A trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade não foi uma mera fatalidade. O rojão que o matou fora aceso há meses. Coube aos dois mascarados apenas acabar o serviço. Quando o rojão finalmente explodiu, é possível que ele não estivesse apontado intencionalmente a Santiago. Mas isso não interessa. Não interessa porque, numa República, não há vidas mais importantes do que outras. A vida de Santiago era tão preciosa quanto a vida de qualquer cidadão. Qualquer jornalista. Qualquer policial militar. Qualquer black bloc. Em suma, de qualquer um que pudesse estar no caminho do rojão naquela tarde de quinta-feira na Praça Duque de Caxias.
Num país em que se reduz todo ato de barbárie a uma fatalidade, seja matar um jornalista ou trancar um adolescente pelo pescoço a um poste, tudo é permitido. E, num país de fatalidades, ninguém é responsável por nada. A morte de Santiago não poderia ser exceção. Uma fatalidade? Diga isso a Arlita Andrade, viúva de Santiago, e aos seus quatro filhos. Diga a ela que não havia como ser diferente. A família de Arlita foi destruída pelos dois mascarados – que, como acontece numa democracia, terão direito à ampla defesa e serão julgados pelo que fizeram. Mas a família de Arlita não está destruída apenas pelo que fizeram ambos os suspeitos. Os atos dos dois não surgiram no éter. Sobrevieram num momento de ascensão, no Brasil, de um discurso de intolerância, de ódio mesmo, em relação às principais instituições que dão sentido ao país.
Condições de trabalho
É o discurso que, há meses, acendeu o rojão contra a democracia brasileira. Um discurso que define como vilões da nação a imprensa, os políticos e as demais instituições do Brasil. Um discurso que aparece nos gritos dos black blocs, mas que nasce e se propaga em blogs e sites governistas, financiados com dinheiro público com a missão de difamar a imprensa profissional. Os responsáveis por esses veículos, a pretexto de defender o pluralismo político, dedicam-se – sub-repticiamente e usando máscaras tão negras quanto às dos jovens que explodem rojões nas ruas – a achincalhar jornalistas, procuradores, políticos.
As ideias dos mascarados digitais tomam forma nas ações dos mascarados da rua. Não à toa, 114 jornalistas foram feridos desde o começo dos protestos, em junho passado. Acossados por black blocs, mas também pela polícia, repórteres têm que aderir ao anonimato para poder trabalhar. Mas as vítimas não são apenas jornalistas como Santiago. O rojão que o matou ainda não acabou de explodir. Está à espera de mais fatalidades.
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Diego Escosteguy é diretor da sucursal de Brasília da revista Época