Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

‘FT’: contas de Piketty estão erradas

Transformado em “superstar” da economia após a publicação de seu estudo sobre o aumento da desigualdade, “Capital no século 21”, o economista francês Thomas Piketty está na berlinda. Uma reportagem do “Financial Times” aponta que a tese de 577 páginas de Piketty contém “uma série de erros que afeta suas descobertas”.

O “FT” afirma ter descoberto no trabalho do francês “erros e dados inexplicados em suas planilhas, similares às que enfraqueceram o trabalho sobre dívida pública e crescimento de Carmen Reinhart Kenneth e do ex-secretário de Tesouro americano Kenneth Rogoff”.

O argumento fundamental do livro de Piketty, que tem estado no topo das listas de best-sellers, é de que a imensa maioria da riqueza mundial está nas mãos de poucos e que desigualdade mundial voltou aos níveis encontrados antes da Primeira Guerra.

No blog “Money Supply”, o editor de economia Chris Giles conta como começou a cavucar os números que fundamentam “O capital no século XXI”: estava escrevendo um artigo sobre distribuição de renda no Reino Unido quando notou uma série de discrepâncias entre a concentração de renda contemporânea descrita no livro de Piketty e os dados registrados nas estatísticas oficiais do país.

O professor Piketty citou um número mostrando que os 10% mais ricos do Reino Unido mantinham 71% da riqueza nacional. A última Pesquisa de Patrimônio e Ativos do Escritório Nacional de Estatísticas coloca o número em apenas 44%.”

A diferença impeliu Giles a mergulhar nas fontes de Piketty. “Descobri que suas estimativas de desigualdade de renda – o epicentro de ‘O capital no século XXI’ – são permeadas por uma série de problemas e erros”, afirma. “Alguns números parecem ter sido construídos de vento”.

Conforme o jornalista, a revisão dos dados derruba dois dos principais argumentos do francês: a desigualdade aumentou nos últimos 30 anos e os EUA têm distribuição de riqueza mais desigual que a Europa.

“Sem estes resultados, seria impossível afirmar, como Piketty faz em sua conclusão, que a contradição central do capitalismo é a tendência de a riqueza se concentrar mais nas mãos dos ricos.”

O outro lado

Piketty argumentou, porém, que usou “um conjunto muito diverso e heterogêneo de fontes de dados” e que foram necessários “ajustes”. Ele brincou que ficou feliz de ver que os jornalistas usarem as planilhas que ele colocou on-line à disposição dos interessados, mas que precisa lidar com os dados disponíveis.

– Não tenho dúvidas de que minha série histórica de dados pode ser aprimorada e vai ser aprimorada no futuro… mas eu ficaria bastante surpreso de qualquer conclusão substantiva sobre a evolução no longo prazo da distribuição de riqueza fosse muito afetada por estes aprimoramentos – respondeu Piketty ao “FT”.

O economista francês diz que, se errou nas contas sobre desigualdade, foi para baixo, já que os dados que usou não considerou a riqueza escondida nos paraísos fiscais.

– Certamente, não estou tentando fazer a imagem parecer mais sombria do que é.

E conclui o texto com o proverbial tapa de luva de pelica:

– É claro que, se o FT produzir estatísticas e rankings de riqueza mostrando o oposto, ficarei muito interessado em ver como estas estatísticas, e ficaria feliz em mudar minha conclusão. Mantenham-me informado.

Elogios de ganhadores do Prêmio Nobel

Professor da Escola de Economia de Paris, Piketty é um dos organizadores do World Top Incomes Database, banco de dados que investiga a evolução da distribuição de renda em mais de 30 países. O trabalho começou pelos Estados Unidos, em 2003. E as informações, que basearam as conclusões do livro, estão disponíveis na internet, em http://topincomes.g-mond.parisschoolofeconomics.eu/.

Sucesso de críticas e de vendas – o calhamaço de mais de 600 páginas chegou a liderar a lista de mais vendidos da Amazon –, o livro defende que a desigualdade não é um acidente, mas uma característica do capitalismo, e os excessos só podem ser alterados por meio de intervenção do Estado.

Piketty avalia que o mundo está voltando a um “capitalismo patrimonial”, no qual boa parte da economia é dominada por riquezas herdadas, o que reforça as estruturas oligárquicas da sociedade. As desigualdades já estariam chegando aos níveis verificados antes da 2ª Guerra Mundial.

Como solução, ele propõe uma taxação anual em todo globo sobre riqueza de até 2%, combinada com um imposto de renda progressivo que chega a 80%. Incensado pela tese sobre “a contradição central do capitalismo” e apoiado “numa série de fontes históricas tão completas e consistentes quanto possível”, Thomas Piketty se encontrou no mês passado com o secretário do Tesouro americano, Jacob Lew, e apresentou suas ideias em uma palestra ao Conselho Econômico da Casa Branca. Também fez apresentações no Fundo Monetário Internacional (FMI) e na Organização das Nações Unidas (ONU).

Os elogios também vieram de outros acadêmicos – dois deles laureados com o Prêmio Nobel. Paul Krugman, professor da Universidade de Priceton e vencedor da distinção sueca em 1998, afirmou que a obra de Piketty “será o livro de economia mais importante do ano – e talvez da década”. Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Columbia que em 2001 dividiu a honraria com dois colegas, viu uma “contribuição fundamental” nos dados sobre distribuição de riqueza publicados pelo francês. O próprio “FT” publicou resenha laudatória sobre a obra.

Ex-secretário do Tesouro dos EUA também se envolveu em controvérsia

As inconsistências na compilação dos dados econômicos também minaram a credibilidade do estudo “Crescimento em tempos de dívida” (tradução livre), de Carmen e Rogoff, lançado em 2010. O argumento principal era de que os governos que assumiram altos níveis de endividamento possuíam taxa de crescimento muito mais lenta do que os demais. Rogoff, curiosamente, criticou o texto de Piketty, em artigo recente.

No ano passado, ao tentar refazer as contas da dupla para um trabalho acadêmico, Thomas Herndon, aluno da University of Massachusetts Amherst, descobriu que não conseguia replicar os resultados. Intrigados, dois de seus professores, Michael Ash e Robert Pollin, tentaram ajudá-lo, mas, ainda assim, as contas não fechavam.

Depois de duvidarem de suas próprias capacidades, eles chegaram à conclusão de que havia erros nas tabelas dos dois e publicaram um artigo afirmando que as relações entre a dívida pública e o crescimento de uma economia existem, mas são muito mais sutis do que as apontadas pelo estudo de Carmen e Rogoff.

Os autores do estudo questionado agradeceram a atenção e admitiram a necessidade de correção de uma das figuras, disseram que redobrariam os esforços para que este tipo de coisa não voltasse a acontecer, mas descartaram impactos mais profundos dos erros nas suas conclusões:

“Não acreditamos, no entanto, que esta escorregada lamentável afete de qualquer forma significante a mensagem central do estudo e de nosso trabalho subsequente”.