Tuesday, 12 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Para coibir atos violentos não se pode ferir a democracia

Desde as gigantes manifestações de junho, para onde confluíram sérios descontentamentos com os serviços (ou a falta deles) sob responsabilidade do Estado, a insatisfação quase não saiu das ruas. E desde que uma parcela ínfima de manifestantes, por motivos claros ou inconfessáveis, mancharam as manifestações com atos violentos, era previsível que em algum momento algo de muito grave fosse acontecer. A estúpida morte do cinegrafista Santiago Andrade por um rojão, enquanto trabalhava na cobertura de uma dessas manifestações, é um limite que infelizmente foi cruzado e a partir da qual tornou-se inadiável respostas imediatas da sociedade e dos poderes públicos.

Há várias hipóteses sobre os motivos do bárbaro assassinato, supostamente executado por Caio Silva de Souza – ele se confessou à imprensa, mas não à polícia. A julgar pelo que se conhece até agora (pouco) dos suspeitos, sua ação tem mais a cara da baderna e da irresponsabilidade do que do anarquismo que inspira em tese a violência dos “black blocs”. O advogado de Caio, Jonas Tadeu Nunes, na defesa de seu cliente, trouxe mais tensão a uma atmosfera já carregada ao citar o pagamento de R$ 150 aos acusados pelo crime vindo de partidos políticos – não citou nomes, nem deu provas. “O dinheiro era pago por um ativista. Mas esse ativista tem envolvimento com político, com diretórios regionais de partidos, de vereadores, deputados estaduais e senadores”, disse Jonas.

Enquanto as circunstâncias que envolveram o assassinato se tornavam mais nebulosas, o governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), desafeto dos manifestantes desde junho, disse que havia partidos e organizações “embutidos” nos atos violentos. Enquanto isso, seu secretário da Segurança, José Mariano Beltrame, encontrava-se com o ministro da Justiça para propor legislação mais rigorosa. Entre as sugestões, a pena de 2 a 6 anos de prisão para quem promover a “desordem pública”.

Antes de procurar mudar as leis, os governadores deveriam reconhecer o problema que enfrentam – a incompetência com que a polícia lida com as manifestações – ora se comportando como vândalos, ora omissos – e tratassem de aplicar a legislação já existente, que é mais que suficiente para impedir que a violência prospere.

Atmosfera polarizada

O perigo em um clima justificadamente emocional, como o criado pela morte de Santiago, é que se tolham liberdades duramente conquistadas. “Desordem pública” pode abarcar protestos justos da oposição a mandatários impopulares e eram assim considerados pela ditadura militar. Em alguns dos muitos projetos no Congresso sobre o assunto se escondem várias ameaças reais às liberdades democráticas.

Com a sabedoria de um especialista na história brasileira, José Murilo de Carvalho foi a um ponto central: a polícia repressiva (militar) e a investigativa (civil) “não só não trabalham em conjunto como se hostilizam mutuamente”. A capacidade operacional preventiva das polícias é nula. Sobre os “black blocs”, Carvalho diz que “são uns gatos pingados (…) que se aproveitam das manifestações para, em aliança com outras pessoas interessadas em perturbações, porem em prática seus métodos violentos”.

O que ele e o bom senso advogam são pequenas correções na lei. Algumas delas constam do projeto do secretário de Segurança do Rio, como a proibição de máscaras em manifestações públicas, a exemplo da Alemanha, ou o acerto prévio antecipado, de horas e roteiros para manifestações, como no Reino Unido.

A morte de Santiago não deveria servir, como ameaça, para mais um show de exibicionismo político em véspera de eleições ou de pretexto para o cerceamento das liberdades. Garantir o direito de manifestação democrática sem que os cidadãos corram riscos de vida é uma bandeira suprapartidária e torná-lo real é inadiável.

Em pouco mais de quatro meses o Brasil sedia a Copa do Mundo, para a qual estão programadas dezenas de manifestações pelo país e novas vítimas inocentes poderão surgir. A polarizada atmosfera política para a eleição presidencial não favorece a busca de consensos, que, no caso, não esbarra em grandes dificuldades conceituais. Executivo e Legislativo têm de se entender, e logo, sobre a melhor forma de pôr na cadeia quem comete atos ilegais e punir quem não respeita a vida alheia.