Supor que foi no século 19, durante o segundo reinado, que a imprensa brasileira gozou de absoluta e inquestionável liberdade poderia parecer uma piada se não fosse um argumento baseado em sólidos exemplos. Apegar-se a um decreto de 1969, fruto da ditadura, para continuar justificando a obrigação do diploma de jornalismo seria uma afronta se não parecesse uma piada. Observar que não há a exigência de diploma de jornalista em nenhuma outra democracia, com exceção da brasileira, confirma o nosso caráter exótico e limitador.
No segundo reinado, a imprensa livre fazia proliferar jornais por todos os cantos do país. Muitos deles defendiam causas importantes (como José do Patrocínio, com o periódico A cidade do Rio, manjedoura dos melhores jornalistas da época). Interessante é constatar que o advento da República, em 1889, ressuscitou a censura. A partir daí, a história da imprensa no Brasil oscilou entre liberdade e repressão, somente se estabilizando quando a democracia prevaleceu.
Até 1969, ocasião do decreto-lei que instituiu a graduação superior, o jornalismo foi uma instituição que se autorregulava. Os jornais serviam também como grandes escolas da profissão; a prática fazia a excelência. Alguns dos diretores de redação dos maiores jornais do país, os doutores (como eram conhecidos), não possuíam diploma de jornalismo nem de qualquer outro ramo de graduação superior, mas ergueram grandes grupos de comunicação. Antes do decreto do regime militar, que tornou obrigatório o diploma, o jornalismo existia por vocação, pelo sacerdócio.
Deduziu-se que a exigência do diploma foi uma ferramenta criada pelos militares para controlar todos os que trabalhavam em jornais, por meio dos registros realizados no Ministério do Trabalho. Não foi à toa que, após o decreto de 1969, ramificou-se no Brasil uma imprensa subserviente, tendenciosa, servindo aos anseios da elite dominante e aos interesses particulares dos barões da comunicação.
O curso superior para jornalismo é muito mais uma catequização do que um aprimoramento zeloso da qualidade. O que vemos em nossos dias são profissionais irresponsáveis enaltecendo o revanchismo como resposta à violência urbana; são âncoras de TV alardeando um discurso irracional e preconceituoso; colunistas questionando a legitimidade da democracia e o direito à dignidade promovido por programas sociais. Onde está a virtude acadêmica?
Impor rédeas
Matéria na capa do jornal O Dia (edição de 13/6/14) estampava: “Taxista acusado de tentar estuprar adolescentes é preso”. Lendo o conteúdo é que descobríamos que não era um taxista, mas um ladrão que roubou um táxi e saiu praticando crimes. Que tamanha inconsequência criminaliza uma categoria de trabalhadores por não alertar, logo no título, que se tratava de um falso taxista? Certamente, um jornalista diplomado.
Os sindicatos espalhados em território nacional são entidades anoréxicas que congregam apenas 25% de filiados no conjunto da classe e se comportam, prioritariamente, como feudos que defendem necessidades privadas. Orientados pela estrela maior, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), decidiram proibir a associação dos profissionais não diplomados, desprezando a decisão do STF e a legalidade dos novos registros concedidos pelo Ministério do Trabalho. É o jornalismo que não protege mais os valores da liberdade e da Constituição. Contrariados, deformam a lei para que os seus propósitos sejam atendidos.
Nelson Rodrigues, jornalista emérito, nos lembraria do óbvio ululante: o mundo evoluiu, a informação já não se prende às pautas bolorentas das redações, ela se propaga na mídia ninja e por redes sociais que possuem seus próprios filtros para discernir o real do fake. Cada cidadão escolhe a própria manchete, cada leitor opina sobre o que lhe apetece. A Fenaj e os sindicatos transitam pela contramão, querem impor rédeas a um cavalo que se soltou e corre entusiasmado pelas extensas planícies das novidades.
A ressuscitação da exigência do diploma para jornalistas servirá apenas como chancela à continuidade de uma imprensa domada, que não pensa e nem faz pensar, uma imprensa que vem servindo somente para adestrar porcos.
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Alexandre Coslei é jornalista