O economista francês Thomas Piketty divulgou ontem uma resposta aguardada e mais completa sobre os erros apontados no seu livro pelo jornal “Financial Times”.
As críticas do periódico britânico a “O Capital no Século 21” são consideradas por ele erradas e não construtivas.
“Ao contrário do que eles sugerem, os erros apontados –dos quais eu discordo– não afetam as tendências de longo prazo que aponto.”
Um dos principais pontos apontados pelo “FT” era que a desigualdade atual no Reino Unido era bem menor do que o sugerido pelo francês.
Pikkety fala que 10% dos britânicos têm têm 71% da riqueza daquele país, mas os dados oficiais do governo dizem que esse valor é de 44%.
“Se esse dado do FT’ fosse verdadeiro, o Reino Unido seria um dos países mais igualitários da história. Mais que a Suécia dos anos 1980, ou de qualquer período. Não parece plausível”, escreve o economista francês.
O valor de 44% saiu de pesquisas baseadas em entrevistas domiciliares. Isso método não seria confiável, diz o autor, porque os ricos tenderiam a subestimar seu patrimônio. A estimativa de Pikkety parte de dados tributários, que seriam (um pouco) menos manipuláveis.
Leitura superficial
Ele rebateu também a crítica de que teria feito estimativas aleatórias de dados que não tinha para preencher séries históricas.
No caso mais exemplar, Pikkety tinha apenas informações sobre a riqueza da fatia 1% mais rica dos EUA antes de 1870. Para comparar os dados, porém, o ideal seria ter informações sobre os 10% mais ricos.
O “FT” acusou o economista de ter somado números aleatórios à primeira base de dados para chegar na informação desejada.
Segundo Pikkety, ele usou a distribuição de Pareto (modo tradicional e bastante consagrado de dados estatísticos em uma curva). “Eu deveria ter explicado isso de maneira mais clara”, admite.
Pikkety lembra que novos estudos têm confirmado a sua defesa de que o mundo está se tornando mais desigual. Ele cita o recém-lançado estudo de Emmanuel Saez e Gabriel Zucman que confirma que os ricos nos Estados Unidos estão se apropriando de uma fatia cada vez maior da riqueza nacional –”se há algo errado no meu livro”, escreve Pikkety, “é subestimar a velocidade desse aumento na concentração de renda”.
“O que eu acho intrigante nessa controvérsia é que os jornalistas do FT’ evidentemente não leram com cuidado os artigos técnicos e os arquivos de Excel que coloquei online”, escreve Pikkety.
“Independentemente dos ajustes que foram feitos (e eu certamente concordo que ainda há muitas incertezas em um tema tão complexo e importante), deveria estar claro que isso não afeta as conclusões do livro”, afirma o economista, lembrando ainda que a discussão se refere a apenas um capítulo.
“Críticas são muito bem-vindas, mas neste caso me parece um pouco criticar só por criticar.”
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Fala, Piketty
O economista responde às críticas do “Financial Times” ao seu livro
1) A média simples em vez da ponderada
O autor usou uma média simples de dados do Reino Unido, França e Suécia para representar a Europa. Deveria ter usado uma média ponderada e dados de mais países.
Resposta: ”Concordo que a média ponderada pela população (ou pelo PIB) em geral é superior. Mas não faz diferença aqui, porque os dados dos três países têm trajetórias similares. Nós temos dados de renda para dezenas de países, mas não dados de patrimônio. Então tivemos de trabalhar com o que tínhamos.”
2) Dados do Reino Unido
O autor estima que 10% dos britânicos têm 71% da riqueza daquele país, mas os dados oficiais apontam 44%.
Resposta: ”O dado do governo se refere a uma pesquisa domiciliar baseada em autodeclarações. Isso deixa o patrimônio dos mais ricos subestimado. Meus dados são baseados em informações tributárias. Se os 44% fossem verdadeiros, o Reino Unido seria um dos países mais igualitários da história. Mais que a Suécia dos anos 1980, ou de qualquer período.”
3) A média simples em vez da ponderada
Piketty fez estimativas sem critério. Exemplo: para saber a fatia da riqueza que os 10% mais ricos do britânicos tinham até 1870, simplesmente somou valores aleatórios ao patrimônio do 1% mais rico.
Resposta: ”Não foram valores aleatórios. Utilizei a distribuição de Pareto [forma tradicional de distribuição de dados em uma curva]. Eu deveria ter explicado isso melhor.”
4) Erros factuais
Piketty usa, para a Suécia, dados de 1935 para se referir ao ano de 1930 e de 1908 para o ano de 1910.
Resposta: ”Isso está explicado no livro. Os dados de alguns anos são ruins em função da volatilidade de curto prazo, em decorrência de movimentos bruscos nos preços dos bens. Por isso, para 1910, uso a média de 1907 e 1908, por exemplo.”
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Economista liberal prepara tradução brasileira do livro
A versão brasileira do livro de Pikkety está sendo traduzida pela economista Mônica Baumgarten de Bolle, diretora da Casa das Garças, instituto que reúne economistas de pensamento liberal, muitos deles formados ou ligados à PUC-Rio.
O livro será publicado pela Intrínseca, em novembro.
Na visão de Mônica, o livro de Piketty não é de “esquerda ou de direita”, mas apenas “constata um fato”.
“Você tanto pode usá-lo para questionar o capitalismo como para demonstrar que é preciso investir mais em educação para reduzir a desigualdade. Essa discussão de que o livro é de esquerda não existe”, diz.
Sobre as críticas levantadas pelo “Financial Times”, ela diz que “ele respondeu tudo que foi levantado” pelo jornal. “Suas conclusões são muito robustas. Não dá para discordar delas.”
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Ricardo Mioto, da Folha de S.Paulo