Países de diversas partes do mundo já enfrentam crises climáticas mas não têm conseguido se adaptar às variações do clima, de modo a proteger suas populações. E é preciso agir rápido.
As conclusões são do Sumário para Formuladores de Políticas (SPM), do Relatório sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades às Mudanças Climáticas, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), apresentado no dia 31 de março em Yokohama, no Japão, e em seguida na terça-feira (1º de abril) na Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro.
O documento, com 44 páginas, é um resumo do relatório de cerca de mil páginas sobre impactos, adaptação e vulnerabilidades climáticas preparado pelo IPCC.
Único representante brasileiro a redigir a conclusão do documento e um dos 309 cientistas, de 70 países, que atuaram como coordenadores, autores, editores e revisores do relatório, com a ajuda de 436 cientistas contribuidores e 1.729 revisores especialistas, o climatologista José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explicou, em entrevista à Agência FAPESP, quais são as novidades do quinto relatório (AR5) do IPCC, em comparação com o quarto, o AR4, lançado em 2007.
Marengo, que falou durante o evento de lançamento do SPM no Rio de Janeiro, também detalhou por que os países têm tido dificuldade em definir e implementar políticas e medidas de mitigação e adaptação aos impactos das mudanças climáticas.
Quais são as principais novidades do relatório sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade do AR5 em relação ao AR4?
José Marengo – Temos um maior e melhor conhecimento sobre mais áreas geográficas e setores que poderão ser afetados pelas mudanças do clima em comparação com o AR4. Também temos novas informações, extraídas de novos estudos, e identificamos exemplos claros de adaptação às mudanças climáticas em países como o Brasil. A literatura revisada e utilizada no relatório também não foi somente em inglês. Revisamos artigos publicados depois do AR4 em espanhol, português, árabe, chinês e muitas outras línguas. Obviamente, são estudos sobre diferentes temas relacionados às mudanças climáticas, publicados em revistas internacionais que têm todo o rigor científico. O AR5 também contém muito mais detalhes regionais do que o anterior. No AR4 algumas áreas não eram tão claras em termos de estudos, como América Central, por exemplo, ou partes da África e do Sudeste da Ásia. Agora, essas lacunas já foram preenchidas com um maior número de estudos publicados.
Quais as principais projeções de mudanças climáticas feitas no relatório para as Américas do Sul e Central?
J.M. – As questões que foram identificadas como mais importantes para a América do Sul foram água, produção de alimentos e saúde. A água realmente tem uma importância grande na região e o aumento das chuvas intensas, em algumas regiões, e de secas em outras tem gerado maiores problemas para os países em desenvolvimento. Já se observam tendências significativas na precipitação e na temperatura na América Central e do Sul e, em alguns casos, extremos climáticos também têm afetado as duas regiões.
Quais são os principais problemas decorrentes das mudanças climáticas que o Brasil enfrenta ou deve enfrentar nos próximos anos?
J.M. – Os problemas do Brasil também são basicamente segurança hídrica, segurança energética e segurança alimentar. Nos últimos anos, o país tem experimentado secas e enchentes em grandes áreas. A seca que ocorre no Nordeste atualmente afeta a segurança hídrica e alimentar da região. Por outro lado, esses fenômenos ajudam a compreender a magnitude do problema da variabilidade do clima e que ela pode aumentar no futuro.
Por que os países têm dificuldade em implementar políticas de mitigação e adaptação aos impactos das mudanças climáticas?
J.M. – A mitigação, muitas vezes, vai na contramão do desenvolvimento. Geralmente, quando os países começam a crescer passam a consumir muito combustível fóssil e emitir mais gases de efeito estufa. Já a adaptação é algo que custa caro. O IPCC fornece as bases científicas para os países fazerem adaptação, mas as negociações sobre quem vai pagar a conta e se será preciso ter um fundo internacional de adaptação são coisas que competem às esferas políticas e às conferências das partes. O IPCC não define isso. O IPCC só dá as bases científicas e estabelece a necessidade de adaptação. Como essa adaptação será feita ou implementada são questões que devem ser tratadas pelos governos.
A ênfase em adaptação no relatório não diminui o peso e a importância da mitigação?
J.M. – A mitigação e a adaptação correm de forma paralela. A mitigação é a solução final para poder reduzir o aquecimento. A projeção do relatório é de que o aquecimento global poderá ficar entre 2 ºC e 4 ºC em 2100. Só que, para chegar a um aquecimento de 2 ºC, teríamos de ter todo um sistema de mitigação e, basicamente, zero emissão de gases de efeito estufa a partir de 2040. Com isso, o aquecimento poderia chegar a menos de 2 ºC e os impactos, a vulnerabilidade e os riscos seriam menores, e também seria possível fazer adaptação. Mas, sem mitigação, o aquecimento pode chegar a 4 ºC ou mais em 2100. Neste caso, não tem adaptação que reverta os riscos. Ou seja, a mitigação é o ponto principal e sem ela não será possível fazer adaptação nenhuma. O aquecimento, sem mitigação, será tão forte e os impactos tão graves que realmente as mudanças se tornariam irreversíveis.
Os países das Américas do Sul e Central estão mais atrasados em relação às nações mais desenvolvidas para definir e implementar políticas e medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas?
J.M. – Em termos de mitigação, o Brasil assumiu a liderança por muito tempo. A questão dos créditos de carbono e o desenvolvimento limpo, por exemplo, nasceram basicamente aqui. Mas os outros países das Américas do Sul e Central não têm trabalhado muito nisso. Por outro lado, a adaptação tem sido recém-iniciada no Brasil. A Argentina já tem uma certa experiência em adaptação porque há problema de elevação do nível do mar na província de Buenos Aires. O Brasil, por sua vez, começa a elaborar o Plano Nacional de Adaptação, por meio do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e está estabelecendo quais são suas necessidades, porque adaptação depende do lugar e do contexto onde será implementada e por isso é específica para cada país e setor. As estratégias de adaptação para a agricultura no Brasil serão, com certeza, diferentes das adotadas por países como a Índia e o país já começou a implementá-las por meio do desenvolvimento de variedades de plantas melhoradas, mais resistentes a secas e enchentes, por exemplo. Mas realmente existe uma certa diferença no desenvolvimento da adaptação e mitigação nos países.
A pobreza e a desigualdade social dos países das América do Sul e Central, somadas aos impactos das mudanças climáticas projetados para as duas regiões, são uma combinação desastrosa?
J.M. – Sim, mas pode ser atenuada com planejamento, porque os riscos climáticos têm dois componentes: um ambiental e outro não ambiental. No caso da saúde, por exemplo, as mudanças no clima podem facilitar a difusão de doenças transmitidas por insetos vetores, como a dengue e a malária. Mas, se os países tiverem sistemas adequados de vacinação, controle e monitoramento de doenças, talvez os impactos das mudanças climáticas nessa questão possam ser atenuados. Os desastres naturais, por sua vez, têm um deflagrador climático, mas também estão relacionados com questões que não têm nenhuma relação com o clima. Os deslizamentos de terra, por exemplo, são causados por chuvas intensas, mas se as pessoas não estivessem morando em áreas de risco não seriam afetadas. E quem define isso não é o clima.
Os países estão mais sensíveis e conscientes dos impactos climáticos que podem sofrer?
J.M. – Eu diria que sim. Na reunião em Yokohama havia os cientistas, autores do relatório, e delegados representantes de todos os países do mundo. E eles continuamente manifestavam a preocupação com a elevação do nível do mar nas Filipinas e nas pequenas ilhas do Pacífico, com a maior ocorrência de furacões na Costa Rica e com o derretimento das geleiras andinas na Bolívia, por exemplo. Pela minha percepção, o fator clima passou a ser muito importante. Pelos comentários e declarações que ouvi em Yokohama, acho que as mudanças climáticas já entraram pelo menos na agenda ambiental dos países. Temos de pensar que os eventos climáticos extremos podem ser mais frequentes e talvez a forma como o governo, não só no Brasil, mas no mundo, enfrenta o problema deve ser repensada, porque são problemas que podem durar 20, 30 anos. Eu diria que a experiência mostra que a adaptação é algo que tem de ser pensado no longo prazo, não de um ano para o outro, mas em décadas.
Qual o recado que o Sumário para Formuladores de Políticas dá para os tomadores de decisão?
J.M. – O principal recado é que já chegou o tempo de agir e não dá para esperar mais. Se nada for feito nas próximas duas décadas, poderá não ser mais possível fazer adaptação. Os riscos dos impactos das mudanças climáticas são como uma doença, que se for diagnosticada e tratada no começo é possível, em alguns casos, até curá-la. Mas se for diagnosticada e tratada no estágio final, ainda que se tenha todos os recursos, se ela estiver fora de controle não há mais como tratá-la e curá-la. Não há como combater as mudanças climáticas, porque o aquecimento vai continuar. Mas é possível ao menos atenuar seus efeitos.
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Elton Alisson é repórter da Agência Fapesp