Veiculados na quinta-feira (15/5), os comerciais do PT inauguram, de forma efetiva, a guerra do marketing eleitoral que deve caracterizar uma campanha das mais acirradas. Exibidos em um momento de crise na candidatura governista, cujo favoritismo vê-se ameaçado pela queda na intenção de votos, as peças publicitárias apostam na estratégia de difundir o medo do retrocesso através da contraposição entre um presente idílico, de comercial de margarina, e um passado de penúria, com a era tucana representada com alusões a um clássico filme de vampiros do expressionismo alemão.
O tom dos comerciais diverge da estratégia característica do marketing petista desde a corrida presidencial de 2002, baseada na premissa, atestada em pesquisas, de que o brasileiro não gosta de campanhas agressivas ou difamatórias (como eventualmente soavam, até então, as do próprio PT ). “A esperança venceu o medo” e “Lulinha Paz e Amor” são, mais do que truísmos, achados publicitários a resumirem tal correção de rumo – a qual resultaria, seguidas vezes, vitoriosa.
Reação dos opositores
A reação dos candidatos opositores foi imediata: Eduardo Campos (PSB/PE) afirmou que “a ideia de incutir o medo é uma proposta atrasada” e que está preparado para o “jogo pesado” da campanha, do qual a agressividade da campanha petista seria um indício.
Por sua vez, Aécio Neves (PSDB/MG) subiu o tom, afirmando ser “triste ver um partido que não se envergonha de assustar e ameaçar a população para tentar se manter no poder. Esse comercial é o retrato do que o PT se transformou e o espelho do fracasso de um governo que, após 12 anos de mandato, só tem a oferecer medo e insegurança porque perdeu a capacidade de gerar confiança e esperança”.
A cobertura da mídia
Já o tom de predominante surpresa com que a guinada no marketing petista foi recebida pela mídia tornou ainda mais evidente que, a despeito do papel primordial do marketing político nas eleições recentes e mesmo com o país na iminência de uma eleição presidencial que promete ser acirrada, o jornalismo político tem prestado pouca atenção a quem são os marqueteiros dos principais candidatos e quais suas estratégias e táticas.
Trata-se de grave omissão: afigura-se essencial ao aprimoramento da democracia e à elevação do nível dos embates políticos, nos dias atuais, não apenas a informação acerca de tal tema, mas o aprofundamento das análises a ele correlatas, além da denúncia tanto dos eventuais falseamentos no âmbito do conteúdo discursivo das campanhas quanto do teor de inautenticidade inerente à primazia do marketing no campo político.
Papel primordial
Pois há tempos o marketing político assumiu o primeiro plano nas campanhas eleitorais, tornando-se um ramo altamente rentável das Comunicações e influenciando decisivamente no quadro político. A transformação de políticos em produtos vendáveis, se dinamiza a economia e renova o repertório técnico e semiológico da publicidade, não se dá, por outro lado, sem danosos efeitos colaterais – talvez o maior deles o agravamento da escassez de programas políticos orientados por um norte ideológico. Em uma era marcada pela crise das ideologias, a programática dá lugar ao pragmático.
Assim, contemporâneo da globalização econômica, o marketing político praticado nas últimas décadas é transnacional: campanhas bem-sucedidas em um contexto ou país são copiadas e remodeladas para reaproveitamento em outros, muitas vezes em contextos muito diferentes entre si, o que vem a corroborar a primazia dos aspectos cosméticos sobre o conteúdo programático no atual modelo político-publicitário.
Estudos de caso
Devido a seu sucesso, tornaram-se case studies do marketing político as campanhas presidenciais de Bill Clinton em 1992, de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e de Barack Obama, em 2008. Elas têm em comum o êxito de conseguir fixar nos eleitores uma imagem, forte e positiva, de cada um dos candidatos, imagem esta que se provou capaz de tornar atraente candidatos relativamente pouco conhecidos (no caso dos norte-americanos) ou de neutralizar, ao menos temporariamente, aspectos negativos anteriormente “colados” aos postulantes.
No caso de Clinton, tal imagem pode ser reduzida na frase de efeito “é a economia, estúpido!”, que o estrategista da campanha James Carville imprimiu em letras garrafais, emoldurou e fez pendurar no ponto mais visível do principal escritório eleitoral do candidato do Arkansas. Ela, a um tempo, indicava o foco da campanha e colocava em segundo plano questões como experiência e projeção nacional, nas quais Clinton tenderia a levar a pior ante George Bush, pai. A frase aludia a uma lógica prioritária que viria a se confirmar decisiva: para os eleitores, seus próprios bolsos vazios eram, afinal, o principal problema a ser revertido.
Lula e Obama
Já em relação a Lula, o desafio era ainda maior, por implicar a reformulação de imagem de uma figura pública nacionalmente conhecida e que por décadas primara por um discurso um tanto áspero e por uma combatividade quase agressiva aos olhos de determinadas parcelas do eleitorado. Ao aparar sua antes desgrenhada barba, vesti-lo em ternos bem cortados e modular seu tom de voz e seu discurso, agora conciliador, o publicitário Duda Mendonça forjou o que o próprio candidato petista autodenominou “Lulinha Paz e Amor”: uma imagem que não só o tornou palatável a parcelas do eleitorado, mas foi por ele incorporada – com muito sucesso, reconheça-se – desde então.
Quanto a Obama, a exploração inteligente de dois fatores seria decisiva: o primeiro, a questão racial, com os signos de novidade e superação de preconceitos associados à eleição do primeiro presidente negro; o segundo, a otimização do recurso à internet, tanto para fins arrecadatórios quanto propriamente publicitários, neste caso particularmente em relação aos setores jovens. A campanha tornou-se icônica, assim, por somar a uma imagem facilmente identificável, associada a grandes mudanças – resumida no dístico “Yes, We Can” –, uma utilização até então inédita, na políticamainstream, de recursos interativos inerentes aos aplicativos e redes sociais da web 2.0 – aí incluída uma arrecadação de mais de US$ 500 milhões online. A estratégia, concebida pelonerd Ben Self, revelou-se inovadora e de grande apelo popular, e vem sendo copiada mundo afora desde então, embora sem o mesmo sucesso.
Avaliação administrativa
Como fica evidente, a imagem que tais campanhas afixaram, em cada um dos candidatos, para um público amplo e heterogêneo, era una e facilmente identificável, como pede a era das informações digitais: Clinton, o redentor da economia; Lula, o conciliador; Obama, a novidade. A contrapartida desse tipo de marketing político é que ele dificulta, ou mesmo se esforça por dispensar, a elaboração de um discurso político elaborado e programático acerca do que o candidato virá a fazer, de que modo e com quais recursos – o que, ao final das contas, será o que importa e o que afetará as vida dos cidadãos.
Ainda que, nos três casos, o marketing político continuasse ativo mesmo após os eleitos assumirem as respectivas presidências, sua eficácia ante o público a partir daí revelar-se-ia consideravelmente menor. Afinal, não se tratava mais de uma aposta idealizada em um candidato, sem possibilidade de checagem prévia, e sim da concretude da vida sob os efeitos das decisões administrativas que tais eleitos tomassem. Embora todos tenham conseguido se reeleger, a diferença entre os índices de aprovação de cada um ao deixarem a presidência – um quesito no qual o brasileiro se destaca – mostra-se um exemplo eloquente a corroborar tal diferença.
Novo tom petista
Voltando ao cenário das atuais eleições presidenciais em nosso país, o maior desafio para o marketing político, neste momento e em relação às eleições presidenciais, talvez seja o da candidatura Dilma Rousseff (PT), e não só porque, após quatro anos no poder, tanto suas qualidades quanto suas deficiências já são por demais conhecidas, mas por representar a continuidade do poder nas mãos de uma determinada força polÍtica por um longo período de tempo – 11 anos e 9 meses, na data da eleição –, o que talvez tenda a gerar uma certa “fadiga de material”. Para piorar ainda mais as coisas, seu governo atravessa o pior momento, em termos de aprovação popular.
Ainda é cedo para saber se a mudança de tom verificada nos comerciais da última semana veio para ficar ou não passou de um experimento. Em última análise, o que vai decidir isso é a reação qualitativa aos comerciais, auferida por pesquisas ora em processamento. Mesmo se pontual, ela representa uma mudança concreta de atitude por parte do marketing petista, que sai do tom apaziguador costumeiro para uma atitude desafiadora, de confronto. Decide correr o risco de soar agressivo e negativo junto ao eleitorado por ter a convicção de que, numa comparação item a item, sai-se indubitavelmente melhor do que o PSDB de FHC.
Resta saber em que medida a comparação com o passado tucano de 12 anos atrás pode influenciar o voto de uma população às voltas com problemas concretos que, em boa parte, tornaram-se evidentes no decorrer dos últimos dois anos – especialmente o dos referentes aos eleitores com menos de 26 anos, que eram crianças de 14 quando a Presidência de FHC acabou. Resta também constatar até que ponto as salvaguardas sociais exponencialmente ampliadas nos governos petistas – Bolsa Família à frente – têm efetivo poder de mobilização eleitoral.
O fator FHC
Seja como for, a jogada do marketing petista consiste, essencialmente, em reavivar a memória popular quanto à “herança maldita” de FHC, jogando-a no colo de Aécio. Nas três últimas eleições presidenciais, o ex-presidente foi “escondido” pelos postulantes tucanos, mas o ex-governador mineiro já deu mostras de querer reabilitá-lo, sob a alegação de que os governos petistas acabaram por adotar algumas das principais políticas que criticavam no governo que os precedeu – notadamente as privatizações e a manutenção do tripé neoliberal de controle da economia (formado por superávit primário, controle da inflação e dólar flutuante).
As respostas-padrão do marketing tucano, diversionistas, encontram-se virtualmente bloqueadas: o alegado “choque de gestão”, que já não se sustentaria ante o sofrível desempenho das áreas sociais em Minas Gerais, seria cabalmente desmentido pela alusão ao show de incompetência que levou ao esgotamento das fontes de água em São Paulo. E o hábito de citar escândalos petistas – “mensalão” à frente – para pespegar no adversário o rótulo de campeão da corrupção encontraria na menção ao escândalo do cartel do metrô de São Paulo uma resposta capaz de impor de antemão um cúmplice silêncio. Que alternativas adotará o marketing peessedebista?
O potencial de Campos
Para além de mais uma rodada no Fla-Flu entre petistas e tucanos que o embate Dilma versus Aécio representa, corre por fora a candidatura de Eduardo Campos. Estritamente do ponto de vista do marketing político, ele é o candidato com maior potencial. Em primeiro lugar por não ter sobre seus ombros nem o desgaste de 12 anos em seguida na Presidência, nem a responsabilidade pelo trauma da falência social que marcou o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Em segundo, por contar como vice com uma candidata que, sem grande estrutura de campanha, obteve 20 milhões de votos nas últimas eleições presidenciais. Em terceiro, por ter um histórico de ligação com o lulismo, mas sem estar envolvido na crise de governabilidade vivenciada por Dilma.
Somados à sua ótima aprovação no governo de Pernambuco e à mística de neto e herdeiro político de Miguel Arraes, tais quesitos permitiriam a um marqueteiro habilidoso “vendê-lo” como uma relativa novidade, particularmente a eleitores cansados do binarismo PT-PSDB e a setores jovens do eleitorado. Resta saber se sua campanha, na eventualidade de um crescimento efetivo das intenções de voto no candidato, teria condições de enfrentar o fogo mútuo com que as milionárias campanhas tucana e petista fatalmente lhe alvejariam.
Papel da mídia
Mas, para além do que o futuro nos reservar nas eleições presidenciais, seria essencial que a mídia dedicasse maior e mais rigorosa atenção à ação do marketing político na campanha, procurando explicitá-la, desvendá-la e desmistificá-la.
Sobretudo porque a omissão em relação ao que deveria ser uma cobertura crítica e desmistificadora da ação do marketing político corre com frequência o risco de degringolar para o endosso – intencional ou não – às estratégias e truques de um ou outro marqueteiro, num processo que penaliza não apenas o desejável tratamento igualitário a todos os candidatos, mas principalmente a democracia e a cidadania como um todo.
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Mauricio Caleiro é jornalista e doutor em Comunicação pela UFF; seu blog