórter investigativa sobre o que gostaria de dizer para os manifestantes: “Que não sejam violentas. Isso não leva a nada. Nosso Brasil vai ser mal visto.” Jornalismo investigativo bom é aquele que já inicia com o resultado garantido.
******
Téo Cordeiro é professor, Rio de Janeiro, RJ