Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Corrupção e democracia: apontamentos

Semanas atrás (7/4/2014), o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) publicou um artigo na CartaCapital intitulado “A corrupção é um sistema“. Em linhas gerais, ele delineia as razões pelas quais a corrupção ocorre em nosso país e explica o porquê da indignação parcial e seletiva dos setores interessados na “denúncia da semana” não conseguir nem arranhar o problema da corrupção. Apesar de considerar que o artigo levanta pontos interessantes, compreendo que o exame seja, senão equivocado, talvez um pouco apressado, e tentarei, aqui, demonstrar a razão disso e oferecer uma leitura alternativa.

Para Jean Wyllys, “a corrupção é um componente inevitável de um sistema de governo em que as campanhas são financiadas por bancos, empreiteiras, empresários do agronegócio, igrejas fundamentalistas milionárias e todo tipo de lobistas; a governabilidade se garante comprando votos no Congresso”. Bom, é importante que se diga que isso não está exatamente incorreto. O problema, do meu ponto de vista, é o tom de “caso brasileiro” dessa afirmação. Ao contrário do que outras pequisas sobre os níveis de corrupção percebida podem fazer parecer, o Brasil e América Latina se saem apenas marginalmente pior do que o resto do mundo no index do Banco Mundial. E no que se refere às dinâmicas causais da corrupção em relação ao resto do mundo, também não há diferença significativa (THACKER, 2009: 41-45). Logo, não estamos, ao que parece, umbilicalmente ligados à corrupção como a análise de Jean Wyllis insinua.

Ainda para ele, “a corrupção acompanhou a aliança com o poder financeiro e o agronegócio; veio junto com submissão ao fundamentalismo religioso […] e não foi uma degradação moral, mas uma renúncia ideológica e programática”. Não parece haver nenhuma base para afirmar que a corrupção adveio desses eventos específicos (TAYLOR, 2009: 156-158), a não ser que a entendamos e localizemos no governo federal petista, desde Lula.

Participação mais ampla

Ainda assim, parece uma liberdade analítica muito grande compreender esses fatores como causas da corrupção n(d)o governo petista e desconsiderar o arcabouço institucional que proporciona incentivos para a corrupção (especialmente o sistema multipartidário mais fragmentado do mundo, com um sistema de representação proporcional de lista aberta que fortalece candidatos no nível local e torna difícil estabelecer coalizões confiáveis e estáveis), e os erros de cálculo político do próprio Partido dos Trabalhadores ao construir a coalizão que formou o governo no primeiro mandato de Lula (PEREIRA et al, 2011: 35;52). O próprio Jean Willys aponta essas questões estruturais (“Por isso, de nada adianta fazer da corrupção um problema apenas moral se não fizermos mudanças estruturais; se não mudarmos as regras do jogo”), mas não sabe ou não quis dizer o que seria mudar as regras do jogo, ou quais seriam essas questões. Seu texto prefere focar nos jogos de interesse e poder da política partidária.

Ademais, a partir da análise de um período maior, a literatura sobre a questão demonstra que o enraizamento histórico da democracia está relacionado com a diminuição da corrupção (TAYLOR, 2009). Em democracias jovens, como a nossa, em que os mecanismos institucionais de controle ainda estão em formação e aperfeiçoamento, os ganhos imediatos de acordos espúrios são muito maiores em comparação com uma democracia mais longeva, em que ações como essa, muitas vezes, significam suicídio político.

Por fim, outras pesquisas apontam para um problema de cultura política, e suscita a possibilidade de leniência da sociedade em relação à corrupção (MORRIS e BLAKE, 2009: 8-9). As razões são várias, mas considero importante pensar nos efeitos. Salvo engano das fontes, o que se perde em corrupção anualmente gira em torno de R$ 50,8 bilhões a R$ 84,5 bilhões por ano. Em sonegação de impostos, R$ 415 bilhões. O que isso significa? Somos culpados pela corrupção do governo? Longe disso. Significa apenas que, como sujeitos políticos, não podemos nos eximir da responsabilidade em relação a nossas próprias ações se queremos exercer controle efetivo sobre as instituições representativas. Uma sociedade civil forte enseja maior consciência sobre a nossa participação e os efeitos das nossas ações sobre nossa organização social. Significa ainda maior poder de pressão organizado e menor incentivo à práticas deletérias como essas. A despeito dos movimentos sociais brasileiros e das recentes práticas participativas democráticas, pode-se dizer que, para boa parte dos cidadãos da nossa democracia, começamos, em junho do ano passado, a esboçar esse conceito de participação de forma mais ampla. Quem sabe isto seja um alento para quem acredita na ideia de democracia como valor universal, contraposto fundamental à corrupção como sistema.

Referências

MORRIS, STEPHEN D. & BLAKE, CHARLES H.. Political and Analytical Challenges of Corruption in Latin America. In: BLAKE, CHARLES H. & MORRIS, STEPHEN D. (org.). Corruption and Democracy in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2009.

PEREIRA, Carlos; RENNÓ, Lúcio R. & SAMUELS, David J.. Corruption, Campaign Finance, and Reelection. In: POWER, Timothy J. & TAYLOR, Matthew M.. Corruption and Democracy in Brazil:The Struggle for Accountability. Notre Dame: University of Notre Dame, 2011.

POGREBINSCHI, Thamy & SANTOS, Fabiano. Participação como representação: o impacto das conferências nacionais de políticas públicas no Congresso Nacional. Dados,Rio de Janeiro, v. 54, 2011.

TAYLOR, Matthew M.. Corruption, Accountability Reforms, and Democracy in Brazil. In: BLAKE, CHARLES H. & MORRIS, STEPHEN D. (org.). Corruption and Democracy in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2009.

THACKER, STROM D. Democracy, Economic Policy, and Political Corruption in Comparative Perspective. In: BLAKE, CHARLES H. & MORRIS, STEPHEN D. (org.). Corruption and Democracy in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2009.

SEN, Amartya. Democracy as a Universal Value. Journal of Democracy, vol. 10.3, 1999.

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Arthur Germano Santos é historiador