Na quarta-feira [19/3], mais de 100 mil pessoas compareceram a um funeral em Istambul que se transformou numa manifestação em massa. Nenhuma organização convocou o protesto. A notícia foi divulgada pelo Twitter: Berkin Elvan, de 15 anos, tinha morrido. Ele foi atingido na cabeça por um cilindro de gás lacrimogêneo quando ia comprar pão durante os protestos no Parque Gezi, em junho.
Nos 269 dias em que o adolescente ficou em coma, seu rosto se transformou num símbolo de resistência civil, compartilhado nas mídias sociais, do Facebook ao Instagram. E a resposta foi espontânea quando sua família tuitou a mensagem : “Perdemos nosso filho”.
Protestos como esse, alimentados pelas mídias sociais e motivos de manifestações de massa espetaculares, parecem declarações poderosas de oposição ao regime.
Quer esses protestos ocorram no Egito, na Turquia ou na Ucrânia, surgem sempre especialistas para especular que os dias do partido governante ou da base do governo – ou ao menos de suas políticas impopulares – estão contados. Em geral, porém, essas imensas mobilizações de cidadãos definham inexplicavelmente sem o impacto sobre a política que se poderia esperar em razão de sua escala.
Esse enfraquecimento da repercussão não se deve ao fato de as mídias sociais não serem eficientes no que fazem, mas, de certa maneira, de serem eficientes demais no que fazem. As ferramentas digitais facilitam muito a construção acelerada de movimentos – e reduzem em boa medida os custos de coordenação. Isso parece uma coisa boa, de início, mas, com frequência, resulta numa fraqueza não prevista: antes da internet, o trabalho tedioso de organização que era requerido para contornar a censura ou para organizar um protesto também ajudava a construir uma infraestrutura para a tomada de decisões e estratégias que sustentava a mobilização. Agora, os movimentos podem passar voando por essa etapa, muitas vezes em detrimento de si próprios.
Bom começo, final discutível
Na Espanha, multidões de manifestantes que se autodenominavam “Indignados” ocuparam as praças em 2011, mas as políticas de austeridade contra as quais protestavam continuam em vigor. O Occupy Wall Street encheu o sul de Manhattan em outubro de 2011, cristalizando a imagem dos 99% versus o 1%, sem forçar uma mudança na desigualdade crescente dos EUA.
Na Praça Tahir, no Cairo, em janeiro de 2011, os manifestantes usaram as mídias sociais para captar a atenção mundial. No fim daquele ano, durante os confrontos na praça, quatro pessoas na faixa dos 20 anos usaram planilhas do Google, dispositivos de comunicação móvel e o Twitter para coordenar suprimentos para dez hospitais de campanha que atendiam os feridos. Três anos mais tarde, porém, um regime militar repressivo voltou ao poder.
Em junho, milhares de pessoas saíram às ruas em Istambul para protestar contra o plano do governo de destruir o Parque Gezi, apesar do fato de que a comunicação de massa, pesadamente censurada, ter praticamente ignorado os protestos iniciais, transmitindo documentários sobre pinguins em vez das notícias. Quatro estudantes universitários organizaram uma rede de jornalismo cidadão que contornou a censura 140 caracteres de cada vez.
Conheci pais nos protestos que imploravam para que seus filhos lhes ensinassem a usar o Twitter já que o microblog tornava-se um canal noticioso em tempo real, uma ferramenta de organização e um dispositivo de comunicação para os que estavam no parque e nas imediações. Um manifestante me disse: “A internet traz liberdade”.
Com tudo isso, porém, nas próximas eleições locais, o partido governante deve manter seu domínio.
Panfletos
Compare isso com o que era preciso para produzir e distribuir panfletos anunciando o boicote aos ônibus em Montgomery, em 1955. A professora Jo Ann Robinson, do Alabama State College, em Montgomery, e alguns alunos se infiltraram na sala de cópias de materiais e trabalharam durante toda a noite para mimeografar secretamente 52 mil panfletos para serem distribuídos de mão em mão com a ajuda de 68 organizações políticas, religiosas, educacionais e trabalhistas afro-americanas por toda a cidade. Até tarefas banais, como coordenar um comboio de carros – numa era em que não havia planilhas eletrônicas –, requeria intermináveis horas de trabalho colaborativo.
Quando o governo dos EUA se viu às voltas com a Marcha sobre Washington, em 1963, o protesto não envolveu meramente 300 mil manifestantes, mas também as parcerias comprometidas e a logística requerida para levá-las até lá – e manter um movimento durante anos contra as leis Jim Crow brutalmente aplicadas. Esse movimento teve a capacidade de mobilizar boicotes, greves e manifestações para promover sua causa. Marchas recentes em Washington de igual porte, incluindo a do 50.º aniversário da marcha de 1963 no ano passado, também demonstraram insatisfação e desejo de mudança, mas não colocaram a mesma ameaça aos poderes existentes.
As mídias sociais podem prover uma enorme vantagem na reunião de força em números de que dependem os movimentos. Aqueles “curtir” no Facebook, depreciados como “slacktivism” (em inglês, algo como “ativismo frouxo”) ou “clicktivism” (ativismo por meio de cliques) podem ter consequências duradouras ao definir que sentimentos são “normais” ou “óbvios”, talvez, entre as alavancas mais importantes de mudança.
Essa é uma razão pela qual o movimento pelo casamento de pessoas do mesmo sexo, que usa a visibilidade online e offline como uma estratégia-chave, tem sido tão bem-sucedido – e também o motivo pelo qual governos autoritários tentam proibir as mídias sociais.
Durante os protestos no Parque Gezi, o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan chamou o Twitter e outras mídias sociais de uma “ameaça à sociedade”. Mais recentemente, o Parlamento turco aprovou uma lei aumentando muito a capacidade do governo de censurar conteúdo online e expandir a vigilância – e Erdogan disse que estudaria a possibilidade de bloquear o acesso ao Facebook e ao YouTube. É revelador também que uma das primeiras medidas do presidente russo, Vladimir Putin, antes de anexar a Crimeia, tenha sido fechar os sites de dissidentes na Rússia.
A mídia nas mãos de cidadãos pode abalar regimes. Torna muito mais difícil para os governantes manterem a legitimidade ao controlar a esfera pública. No entanto, os ativistas que fizeram um uso tão eficaz da tecnologia para mobilizar simpatizantes ainda precisam imaginar como converter essa energia num impacto mais poderoso. A questão não é simplesmente desafiar o poder, é mudá-lo.
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Zeynep Tufecki é socióloga