Não foi um acidente, uma fatalidade, um acaso. Foi um atentado. Com tanta gente àquela hora por ali durante uma manifestação, o rojão aceso disparado do chão teria que atingir alguém — alguém que estivesse passando, parado ou trabalhando, como o cinegrafista Santiago Andrade. O acaso foi a forte carga explosiva estourar “apenas” uma cabeça e não muitas. Os dois autores sabiam o que estavam fazendo, queriam provavelmente acertar de preferência um policial, mas também servia outro inimigo, um membro da mídia tradicional que tanto odeiam. Eles pertencem ao grupo de vândalos e arruaceiros mascarados — black blocs, anonymous — que se infiltram nas manifestações populares para promover quebra-quebra de vitrines de lojas e bancos, achando que assim estão destruindo o capitalismo. Só não esperavam que o ato terrorista de agora fosse tão documentado por imagens de TV. Aliás, o tatuador Fábio Raposo, de 22 anos, um reincidente (já foi detido antes duas vezes por agitação), disse que só se entregou por causa da ampla divulgação de sua foto, já que seria logo descoberto. Mesmo orientado pelo advogado de defesa, o seu depoimento decorado foi marcado por afirmações cínicas, contradições e mentiras, algumas até ingênuas, como a de que não sabia que o “negócio preto” que pegou no chão era uma bomba e que não conhecia o colega a quem passou o artefato, embora aparecessem juntos nas imagens, e cuja identidade ajudou a descobrir: Caio Silva de Souza, de 23 anos.
Na sua comovente despedida do marido, Arlita Andrade apelou para o fim da violência e lamentou que esses rapazes não tivessem tido os ensinamentos que ela deu a seus filhos: “O que falta a eles é o amor pelas pessoas.” Ela tem razão. Eles vão para a rua protestar contra abusos do governo, falam em defesa de direitos humanos, mas na prática têm solene desprezo pela vida do próximo.
Opinião pública
Um desfecho como esse estava mais ou menos previsto, porque, enquanto sempre se destinou rigor crítico à ação da polícia, tratou-se com muita leniência os agitadores. Intelectuais apoiaram seus atos sem querer saber a serviço de quê e de quem agiam, quais os mentores e patrocinadores. Advogados, ONGs e políticos preferiam dar-lhes cobertura para que não fossem ou ficassem presos quando flagrados em graves delitos durante os protestos.
Ainda no começo, no dia 22 de junho passado, escrevi aqui que se alguma providência não fosse tomada com urgência para impedir a infiltração dos vândalos mascarados as legítimas manifestações populares iam perder o que haviam conquistado: “o apoio entusiasmado da opinião pública.” Aos que alegavam que os marginais predadores constituíam uma minoria, foi dito: “mas é uma minoria disposta a só produzir estragos.” E, como se viu agora, não só estragos, mas também morte.
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Que jovens são esses?
[Zuenir Ventura # reproduzido do Globo, 15/2/2014; intertítulo do OI ]
Estão cada vez mais visíveis os sinais do comportamento desviante e agressivo de uma parte dos jovens. Em SP, no mês passado, seis deles confessaram à polícia ter espancado até a morte Bruno Borges, de 18 anos, por ser gay. As agressões homofóbicas chegaram a tal ponto que, para se proteger, homossexuais passaram a andar em grupos em torno da Avenida Paulista. “A gente tenta se blindar, senão não sai de casa”, disse um deles, que recentemente foi espancado ao andar sozinho. No Rio, como se sabe, dois episódios de violência juvenil chamaram a atenção. No primeiro, agressores prenderam pelo pescoço num poste no bairro do Flamengo um assaltante de 15 anos, depois de espancá-lo e deixá-lo ferido e nu. Um desses autodenominados “justiceiros” revelou que são uns 50, que costumam sair à noite para caçar marginais e dar-lhes uma “lição de moral”, ou seja, agem como os criminosos que perseguem. O pior é que muita gente boa, alegando a ineficácia da polícia, apoia a Lei de Talião, do olho por olho. Em vez de exigir o aprimoramento da segurança, prefere retroceder à barbárie que vigorou 1.700 anos antes de Cristo.
O outro episódio foi por demais comentado: a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão lançado por dois rapazes, Fábio Raposo, de 22 anos, e Caio Silva de Souza, de 23, que pertencem à gangue de vândalos que promovem quebra-quebra em manifestações. Antes de se saber que os dois são de modesta origem sócioeconômica, houve muita especulação. O prefeito Eduardo Paes chegou a se referir aos “filhinhos de papai”, o que de fato não são: eles moram sozinhos, um na Zona Norte e o outro na Baixada Fluminense, trabalham e ganham salário-mínimo. A partir dessa amostra, no entanto, não se pode generalizar, como se faz equivocadamente com os participantes dos rolezinhos, acreditando que são todos excluídos.
Categoria à parte
A Sininho, por exemplo, de 28 anos, tem outro perfil intelectual e social. Chamada de “patricinha” por populares, é a mais proeminente dos ativistas, capaz de circular entre políticos, de recolher doações de vereadores, de recrutar advogados e de ir a uma delegacia afrontar, xingando os jornalistas de “carniceiros” e, em outra ocasião, um PM de “macaco”. Seu protagonismo desmente a crença de que entre eles não há liderança, que é uma estrutura horizontal e que se reúnem de forma aleatória e espontânea.
A verdade é que é difícil descobrir o que são e o que querem certos jovens hoje, até porque são grupos segmentados, que não formam uma geração única, uniforme, como em 1968. São tribos — e cada tribo é uma categoria à parte, com hábitos particulares e uma “cultura” própria. O que os une é o gosto pelo vandalismo e a transgressão, principalmente quando recebem um dinheirinho político para praticarem o que tanto curtem: a violência.
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Zuenir Ventura é colunista do Globo