Em entrevista que se alongou por três horas e vinte e oito minutos, o ex-presidente Lula trouxe de volta o seu velho grito de guerra: “A imprensa precisa ser regulada porque distorce e deforma”.
Errou na forma, errou no conteúdo: nenhum político concede entrevistas tão extensas, mesmo para um público tão afim. A enxurrada foi excessiva, confundiu não apenas ouvintes, e ouvintes dos ouvintes, como a si mesmo. Ao cobrar da sucessora ações capazes de melhorar o estado de espírito da sociedade com relação à economia, Lula mostrou que ele também é consumidor da “massa feroz de informações deformadas” divulgada pela imprensa (nacional e internacional) no tocante ao estado das nossas finanças.
Induzido pela imagem descontraída que se tem dos blogueiros, Lula apelou para imprecisões, dubiedades, ambiguidades e metáforas incompletas. Ao dizer que no caso da CPI da Petrobras o PT “tem que ir para cima”, imaginou que estava sendo claro. Ao contrário, foi rigorosamente confuso e contraditório. Prova disso é divergência entre a interpretação do editor de política da Folha de S.Paulo (na edição de quarta-feira, 9/4), oposta à da ombudsman Suzana Singer no domingo seguinte (ver “‘Massa feroz de informações deformadas’”).
Tempo perdido
O ex-presidente Lula é um prodígio em matéria de comunicação, mas precisaria de uma reciclagem ou dar-se conta de que alguns dos seus recursos e truques começam a ficar manjados: acuado pelas realidades, Lula desaperta em cima da mídia. Está ficando claro que suas invectivas contra a imprensa são reações às agruras por que passa. Isso é péssimo, considerando a imperiosa necessidade de um debate sério, constante, competente e responsável a respeito da questão.
O “Caso Pasadena” não é uma invenção da mídia “feroz e deformadora”. O estarrecedor conjunto de revelações não resultou de um vídeo, espionagem, arapongagem ou contrabando informativo (como aconteceu com outros triunfos do jornalismo dito investigativo).
Grande parte do que tem sido publicado a respeito da incursão da Petrobras nos EUA foi produzido por meio de diligências legítimas das autoridades competentes ou oriundas de depoimentos das figuras envolvidas. E também pela absoluta candidez das presidentes Dilma Rousseff e Graça Foster no trato do assunto.
Este argumento, data venia,é o que o presidente Lula deveria ter utilizado na entrevista para explicar a inutilidade de uma CPI. Se o Executivo não está impedindo a apuração dos fatos, não há razão para apelar a outro poder em plena temporada eleitoral. No caso de Pasadena, a imprensa comporta-se cautelosamente.
O que nos leva à questão crucial: a regulação (ou autorregulação) da mídia deve fazer parte da agenda nacional. É uma questão permanente, não pode ficar sujeita aos humores ocasionais da disputa política. Ou brandida como ameaça quando o governo perde a iniciativa ou está em desvantagem. A tática banaliza e afeta a própria legitimidade do debate sobre a mídia.
Tomado pela simpatia do auditório Lula esqueceu que a sua crítica ao tempo perdido na aprovação de um marco regulatório da mídia atinge pessoalmente a presidente Dilma que, mesmo antes de empossada, já se manifestara contrária a qualquer estresse nas relações governo-imprensa.
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A fala de Barbosa
Na mesma terça-feira (8/4) em que o presidente Lula se reunia com os blogueiros para a sua catilinária contra a mídia “feroz”, os jornalões publicaram modestos resumos da fala de outro presidente, Joaquim Barbosa, chefe do Poder Judiciário, no seminário “A Liberdade de Expressão e o Poder Judiciário”, organizado pela Unesco, OEA, ONU e Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Tribunal de Justiça do Rio (7-8/4).
O magistrado fez uma ousada colocação ao afirmar que “a liberdade de expressão não é um valor absoluto” (ver aqui). Contrariou, e frontalmente, os conceitos expressos pelas corporações e entidades empresariais da mídia (que não ainda não entenderam a ideia contida na Primeira Emenda da Constituição norte-americana) e para as quais a liberdade da expressão deve ser tabu, dogma protegido de qualquer questionamento ou relativização.
Na ocasião, Barbosa reafirmou suas críticas à falta de pluralismo no mundo audiovisual, incapaz de espelhar a diversidade da sociedade brasileira.
Se o ministro Barbosa insistir na tese de “valor relativo”, corre o risco de deixar o lugar de queridinho da mídia.