Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Registro de um retrocesso

O que mais impactou empresários que nutrem simpatia pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e compartilham do coro “Volta Lula” na entrevista que ele deu para um grupo de blogueiros que apoiam o governo, na terça feira [8/4], foi a forma dura e insistente com que o ex-presidente defendeu o controle da imprensa. “Perdemos um tempo precioso e não fizemos o marco regulatório da comunicação nesse país”, disse Lula. “Temos que retomar com muita força essa questão da regulação dos meios de comunicação do país. O tratamento à Dilma é de falta de respeito e de compromisso com a verdade”, completou, deixando claro que advoga a censura de conteúdo.

A perplexidade pode ser conferida em uma reunião habitual na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no dia seguinte à entrevista. Segundo relato de um dos presentes, “a entrevista causou mal-estar”. Até então se imaginava que a discussão sobre instrumentos de controle da mídia fosse somente uma proposta de um ou dois assessores do ex-presidente. “Mas não, é do Lula!”, disse.

No Congresso, o divulgador da ideia que agora passou a ser vista como uma medida de força que conta com o apoio do ex-presidente, era o deputado André Vargas (PT-PR) que, por força de denúncia de corrupção, renunciou ao cargo de vice-presidente da Câmara.

“Massacre apoteótico”

Não foi só pelo ataque frontal que o ex-presidente fez à mídia que a entrevista “assustou”, mas também pelo fato de que Lula “mostrou que fechou os olhos: não há Petrobras e não houve o mensalão”, comentou a fonte.

Na tentativa de compreender os reais motivos que o estimularam a subir o tom da defesa do controle do que é divulgado pela meios de comunicação, concluiu-se que pode ter sido um “erro grosseiro” do ex-presidente que, no entanto, é capaz de criar uma resistência não desprezível “junto a pessoas que estão com ele”.

Não é segredo que parte do setor privado é contra a reeleição de Dilma Rousseff e torce para que Lula se coloque como candidato ao Palácio do Planalto este ano.

Logo no início da entrevista de mais de três horas aos blogueiros, ele disse: “Acho que os meios de comunicação no Brasil pioraram do ponto de vista da liberdade, do ponto de vista da neutralidade e agora que vocês [os blogs] tão fortemente conquistaram a neutralidade da internet, têm que começar a campanha para conquistar a neutralidade dos meios de comunicação para eles pelo menos serem verdadeiros. Podem ser contra ou a favor, mas que a verdade prevaleça.”

Como exemplo de supostas inverdades, o ex-presidente citou: “Vejo alguns números colocados por pessoas da Petrobras e os números colocados pela imprensa e eles não batem entre si”, referindo-se aos dados divulgados sobre a compra da refinaria de Pasadena, no Texas, em uma operação muito controversa e obscura da estatal brasileira. ““Estamos sendo conduzidos por uma massa feroz de informações deformadas”, acusou o ex-presidente.

No decorrer da entrevista ele voltou ao tema e aumentou os decibéis. “No fundo, no fundo, e vocês todos são pessoas informadas, a imprensa construiu quase que o resultado desse julgamento [do mensalão]. Eu me pergunto como é possível uma CPI que começou investigando o desvio de R$ 3 mil em uma empresa pública [os Correios ], que era dirigida pelo PMDB e que investigava um cara do PTB, terminou no PT? É indescritível!”

Alguns minutos depois, retomou o assunto: “Espero que a história do mensalão seja recontada nesse país e, se eu puder, vou ajudar a reconta-la. Como uma CPI que começou por causa de R$ 3 mil nos Correios terminou no mensalão? Temos que mostrar qual foi o papel da imprensa!” Antes de encerrar, disse: “O mensalão foi o mais forte processo político desse país em que a imprensa teve papel de condenação explícita antes de cada sessão, de cada ato.” E concluiu: “Nunca vi nada igual! O massacre era apoteótico!”

Dilma Rousseff, tão logo assumiu a Presidência, em janeiro de 2011, deixou claro que não apoiaria a ideia de um março regulatório da mídia que assessores do ex-presidente deixaram como herança para o novo governo. Dilma foi firme ao negar seu apoio à proposta: “Devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio das ditaduras.”

Produto da imprensa

As críticas à condução da economia que os meios de comunicação veiculam também seriam, em boa parte, fruto de “notícias deformadas”, na visão de Lula. Ele contou que em 2007, em um encontro com Mário Soares, ouviu deste que não estava entendendo o que estava acontecendo no Brasil. Com uma pilha de jornais e revistas do exterior debaixo do braço, o ex-presidente de Portugal disse: “Os jornais do mundo dizem que o Brasil é coqueluche, um país extraordinário, e nos jornais brasileiros vejo que o país está acabado!”

Lula convocou Dilma e todos os ministros a partirem para a ofensiva, irem para cima. “Hoje a gente não está só, a gente tem a internet. Cadê o blog da Petrobras que foi tão importante na CPI de 2009?” Ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que deu um conselho: “Guido, você tem que ter uma equipe de alerta. Saiu uma mentira, você tem que falar, usar o direito de resposta.” Ele ressaltou alguns bons indicadores econômicos do país – reservas cambiais, a dívida líquida e bruta que diz não serem altas, o aumento da classe média, o crescimento que não é tão ruim. Mas, nesse caso, admitiu: “Poderíamos estar melhor e a Dilma vai ter que dizer isso na campanha, como é que a gente vai melhorar a economia.”

Se o ex-presidente pretendeu colocar um freio de arrumação no governo e na campanha de Dilma, os excessos do seu discurso vistos até por alguns de seus colaboradores pode ter fragilizado sua intervenção.

O fato de ele dizer que “a Dilma é minha candidata” pesou pouco para os que estão convencidos de que ela pode perder a reeleição e não vislumbram saída para Lula senão lançar-se em sua própria campanha. Para uma fatia de representantes do setor privado que o apoia, a entrevista de Lula aos blogueiros teria mostrado o retrocesso de um personagem que despertou para a política e para a história impulsionado pela cobertura da imprensa e por mais de uma vez se considerou “um produto da imprensa”.

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Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação do Valor Econômico