Com a aprovação da lei que derruba o veto a biografias sem autorização prévia de retratados ou de seus herdeiros, a publicação do livro Roberto Carlos em Detalhes, de Paulo César de Araújo, proibido há sete anos, volta a ser negociada entre os advogados do músico e o autor.
Minhas Lembranças de Leminski, de Domingos Pellegrini, sobre o poeta curitibano (1944-1989), foi publicado no mês passado, apesar de a família não ter autorizado a obra, como reflexo da iminência da mudança da lei.
Também um documentário sobre o escritor João Guimarães Rosa (1908-1967), vetado pela família dele, está mais perto de ocupar as salas de cinema, segundo suas diretoras disseram à Folha.
Parentes de Leminski e Guimarães se dizem, agora, favoráveis à mudança na lei. Representantes de Roberto Carlos também concordam com a alteração, mas afirmam que ele não permitirá a publicação da biografia feita por Paulo César de Araújo.
Em 2007, após ações de Roberto na Justiça contra a editora e o autor, um acordo estabeleceu o recolhimento de 11 mil exemplares da obra e proibiu sua reedição. Hoje, Araújo espera a iniciativa do próprio Roberto para rever a decisão. “Ele cometeu um equívoco, ainda há chance de consertar isso”, afirma, citando declarações recentes do músico se dizendo a favor das biografias.
A hipótese, entretanto, é descartada pelo advogado de Roberto Carlos, Marco Antônio Campos. “O acordo é definitivo. Independentemente da lei, o livro não pode ser reeditado. A lei não é retroativa”, afirma.
Se for preciso, Araújo diz que voltará a recorrer à Justiça para fazer seu livro circular. “Será uma edição ampliada. Está tudo à mão.”
“Informações constroem a memória de um povo”
Toninho Vaz, autor de O Bandido que Sabia Latim, outra biografia não autorizada do poeta Paulo Leminski, foi abordado por uma produtora com proposta de adaptação do livro para o cinema. “A mudança na lei é sinal de que o filme vai pra frente.” Estrela Leminski, filha do poeta, diz estar de acordo com a alteração na lei.
Jason Tercio, biógrafo de Mario de Andrade (1893-1945), afirma que seu trabalho estará pronto no final do ano, e que, se a lei não estiver sancionada até lá, vai procurar editor fora do Brasil.
“No ano passado fiquei desanimado e até interrompi o trabalho, mas no começo deste ano retomei o livro, porque não podemos nos intimidar com leis retrógradas e herdeiros com mentalidade moralista e preconceituosa”, diz.
Tercio ainda não tem editora para seu livro, que está proibido antes mesmo de ser publicado. O sobrinho do poeta paulista enviou ao biógrafo um e-mail dizendo não achar necessária a publicação da obra. O representante da família não respondeu aos e-mails enviados pela Folha.
Já o documentário sobre o escritor João Guimarães Rosa vem sendo veiculado só em festivais de cinema e universidades. Outro Sertão não estreou nos cinemas porque as diretoras, Adriana Jacobsen e Soraia Vilela, não obtiveram autorização das herdeiras do autor. De olho na mudança da legislação sobre biografias, as autoras já entraram em contato com distribuidoras.
“Informações constroem a memória coletiva de um povo. Deixar a seleção disso a cargo de um ou outro parente é uma postura absurda”, afirma Vilela. “Vamos continuar lutando para exibir o filme em todos os lugares onde as pessoas queiram conhecer a história de Guimarães Rosa”, diz Jacobsen.
Vilma Guimarães Rosa, filha do escritor, diz achar o projeto de lei “razoável” e avisa que não pretende entrar na Justiça contra as autoras de Outro Sertão, a não ser que haja mentira no filme.
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Roberto vetou textos e fotos com bebida em sua fotobiografia
No único livro biográfico que autorizou na vida, Roberto Carlos proibiu fotos em que aparecessem bebidas alcoólicas e quaisquer textos, a não ser versos de canções.
Trata-se de um livro de fotos que leva seu nome e custa R$ 4.500. É uma edição de luxo para colecionadores, impressa na Itália e com tiragem limitada a 3.000 exemplares.
Roberto Carlos estava previsto para sair em 2009. Mas o “detalhismo” do cantor, como definem os editores do livro, adiou o lançamento da obra em cinco anos. Segundo Carlos Ribeiro e Pedro Sirotsky, da editora Toriba, aconteceu muitas vezes de o cantor escolher uma foto e, meses depois, mudar de ideia. O músico era quem sofria mais com isso, segundo seu empresário, Dody Sirena.
Durante os encontros, entre maio de 2009 e o final de 2013, Roberto analisou o contraste das fotos, vetou as que lhe desagradavam e falou abertamente com os editores sobre seu transtorno obsessivo-compulsivo, o TOC.
Algumas exigências do cantor têm a ver com isso. “É coisa do TOC. O rosto não pode ficar no meio de duas páginas contínuas, a foto não pode ser invertida. São regras que ele segue”, diz Dody.
“Um dia ele disse: ‘Olha, queria que vocês entendessem uma coisa. Eu tenho TOC. Eu precisava ter livre uns 30 dias para me dedicar só ao livro. E eu não tenho esse tempo’”, lembra Sirotsky.
A segunda “biografia autorizada”
As cores roxo e marrom ficaram de fora da obra. De 4.000 fotos levantadas pela editora, entraram cerca de 300 – a maioria do rei sozinho, no palco.
Ele descartou fotos em que seu rosto aparecia pela metade. Sobre o veto a bebidas, Dody diz que é porque ele “não tem hábito de beber”.
Textos, nem pensar. Só versos de canções. “O Dody dizia: ‘O livro não pode ter texto. Se mexer com palavras, é mais complicado ainda. Nem texto de apresentação ele vai liberar’”, conta Ribeiro.
Dody diz ter tido a preocupação de que não houvesse nada que tirasse impacto da biografia que está sendo preparada por Roberto Carlos.
Em fevereiro, o músico anunciou que já registrou, falando num gravador, memórias de 25 anos de sua vida. As gravações de suas reminiscências serão entregues a uma equipe. O resultado será a segunda “biografia autorizada” de Roberto: uma autobiografia.
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Juliana Gragnani, da Folha de S.Paulo