Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os tais metadados

Pergunte à turma da NSA sobre o que é possível aprender com os metadados de telefonia, caro leitor, e os agentes secretos lhe responderão: não muito. Metadados são aqueles que a Agência Nacional de Segurança recolhe sobre inúmeros cidadãos americanos e ainda mais estrangeiros. Para que números o indivíduo liga, com que frequência, quanto duram as ligações. As conversas de fato não são registradas, eles dizem. Só informações pontuais. Muitos questionam a NSA, afirmam que ali naquelas tabelas está muito de nossas vidas. Jonathan Mayer e Patrick Mutchler, estudantes da Universidade de Stanford, foram além. Provaram que, a partir dos metadados, é possível descobrir muito sobre todos nós. Dá para descobrir, até, se alguém pretende plantar drogas ou se fez um aborto recentemente.

Stanford, em Palo Alto, é o coração do Vale do Silício. De lá saíram os fundadores de Yahoo! e Google, os principais executivos de quase todas as empresas de tecnologia, além dos sonhadores em inúmeras startups. A relação entre privacidade e tecnologia é assunto corriqueiro no campus. E os dois estudantes tiveram um insight. Estimularam um grupo de voluntários a submeter-lhes, utilizando-se do programa MetaPhone para Android, os metadados de seus celulares. Colaboraram 546 pessoas que, em conjunto, discaram no prazo de alguns meses para 33.688 números distintos.

A primeira descoberta foi que, com simples buscas na internet, puderam identificar quem estava do outro lado de 18% dos números telefonados. A NSA evidentemente teria uma taxa de sucesso muito maior. Há quem ligue muito para bancos, outros para farmácias, uns tantos para partidos políticos ou organizações religiosas. Quem liga muito para igrejas em geral entrega ali sua religião. Religião talvez não seja segredo, mas está já ali bem próximo da informação privada.

Também talvez não exista segredo numa ligação para o dentista. No entanto, 6% das ligações feitas a profissionais da saúde tiveram por destino clínicas de disfunção sexual; 1% delas foi para oncologistas. Dentre os voluntários, um ligou repetidamente para os Alcoólicos Anônimos. Entre os destinatários de ligações estiveram clubes de striptease, advogados especializados em divórcio, uma farmácia canadense que contrabandeia remédios para os EUA e uma clínica especializada em doenças sexualmente transmissíveis. Inferências, até aqui, simples.

Informações de um universo pequeno

Certa manhã, uma moça ligou para a irmã, com quem conversou longamente. Dois dias depois, fez uma série de contatos telefônicos com o escritório local da Planned Parenthood, uma ONG americana que ajuda com abortos. Tornou a ligar para a mesma instituição duas semanas depois. E fez um último contato após um mês. Os estudantes não ligaram para esta voluntária para checar a história. Mas começaram a perceber, ali, o quanto o histórico de nossas ligações é capaz de revelar.

Um segundo voluntário ligou algumas vezes para uma loja especializada na venda de rifles semiautomáticos AR. Conversou, também, com o serviço de atendimento ao consumidor de um fabricante que produz tais armas. Outro conversou em sequência com grupos de apoio a pacientes de disfunções neurológicas, uma farmácia especializada e, no fim, contatou a linha de uma farmacêutica para venda de certo remédio destinado ao tratamento de esclerose múltipla.

O caso mais curioso foi outro. O sujeito procurou primeiro uma loja de materiais de construção. Depois um chaveiro. Aí o vendedor de equipamento para plantações hidropônicas. Sua última ligação: um comerciante de materiais ligados ao consumo de maconha. Ao que parece, ao menos o armário estará devidamente trancado.

Jonathan Mayer e Patrick Mutchler não tinham dúvidas de que, com metadados de ligações, seriam capazes de aprender muito sobre os hábitos das pessoas. Não esperavam, porém, aprender tanto. E, em suas mãos, tinham apenas as informações de um universo pequeno de voluntários. A NSA tem muito mais gente e não faz buscas apenas no Google.

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Pedro Doria, do Globo