Estimada Vera, é com atraso, mas com o amor ungido nas cinzas carnavalescas, que te endereço estas mal traçadas. Os manuais de cardiologia recomendam e os homens de boa vontade obedecem: não é bom guardar tais sentimentos. As minhas desculpas por retomar a chatice do tema. Espero que compreendas. Os selos desta carta foram grudados com a resina da compaixão, jamais da pena, sei que me entendes.
O motivo desta é para dizer que, assim como existe a vergonha alheia, estou com a ressaca moral alheia. Não por ti, obviamente, mas por essa gente, incluindo coleguinhas e santinhos do pau oco de plantão, que exploraram, urubuzisticamente falando, o teu porre de Carnaval.
Porre + Carnaval, vai somando aí, gente fina.
Gostei do Miguel Falabella. Neguinho veio cheio da malícia querendo uma declaração moralista, donde ele sapeca, bonito, elogios ao teu profissionalismo como atriz. E pronto, e priu, como se diz em Pernambuco.|
Ora, um pileque de Carnaval, cheio daquelas verdades necessárias que soltamos justamente no luxo dessa hora. Na minha terra, nas minhas tantas terras, notícia no Carnaval é encontrar alguém sóbrio na folia –os amigos dos retiros espirituais não contam, com todo respeito.
Bouquet demodê
Parece aquele velho conceito do que é ou não é notícia. Se o cachorro morde o homem, dane-se, não há menor novidade nisso. Notícia é quando o homem morde o cachorro –se bem que hoje basta um ator se espreguiçar no aeroporto, como aconteceu recentemente, que já vira #rastegui.
Aguentar sobriamente um camarote daqueles, querida Vera, impossível. Ainda mais com uma turma que homenagearia a história oficialíssima da tv, arre, que saco. Isso é bom em um documentário de domingo, não no mundo momesco e fantasioso.
Foste a vingança de muita gente, foste Vera, a superfêmea, como no título daquele filmaço que fizeste do diretor Anibal Massaini Neto. Foste a grande mulher de sempre, sem mentirinhas ou nove horas, um rosto demasiadamente humano no meio da farsa e da picaretagem nota zero em harmonia.
Sim, o preço é alto, Vera. Está ficando cada vez mais caro ser mais ou menos parecido com a gente mesmo. É a grande inflação brasileira do momento. A economia moral -nem os romanos antigos foram tão bons nisso- é a cara de pau.
Repito: estamos tratando de um porre carnavalesco. Nem caberia o critério da genial Angela Rô Rô: “Dou gargalhada, dou dentada na maçã da luxúria, pra quê/ Se ninguém tem dó, ninguém entende nada/ O grande escândalo sou eu/ Aqui só”.
O escândalo c´est moi, caro Flobé.
Era só este breve bouquet demodê de palavras, Vera, que este cronista sempre com nó na garganta, tinha para te ofertar.
Com o amor, carinho e um beijo nada técnico, Xico Sá
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Xico Sá é jornalista