Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Santiago Andrade, seu sacrifício não será em vão

Atores desiguais em cenários de confrontos, denominados manifestações. Estou me referindo aos que vão de cara limpa e peito aberto para a rua, seja para se manifestar, seja para atuar profissionalmente, e os que se camuflam, em identidade, atos e responsabilidade. Inadmissível essa atitude dos que vão ao espaço público, a pretexto de fazer parte de uma esfera pública, mas requerendo a si o privilégio do anonimato, ainda mais quando a intenção é expressar a fúria e destruir tudo que possa simbolizar uma ordem que desejam por abaixo, vagamente chamada de Capitalismo, e suas supostas correias de transmissão, entre elas, a imprensa. Em Brasília, durante uma das pretéritas “manifestações” (num Sete de Setembro), uma loja de automóveis foi apedrejada, sob o pretexto de serem esses ícones do consumo tradução literal de exclusão dos menos favorecidos.

Lamentavelmente, foi necessário, mais uma vez, acrescentar-se mais um mártir ao Panteão dos Heróis Jornalistas, desta vez, Santiago Andrade, para se atinar que profissionais em campos de batalhas precisam de proteções e salvaguardas especiais. E antes que a vitimização se repita e, de novo, as perífrases do tipo “mataram um jornalista, atingiram a democracia”, é preciso que a ‘sociedade civil organizada’ (tautologia, pois não existe sociedade sem organização) e as suas instituições (patronais e trabalhistas) avancem para além da retórica. Que inovem, objetivamente, em blindagem física dos seus comandados.

Sim, todo respeito, reverência e louvação aos nomes e biografias imolados no sagrado dever profissional de informar, por sinal, um dos direitos humanos, assinalado precisamente no Artigo 19 da respectiva Declaração Universal. Todavia, é imperioso mais do que inscrevê-los na galeria dos que foram sacrificados. Epígrafes consagram, mas jornalista vivo, mesmo não lendário, é um direito, por sinal, já escrito no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros e que se chama “Cláusula de Consciência”: um jornalista não é obrigado a atender a uma pauta, se ela lhe constitui adversidade ou ameaça. Alguns jornalistas, entretanto, preferem a morte à amarelar diante de um desafio.

Próxima vítima

Tomar jornalistas por bodes expiatórios e sacos de pancadas é tão antigo quanto a profissão. Graciliano Ramos já se reportava a um certo “empastelamento” de tipografia, a mando de um coronel político. E quanto a Líbero Badaró, era mil vezes preferível morto de velhice, a exemplo de Barbosa Lima Sobrinho, a tombar sob as balas de seus desafetos, mesmo que muito lhe tenha sobrado em biografia, honra e palavras lapidares: “Morre um Liberal, mas não morre a Liberdade”.

Em 2013, neste mesmo Observatório (16/04/2013, edição 742), tive oportunidade de me manifestar em favor da proteção desta profissão que muito se identifica com o perigo (ver “Jornalista não é super-herói“). Argumentei, naquele momento, que jornalista não é super-herói e me referi, especificamente, à morte, sob fogo cruzado, do cinegrafista da TV Bandeirantes, Gelson Domingos. Ao que se infere, a lição que resultou dessa baixa à época tão lamentada pelas mesmas vozes institucionais em pouco resultou em medidas práticas. A imolação de Santiago Andrade, em pleno exercício e maturidade profissionais, não se deu em vão, pois não é possível que tenhamos de repetir as mesmas excelências e epígrafes quando da próxima vítima. Elas sempre existirão, mas, espera-se, em menor número, frequência e imprevidência.

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Luiz Martins da Silva é jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da UnB