Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O ideólogo

“Comunicação é assim. Se você fala uma primeira vez e a pessoa não entende, é burra. Se fala a segunda e nada, ela continua burra. Na terceira vez, o burro é você”. Foi assim que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, na entrevista que deu a blogueiros, a condição de ideólogo da candidatura petista à sucessão presidencial.

Nas 3h38 em que falou, Lula dedicou-se a ensinar como se deve empacotar o Brasil para a grande feira de outubro. De fevereiro para cá, nas contas de um arguto escrutinador da cena eleitoral, a vantagem da presidente Dilma Rousseff sobre o senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador Eduardo Campos (PSB) reduziu-se em oito milhões de votos. Se governo, partido e blogueiros falam e não se fazem entender, burros não são os oito milhões.

Ainda não dá para saber se Lula é candidato. A entrevista deixou todas as portas abertas, inclusive aquela em que “se acontecer uma desgraça nesse país e Dilma não puder ser candidata”. Mas o que importa na entrevista não é o que nega ou fomenta em torno de sua candidatura, mas os alvos que definiu na disputa. Na definição de um dos blogueiros presentes, não importa se Lula é candidato. Ele já voltou.

Lula já dominava o grupo que comanda a campanha da reeleição. A caneta é de Dilma mas, com a posse de Ricardo Berzoini no Ministério das Relações Institucionais, Lula ampliou seu raio de intervenção no Palácio do Planalto. Agora, para todos os fins, assume a doutrinação. “Estou começando um novo momento”, disse o ex-presidente ao abrir os trabalhos.

Lições de mãe

Afinado com o novo momento de Lula, o partido distribuiu a entrevista, assistida ao vivo, segundo o instituto do ex-presidente, por 13 mil pessoas, para os diretórios locais. Estes foram orientados a divulgá-la em rádios, redes sociais e blogs regionais.

Como se dirigia a esta militância que o PT aposta ter na internet, Lula fez um longo e tardio desagravo a José Dirceu e apostou que a história ainda reescreverá o mensalão.

A ofensiva virtual baseia-se na pesquisa encomendada pela Presidência da República ao Ibope, que encontrou internautas em 47% da população brasileira, sendo 77% desses, jovens com menos de 25 anos. Um deles ruborizou ontem a presidente cobrando dela uma linguagem mais próxima dos jovens.

As conclusões desta pesquisa não escaparam à doutrinação do ex-presidente. Nela constata-se que o Facebook é acessado por seis em cada dez internautas, fatia três vezes maior que a soma da audiência dos sites noticiosos. De todos os meios de comunicação, porém, a internet é a menos confiável. Daí porque Lula se preocupou em pedir que os blogueiros não se limitassem à propaganda, explicando que ninguém acredita em quem só fala bem ou mal.

Quando um internauta do Complexo do Alemão lhe perguntou sobre os critérios para as obras inconclusas da comunidade, um dos blogueiros se apressou na desculpa alheia – “Tem que dizer que é de um rapaz de 18 anos” – mas Lula não lhe deu ouvidos e caprichou no pacote. Explicou que o PAC foi decidido em consulta a prefeitos e governadores, já que o governo federal não podia descer às minúcias de cada comunidade. Sobrou para Eduardo Paes e Sérgio Cabral, que têm estreitado as relações com Dilma: “Não sei como foi feito no Rio, mas muitas cidades fizeram”.

A propaganda de que tratou Lula não era unicamente aquela destinada ao consumo público. O ex-presidente também parecia preocupado com o isolamento da sucessora e com a propaganda que um circuito estreito de assessores faz chegar aos seus ouvidos a pretexto de informá-la.

É isso que pode explicar sua declaração de que se sente mais bem informado hoje do que quando ocupava o poder. O ex-chefe de SNI, Coaf, Receita Federal e IBGE disse que se informa melhor hoje tanto pelos meios que acessa quanto pelas pessoas com quem conversa – “Recebo hoje mais gente do que quando era presidente”. Parece também ter-se tornado um ávido consumidor de pesquisas de opinião – “Já disse a Dilma que temos que olhar nas pesquisas a percepção da sociedade”.

Lula falou muito mais dos 11 anos do PT no poder do que do governo Dilma. Seu maior elogio à sucessora foi pelo discurso feito na ONU contra a espionagem americana. Louvou antes suas virtudes que seu desempenho. Repetiu, àquela plateia, história que tem contado em circuitos estreitos e masculinos de investidores. “É um privilégio para o país ter uma pessoa como a Dilma. É dura como toda mulher. Acha que uma mulher pode ficar se arreganhando como o homem? É a mulher tendo sucesso num lugar que era para homem. Alguém já imaginou a Ângela Merkel contando piada?”

O ideólogo do PT que projetou Antonio Palocci e Henrique Meirelles na condução da política econômica de seu governo confia mais nos ensinamentos de sua mãe do que naqueles da atual cúpula do governo. “Você nunca pode gastar mais do que tem. Não aprendi essa lição com Guido ou Mercadante. Aprendi com D. Lindu”.

À vontade

Não se ouviu o nome de Aécio Neves, mas Eduardo Campos mereceu longa peroração onde Lula deixou as digitais da linha a ser adotada pelo PT em relação a sua candidatura. “Tenho uma belíssima relação com Eduardo. Sou agradecido por tudo o que ele contribuiu com meu governo. Ele deve ser agradecido pelo que fiz. Lamentei que ele tenha se afastado da base. Só ele e o tempo poderão explicar. Na hora em que rompeu com o PT não deu sinal de ir para a esquerda. Só para a direita. A Marina eu entendo. Convivi com ela e com a Dilma e conheço suas divergências, mas Eduardo não compreendo”.

Deixou uma avenida aberta para o PT bater numa candidatura que pisa em ovos na relação com Lula. Se o governador é grato, ele, Lula, ainda não sabe. Há compromissos entre eles que nunca foram estabelecidos, por exemplo, com Marina. Sugere uma traição que ultrapassa o lado em que ambos se situam na política.

Lula chegou ao final da entrevista à vontade no seu papel de ideólogo que aprendeu mais com a direita. Repudiou o veto às máscaras no país do Carnaval e saudou as manifestações que se avizinham com a Copa – “Trabalhador que se contenta com o que recebe não merece o que tem”. A frase não é de Lênin, explicou, mas do ministro do Trabalho do governo Médici, Júlio Barata.

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Maria Cristina Fernandes é editora de Política do Valor Econômico