Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo-torcedor e nacionalismo de ocasião

O artigo analisa desdobramentos decorrentes da divergência de opiniões sobre jornalismo esportivo pelos profissionais do canal de televisão paga ESPN Brasil e o treinador da seleção brasileira de futebol Luiz Felipe Scolari. Durante a Copa das Confederações 2013, sediada no Brasil, as partes originaram debate público relacionado às bases éticas do jornalismo. Scolari expressou sua insatisfação com a cobertura feita pela emissora a respeito dos desempenhos de sua equipe. O técnico acusou o canal de “jogar contra o Brasil” ao utilizar estatísticas de jogos que apontavam o time como demasiadamente faltoso. Em reação à manifestação, os jornalistas da ESPN apresentaram como principal defesa o dever social do jornalismo de informar com veracidade e independência. Pesquisas bibliográficas demonstraram que o clamor por uma imprensa favorável às representações esportivas nacionais está presente em países como Brasil e Portugal. Diante do exposto, o trabalho conclui que existe necessidade de expansão dos debates acerca do impacto que atitudes baseadas em um espírito de nacionalismo de ocasião podem provocar sobre os preceitos éticos do jornalismo.

Introdução

Ao longo de anos o futebol foi considerado de forma redutiva como sendo o ópio do povo. Tal clichê faz referência à considerável propriedade de entretenimento do jogo, exercida sobre parte da sociedade. Segundo escreve Roberto Ramos (1984) em seu livro Futebol: Ideologia do poder, o esporte preferido do brasileiro e todos os elementos que o envolvam, tais como programas de rádio e TV e notícias de jornal, são capazes de alienar o cidadão médio comum, desviando seu foco daquelas que deveriam ser suas reais preocupações no cotidiano. De modo gradativo este pensamento tem sido remodelado e o futebol passa a ser considerado por cientistas sociais modernos como portador de um papel preponderante na formação cultural do povo brasileiro e nos estudos sobre identidade nacional.

Fazendo referência à relação específica do público com a seleção brasileira em ocasiões de Copa do Mundo, o psicólogo Claudio Bastidas (2002, p.16) acredita que o esporte é parte visceral da cultura brasileira, sendo uma das mais relevantes ilustrações de expressão nacional, tanto pela intensidade quanto pela periodicidade definida com que ocorre. Neste mesmo sentido, a antropóloga Simoni Guedes (2010) destaca um momento histórico como ponto de partida para a mudança de patamar do futebol como instrumento identitário no país.

Certamente, no Brasil, os períodos da Copa do Mundo são verdadeiros rituais quadrienais de nacionalidade, especialmente a partir de 1950. […] é bastante interessante que, no caso brasileiro, tenhamos selecionado as Copas do Mundo de futebol como momentos paroxísticos da vivência da brasilidade. (GUEDES, 2010, p.23)

A experiência do brasileiro com o futebol como representação nacional data de períodos anteriores à Copa do Mundo de 1950. O campeonato sul-americano de 1929, realizado no Rio de Janeiro, já despertara o interesse de muitos. De acordo com Napoleão e Assaf (2006, p. 29), o Estádio das Laranjeiras com seus então vinte e cinco mil lugares foi insuficiente para abrigar torcedores interessados em assistir à estreia da seleção brasileira na competição. A goleada por seis a zero sobre a seleção chilena teve público de cerca de trinta e cinco mil espectadores. Lotação máxima do estádio somada a torcedores acomodados em “pedreiras, árvores e muros”. Em 1938, o terceiro lugar no Mundial da França foi comemorado com entusiasmo pelos fãs brasileiros e o artilheiro Leônidas da Silva aclamado nacional e internacionalmente como grande craque da delegação (NAPOLEÃO; ASSAF, 2006, p. 43).

A Copa de Mundo de 1950, entretanto, foi marcante por simbolizar a demonstração de força do país diante do mundo, não apenas no futebol, mas sobretudo por meio dele. Guedes (2010) entende esta ocasião como marco principal para os sonhos de se construir um Brasil grande. Enquanto nações europeias se recuperavam dos prejuízos provocados pela Segunda Grande Guerra, construiu-se o Maracanã, o maior estádio do mundo. [O Maracanã perdeu o posto de maior do mundo, mas nenhum estádio maior foi construído após ele. As sucessivas reformas para adequações aos novos padrões mundiais de segurança reduziram a capacidade do estádio brasileiro, que hoje abriga cerca de 75 mil pessoas. Desde 1989, o Estádio Rungrado May Day, na Coreia do Norte, ocupa a posição de maior do mundo, com capacidade para 150 mil espectadores. (Disponível em:  http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-maracana-ainda-e-o-maior-estadio-do-mundo. Acesso em: 31 out. 2013)] Some-se a isto a comoção nacional causada pela derrota sofrida pelo time brasileiro na partida final do torneio. Os efeitos do Maracanazo são lembrados até hoje com certa dramaticidade. Em 1958, às vésperas da campanha vitoriosa da seleção brasileira na Copa do Mundo da Suécia, Nelson Rodrigues ainda referia-se à herança deixada por aquele resultado.

Eis a verdade, amigos: – desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. (RODRIGUES, 1994, p. 60)

Apesar disto, os laços entre brasileiros e seleção nacional de futebol não foram rompidos. Antes fortalecidos, como demonstra a historiografia. De tal forma que o engajamento nacional provocado pela representação brasileira neste esporte é frequentemente referenciado e ocorre de modo perceptível. Para Bastidas (2002, p. 16), o jogo entre palavras que dizem respeito à seleção brasileira e substitutivos diretos que remetem ao próprio país, como por exemplo, a utilização de “camisa do Brasil”, em vez de “camisa da seleção brasileira”, ou “o Brasil entrou em campo” em lugar de “a seleção brasileira entrou em campo”, indicam a relevância do papel exercido pelo futebol como símbolo identitário na sociedade.

Em dias de partidas da seleção nacional válidas por Mundiais reduz-se expedientes, fecha-se estabelecimentos e empunha-se bandeiras e vestimentas com cores e símbolos da nação. Para o antropólogo Édison Gastaldo (2010) a Copa do Mundo é “o fato social total” para os brasileiros. “Concentram-se multidões de pessoas no mesmo lugar, em torno de um único valor: nós contra os outros. Por isso a Copa é tão importante. É o momento de ver quem somos frente aos outros, expresso na metonímia de que 11 pessoas são o Brasil” (2010, p. 9).

É como se durante os Mundiais todos se tornassem mais brasileiros. Resulta desse fenômeno um conceito importante para este trabalho: nacionalismo de ocasião.

De acordo com o professor Alberto Vara Branco (2009, p. 2), “a palavra nacionalismo designa a atitude mental que confere à entidade nação um altíssimo posto na hierarquia de valores. Esta tendência para dar excessiva importância ao valor da nação, à custa de outros valores, leva a uma sobrestimação de cada nacionalidade e ao consequente asfixiamento das restantes”. Diversos fatores no decorrer do tempo, como as grandes exibições, a produção de alguns dos melhores jogadores de todos os tempos e, por fim, os cinco títulos mundiais tornaram o torcedor brasileiro exigente. A expectativa sobre o desempenho da seleção nacional em uma competição é sempre de vitória, pouco importando o nível do torneio ou dos adversários, algo que classifica o torcedor como um nacionalista na definição da palavra.

Alcance do jornalismo esportivo

O jornalismo esportivo e a produção dos veículos de comunicação em torno do esporte corroboram para que o futebol seja sempre discutido, comentado, assistido e admirado. Por ser a partida de futebol – e os eventos esportivos de modo geral – produto primordialmente visual, a televisão ainda é responsável por boa parte dos desdobramentos sobre o esporte. Embora existam programas de rádio e revistas voltados para o tema e o surgimento de sites especializados seja crescente, reportagem da revistaVeja (2012) [Disponível em:  http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/a-invasao-do-esporte-na-telinha.Acesso em: 2 nov. 2013] demonstrou que grande parte do conteúdo dos canais de TV gratuita e por assinatura é ocupada por programações esportivas.

Na TV aberta, entre transmissões ao vivo, produções de entretenimento e programas jornalísticos especializados, a soma das exibições voltadas ao esporte alcançam a marca de 76 horas por semana. Na modalidade paga, passam de 410 horas por semana – isso sem levar em conta as transmissões eventuais, fora da grade. Isto significa que se toda a programação esportiva disponível na TV paga no país no decorrer de uma semana fosse gravada, seriam necessários 17 dias ininterruptos para assistir as partidas, noticiários e programas de debates.

Em termos de comparação, há menos programas voltados de modo exclusivo à análise política ou econômica do que aos esportes. No canal Globo News, da Globosat, que possui enfoque na cobertura de notícias do cotidiano e seus desdobramentos, programas especializados em economia e política na grade, como Conta Corrente e GloboNews Alexandre Garcia, possuem meia hora de duração e são exibidos duas vezes ao dia desegunda a sexta-feira, sendo um destes horários na madrugada, faixa considerada não nobre.

A mesma Globosat mantém atualmente três canais simultâneos de esportes, SporTV, SporTV 2 e SporTV 3, que revezam em sua programação transmissões e jornalismo esportivos. O noticiário do gênero de menor duração – SporTV News – também vai ao ar duas vezes ao dia, de segunda à sexta, mas possui uma hora de extensão. Além disso, um dos horários ocupados pelo programa é considerado nobre. [De acordo com informações do sistema Media Workstation, do Instituto Ibope, o horário entre 21h e 23h é o que atinge maior número de espectadores na TV por assinatura, chegando a 8,11% de audiência. (Disponível em: http://www4.ibope.com.br/midia/downloads/conceitos_e_criterios_da_pesquisa_de_midia.pdfAcesso em 15 fev. 2014] Segundo Barbeiro e Rangel, o futebol é uma das principais armas das emissoras na guerra pela audiência na TV, razão pela qual elas investem cada vez mais nas produções esportivas (2010, p. 3). A reportagem de Veja (2012) aborda o quanto o panorama do prestígio dado ao esporte se modificou ao longo das últimas décadas.

Nos anos 1970, quando a paixão do brasileiro pelas grandes competições aflorou de vez, havia parcas transmissões ao vivo de futebol e uma ou duas mesas-redondas nas noites de domingo. Naquele tempo, ao longo de uma semana, a TV exibia pouco mais de quatro horas de esporte. Quatro décadas depois, além da overdose de partidas ao vivo e atrações especializadas nas mais diversas modalidades, programas de variedades, telejornais e até novelas abrem espaço para o esporte. Neymar, Kaká, Ronaldinho, Lucas, Anderson Silva, Bruno Senna e Cesar Cielo são convidados frequentes de atrações como Domingão do Faustão, Mais Você, Altas Horas e CQC, todos à caça de alguns pontos a mais no Ibope na carona do carisma e popularidade dos atletas [Disponível em:  http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/a-invasao-do-esporte-na-telinha.Acesso em: 2 nov. 2013]. (VEJA, 2012)

Sendo o futebol responsável por importante parcela dos materiais propagados nos veículos de comunicação, cabe observar o modo pelo qual estas informações são difundidas. Na matéria de Veja, telejornais são descritos ao lado de eventos esportivos e programas de entretenimento. Na prática, os valores que regem a produção de um ou outro produto são distintos. Enquanto os eventos esportivos – tidos como espetáculos – e programas de entretenimento tem como principal objetivo agradar o telespectador, aumentando sua satisfação e fidelizando sua audiência, os telejornais devem primar em sua produção pela informação integrada aos valores sociais do jornalismo acima de outros interesses comerciais. Assim, para os noticiários e programas de debates há a necessidade do cumprimento e preservação de princípios que regem a prática do jornalismo, tais como independência, credibilidade e lealdade ao interesse público e à veracidade. [Estes princípios fazem parte da Declaração de Intenções Partilhadas, assinada e publicada em 2001 pelo comitê de jornalistas do PEJ,  Project for Excellence in Journalism.No documento os profissionais estabeleceram nove princípios fundamentais para atender àquilo que entendem ser o propósito central do jornalismo, fornecer informações precisas e confiáveis aos cidadãos para que todos possam operar em uma sociedade livre. Os princípios estão detalhados no livro The Elements of Journalism, de Tom Rosenstiel e Bill Kovach. (Disponível em:  http://futurojornalismo.org/np4/45.html#.UnT3Fvmfjmc.Acesso em: 2 nov. 2013)]

No mesmo sentido da definição de Branco (2009) sobre nacionalismo, a antropóloga Simoni Guedes (2010), entende que a época do Mundial é o momento em que, para o povo brasileiro (incluindo obviamente jornalistas), aciona-se uma dimensão de identidade nacional que obscurece outros valores. Para a autora, durante uma Copa do Mundo, padrões diferenciados de sociabilidade se estabelecem, mesmo que por um curto período, e a depender do desempenho da seleção brasileira (GUEDES, 2010, p. 23). As condições produzidas neste momento peculiar tornam propícia a ocorrência de uma mutação do jornalismo esportivo que se pode nomear como jornalismo-torcedor.

Jornalismo-torcedor

Repórteres e comentaristas são seres dotados de subjetividades inclusive no exercício de seu trabalho. Segundo Amaral (1996, p.26), em prol da prática da objetividade pura e simples, o jornalista precisaria deixar em casa seus princípios, suas preferências políticas e ideológicas, excluindo-se do pensamento para se concentrar na narração dos fatos. A separação absoluta é improvável. Assim, o jornalista Alberto Dines (2002) classifica que:

Isenção, neutralidade, objetividade ou imparcialidade não existem em estado puro. Assim como não existe a verdade pura. Existe a busca da verdade, a atitude cândida e despojada de assumir a falibilidade e a precariedade de um processo tão veloz como o jornalístico [Disponível em:  http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/news/showNews/mid250920021.htm.Acesso em: 23 set. 2013]. (DINES, 2002)

Uma das falhas apresentadas neste processo é a possível mistura de valores que não se correspondem, como preferências pessoais que possam ameaçar a fidelidade da mensagem divulgada como informação ao fato verídico ocorrido, sejam estas ameaças individuais ou emanadas a partir de uma determinada coletividade. Neste sentido, destaca-se a experiência de profissionais portugueses relatada pelo jornalista lusitano João Nuno Coelho (2004). No artigo “ ‘Vestir a camisola’ – jornalismo esportivo e a selecção nacional de futebol”, publicado às vésperas da Eurocopa de 2004, sediada em Portugal, Coelho põe em debate o fato de companheiros de profissão que assumidamente deixaram de publicar informações a respeito dos bastidores internos da seleção portuguesa em prol da manutenção de um ambiente favorável entre time nacional e torcida.

[…] durante a fase final do Campeonato da Europa de futebol, em 2000, foram vários os jornalistas a proclamar o propósito (“auto-imposto”) de calar determinados aspectos negativos relacionados com a seleção nacional como maneira de contribuírem para o sucesso da equipa e para o prestígio do país. No fundo, assumindo uma forma de “auto-censura”, com o objetivo de “remarmos todos para o mesmo lado…”, traduzindo a ideia, mil vezes difundida, de que a selecção enquanto símbolo nacional representa um interesse supremo. (COELHO, 2004, p. 9)

A situação quase dramática se repetiu dois anos mais tarde na Copa do Mundo da Coreia/Japão quando, segundo Nuno Coelho, a seleção portuguesa viveu graves problemas disciplinares envolvendo técnicos, dirigentes e jogadores. Vários acontecimentos não foram divulgados pelos jornalistas lusos, que tinham conhecimento das ocorrências, em nome da importância da representação nacional e do prestígio do país internacionalmente. Ao fim da participação da equipe no torneio, a própria Federação Portuguesa de Futebol foi a público agradecer à imprensa presente no Mundial, admitindo que “os órgãos de comunicação social, tendo conhecimento diário destas questões decidiram e bem não as publicar, já que isso traria um ambiente de instabilidade à Selecção Nacional” (COELHO, 2004, p. 10).

Tal episódio, apesar de parecer moralmente justificado ante a classe jornalística portuguesa segundo a descrição de Coelho, é explicitamente contrastante com os princípios éticos da profissão. De uma só vez os jornalistas envolvidos solaparam os três primeiros itens do Código Deontológico [Aprovado em 4/5/1993 pelo Sindicato de Jornalistas de Portugal. (Disponível em  http://www.lusa.pt/lusamaterial/PDFs/CodigoDeontologicoJornalista.pdf. Acesso em: 23 out. 2013)] profissional em seu país. Sendo eles: 1) relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade; 2) combater a censura e o sensacionalismo; 3) lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. Isto sob a justificativa de defender de forma passional a imagem da representação esportiva nacional portuguesa.

O artigo de Nuno Coelho não é o único material produzido em Portugal que discorra sobre este tipo de jornalismo que incorpora o lado torcedor como fator primordial ante a informação. A compilação A TV do Futebol (2006) é uma reunião de artigos organizada por Felisbela Lopes e Sara Pereira, docentes da Universidade do Minho. Desenvolvido por ocasião dos preparativos para a cobertura da Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, o livro revela em diferentes períodos opiniões de diversos jornalistas que reconhecem a maneira peculiar e controversa da abordagem sobre os assuntos da seleção portuguesa. O então diretor da RTP (Rádio e Televisão de Portugal) Carlos Daniel (2006, p. 41) posiciona-se frente à questão considerando que um dos maiores desafios do jornalista esportivo é lidar com o espectador apaixonado que, apesar disso, exige do profissional uma isenção inatingível.

Não acredito no relato jornalístico desprovido de emoção, quando estamos perante um fenómeno que vive dela e da qual não se consegue separar. Mas também não concebo que se veja no jornalista que trata assuntos desportivos alguém que é mais emocional ainda que o próprio fenómeno. […] Um bom relato jornalístico é o que respeita as notícias. […] Ser jornalista equidistante, sério e descomprometido é sempre possível. Nunca falhar é que já não faz parte da condição humana. (DANIEL, 2006, p. 42).

O debate em torno do jornalismo-torcedor está presente em Portugal de forma ampla. Em abril de 2006 a empresa Sonda Central de Informações, em parceria com o jornal luso Meios & Publicidade [Disponível em:  http://www.centraldeinformacao.pt/fotos/editor2/10mp_28_abr.pdf.Acesso em: 24 fev. 2014], inquiriu noventa e um jornalistas do país a respeito dos limites entre valores do jornalismo e nacionalismo na prática profissional. Para 51% dos entrevistados questões de interesse nacional nunca deveriam se sobrepor a critérios editoriais, 42% consideraram que sim, mas somente em casos excepcionais e 7% declararam que sim e em qualquer situação. Em pergunta direcionada à cobertura da seleção nacional, 53% concordaram que os órgãos de comunicação portugueses ultrapassa os limites do jornalismo rumo ao nacionalismo, sendo que 38% afirmaram que sim e de maneira crescente. 7% declararam que não e 2% que sim, mas cada vez menos.

No Brasil, o debate reduzido sobre tema não é sinônimo de ausência da prática do jornalismo-torcedor – ou ao menos um clamor para que o mesmo seja praticado. Profissionais de comunicação se manifestam quando o assunto é mencionado, mas poderiam se aprofundar ainda. Por ocasião da cobertura da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, o jornalista Paulo Vinícius Coelho mostrou-se incomodado com uma recorrente conduta equivocada por parte de protagonistas do futebol na interpretação do papel de jornalismo esportivo. Naquela oportunidade, a repórter da TV Record Mylena Ciribelli teria dito, em meio a uma participação em entrevista coletiva da comissão técnica brasileira, que todos os profissionais naquela sala eram, antes de jornalistas, torcedores. Em sua coluna no jornal Folha de São Paulo, Coelho criticou:

Os jogadores e o técnico acham mesmo que uma das missões da imprensa é ajudar a seleção. Não é. […] Jornalista nenhum deve ir à Copa para torcer, nem contra nem a favor de seleção nenhuma. Não quer dizer que se esteja proibido de socar o ar na hora do gol. Quer dizer que os jogadores e a comissão técnica deveriam entender que uma notícia não deixará de ser publicada, nenhuma crítica deixará de ser feita, mesmo que provoque um terremoto na concentração brasileira. O tempo dirá se a avaliação foi correta ou equivocada. No exercício de sua profissão, jornalista não tem time, não tem amigo nem inimigo. Seu gol é a notícia. Gol contra é informação errada. (COELHO, 2010)

A declaração de Paulo Vinícius Coelho parece ter ecoado solitária no tempo, prova disto é que três anos depois do ocorrido, prestes a sediar uma Copa do Mundo e durante a realização de um evento de vulto internacional, o técnico da seleção brasileira e posteriormente o jogador da seleção Daniel Alves, deram declarações no mesmo sentido do que já havia sido mencionado pelo jornalista da Folha.

Scolari x ESPN Brasil

Em 26 de junho de 2013, durante entrevista coletiva após a classificação da seleção brasileira à final da Copa das Confederações, conquistada diante da rival uruguaia, o treinador Luiz Felipe Scolari aproveitou uma brecha entre duas perguntas de jornalistas e, munido de um papel com algumas informações, discursou:

Olha! Espere só um pouquinho, antes que tu fale (sic). Não é para ti, não é para ti! Deixa só eu dizer. Posse de bola, gente, sessenta e cinco para o Brasil, trinta e cinco para o Uruguai. Número de passes, quatrocentos e vinte e cinco para o Brasil, duzentos e cinquenta para o Uruguai. Finalizações, dezenove para o Brasil, dez para o Uruguai. Faltas. Faltas! [aqui o treinador aproxima o microfone de sua boca] Tá?

 

Vou falar aqui bem, mais uma vez. Faltas! Inclusive para aquele canal que faz o Scout que eu jogo só assim. [O termo em inglês scoutpode ser entendido como explorar. No esporte, o trabalho de Scouté feito justamente no sentido de, por meio de estatísticas, explorar as possibilidades das equipes analisadas, encontrando pontos fortes e fracos nas mesmas. Com as informações contidas nestas análises, é possível formar bases de dados a respeito dos desempenhos dos competidores. Estes dados podem ser utilizados por uma comissão técnica para aperfeiçoar os treinamentos ou, segundo Garganta (1996 apud ROSE JR, 2002, p. 3), para detectar as características e estilos de jogo das equipes adversárias, no sentido de explorar seus pontos fracos e contrariar suas dimensões fortes.] Aqueles artistas! 14 do Brasil e 24 [aqui o treinadoraproxima o microfone de sua boca], viu? Do adversário. Porque eles estão… Eu quero que vocês saibam que tem alguns, alguns… Uma televisão que joga contra o Brasil. E que só induz o árbitro que o Neymar faz isso. Ah, que o nosso time bate. Ah, que isso, que aquilo. Tá na hora de canalizar esforços para o Brasil, não contra o Brasil. Ah, e desculpe, desculpe Sílvio [jornalista que faria a pergunta]. Eu não tô voltando a ser ignorante não, viu? (SCOLARI, 2013)

A televisão a que Scolari se referiu em seu apelo era a ESPN Brasil, como ficou apurado uma hora depois pelo portal Terra [Disponível em:  http://esportes.terra.com.br/futebol/copa-das-confederacoes/irritado-por-faltas-felipao-ironizae-diz-que-tv-torce-contra-selecao,8214688f3b28f310VgnVCM3000009acceb0aRCRD.html.Acesso em: 5 nov. 2013]. Mesmo sem menção nominal, era possível saber a quem o treinador se referia. Apesar de não transmitir os jogos, o canal de TV por assinatura cobriu o dia-a-dia da competição e da seleção brasileira. Um dos principais métodos adotados pelo jornalismo da ESPN Brasil nas análises que precedem e procedem partidas de futebol é a utilização de estatísticas de desempenho baseadas em retrospectos de jogos anteriores realizados pela equipe em avaliação. Tal método de apuração está presente em diversos programas da grade da emissora.

Durante a Copa das Confederações os scouts continuaram a ser utilizados como ferramenta de apuração. Neste período, parte significativa das estatísticas divulgadas pela ESPN Brasil era de autoria do site independente especializado Footstats.net. Em um scout de jogo de futebol é possível obter dados referentes a diversos fundamentos como passes errados e certos, finalizações, chutes a gol e posse de bola. Entre estes quesitos um deles foi mais utilizado, comentado e exibido nas transmissões do canal por assinatura: o número de faltas cometidas.

Para compreender os motivos pelos quais este elemento foi realçado ao espectador da ESPN Brasil, a ponto de provocar em Scolari uma irritação com este veículo de imprensa específico, foi adotada como metodologia para desenvolvimento deste trabalho uma análise do discurso dos jornalistas do canal por assinatura no período da competição (15 a 30 de junho de 2013). A fim de viabilizar o projeto, destacou-se uma atração específica da ESPN Brasil, na qual discussões em torno do número de faltas cometidas pela seleção brasileira estiveram marcadamente presentes, o programa Linha de Passe Mesa Redonda.

 

O debate esportivo semanal faz parte da grade de programação da ESPN Brasil desde 1998. Adaptado durante a Copa das Confederações de 2013 como principal veículo da emissora para repercutir as notícias diárias da competição, o programa passou a ter frequência diária. Com duas horas de duração, transmitido ao vivo entre 21h e 23h, aconteceu com a participação de seis jornalistas por programa em média [O número de integrantes da mesa-redonda era variável em um participante para mais ou para menos, a depender das combinações feitas pela produção do programa. No período houve edições com cinco e sete jornalistas participantes.] (um apresentador e cinco comentaristas), sendo dois deles itinerantes, seguindo a seleção brasileira pelas cidades que sediariam suas partidas. Entre os profissionais que integraram a mesa-redonda havia jornalistas notáveis no cenário esportivo nacional como Juca Kfouri, José Trajano e Paulo Vinícius Coelho.

As críticas em torno do número de faltas cometidas pela seleção brasileira – especialmente pelo atacante Neymar – começaram a ser destacadas a partir do segundo jogo da equipe na competição, em 19 de junho, contra a seleção do México. Naquela oportunidade, após os companheiros de mesa elogiarem o desempenho do jogador, o jornalista José Trajano chamou atenção para este assunto e mencionou as tão referidas estatísticas pela primeira vez. A partir daquela oportunidade, o tema das faltas tornou-se rotineiro nas análises em Linha de Passe.

Na medida em que o Neymar faz uma exibição de gala: ele fez um golaço de primeira, como já tinha feito da outra vez, quase faz um outro, também golaço; a jogada do segundo gol é brilhante; procurou o jogo. O Neymar só me chamou a atenção [em um aspecto negativo], se ele pode ter alguma coisa negativa depois de uma atuação tão boa: o número de faltas que tem cometido. O Neymar, talvez, se a gente tiver uma estatística aí, é o jogador mais faltoso da seleção brasileira. Na recuperação da bola, no primeiro tempo ele tinha feito quatro, pra levar um cartão amarelo a qualquer momento, não custa. (TRAJANO, Linha de Passe, ESPN Brasil, 19 jun. 2013)

Integrou a mesa de debates durante a competição o jornalista Mauro Cezar Pereira, conhecido no meio esportivo por defender a prática de um estilo de jogo dinâmico, isto é, não prejudicado por faltas, sejam elas efetivamente cometidas pelos jogadores ou marcadas em excesso a critério da arbitragem. Em artigo publicado em 2009, a jornalista Patrícia Rangel aborda o tema da estereotipização dos jornalistas televisivos como personagens em favor da valorização programa de TV como produto da indústria cultural. Para ela, “em vários programas, estes jornalistas assumem um papel teatral na atração, sendo um o bonzinho, o outro o ranzinza, o ingênuo, o seguinte o bravo. Com isso, as discussões crescem, tornam-se até polêmicas gerando audiência” (RANGEL, 2009, p. 2). Segundo esta definição, pode-se classificar José Trajano como “o ranzinza” e Mauro Cezar Pereira como “o bravo”.

Na edição de Linha de Passe do dia 16 de junho de 2013, um dia após a estreia da seleção brasileira contra a representação do Japão, Pereira deixou clara uma insatisfação pessoal contra o estilo de trabalho adotado pelo treinador da seleção brasileira Luiz Felipe Scolari.

Eu acho que a gente está caminhando numa direção muito perigosa […], que é este discurso do pragmatismo do Felipão. A direção do ‘o que importa é ganhar, o que importa é avançar, o que importa é ser campeão’. Não. Isso importa, mas há muito mais coisas em jogo. O futebol brasileiro está defasado. […] Não existem técnicos brasileiros de primeira linha. […] A seleção brasileira deveria ser a locomotiva de uma mudança, para trazer novas ideias. Uma outra forma de jogar, imposição de jogo com a bola, como faz a Espanha. […] Esta discussão tem que avançar muito além do pragmatismo do senhor Luiz Felipe Scolari. Ganhando ou perdendo esta Copa das Confederações, este é meu ponto de vista com relação ao que representa a seleção neste momento em que ela pode fazer as coisas mudarem. Não parece que vai mudar. O que importa é o ‘pra frente, Brasil’, ‘vamos lá, galera’, ‘todos juntos vamos’ e vai empurrando com a barriga, vencendo do jeito que for, se for o caso. O que importa é vencer. Eu acho que não é só isso. (PEREIRA, Linha de Passe, ESPN Brasil, 16 jun. 2013)

Em entrevista coletiva concedida no dia 24 de junho, o goleiro Júlio César falou sobre a característica de jogo adotada pelo treinador da seleção brasileira, que àquela altura já vinha chamando a atenção da mídia em geral. A pergunta que relacionava o número de infrações cometidas pelos jogadores da seleção e o sistema tático de marcação sob pressão foi feita pela repórter Marluci Martins, do Jornal Extra.

Em relação às faltas, vejo isso como uma coisa positiva. Porque desde a entrada do Felipão na seleção brasileira, nos jogos anteriores, nos amistosos, acabamos sofrendo gols em contra-ataque. E uma coisa que ele pedia pra gente era pra parar a jogada. Não em uma jogada violenta, enfim, mas aquelas jogadas para o time se armar de novo, se posicionar taticamente, e eu acho que a gente vem obtendo sucesso em relação a isso. (CÉSAR, 2013) [Disponível em:http://www.espn.com.br/noticia/338406_julio-cesar-diz-que-felipao-e-quem-pede-para-timefazer-faltas.Acesso em: 5 nov. 2103]

No Linha de Passe daquele mesmo dia, Mauro Cezar Pereira repercutiu a declaração do jogador. De acordo com o jornalista, as faltas cometidas com intuito de parar jogadas constituem uma estratégia antiga e usual no futebol. Para ele, não são poucos os técnicos que utilizam a tática – a maioria deles, inclusive, dirigem equipes limitadas tecnicamente. O que causava estranheza, segundo a análise de Pereira, é o contexto específico de o expediente ser empregado por um treinador de seleção brasileira, que tem a prerrogativa de escolher para seu time os melhores jogadores nascidos no país. Tal fato teoricamente lhe daria um elenco com possibilidades de desenvolver um estilo de jogo não calcado no uso de infrações contra o adversário. Para fortalecer sua tese, o jornalista comparou a média de faltas na competição da seleção brasileira (22,3 por jogo) e da seleção espanhola, atual campeã do mundo (10,6).

Embora os números utilizados por Scolari em sua manifestação de reprovação ao canal de TV por assinatura fossem favoráveis a seu time, até a partida contra o time uruguaio o Brasil aparecia no ranking do site Footstats.net como a equipe que mais cometia faltas na competição. [De acordo com o site especializado Footstats (www.footstats.net), ao fim da competição a seleção do Uruguai foi a mais faltosa, com 111 faltas cometidas, contra 105 da seleção brasileira. Respectivamente, Cavani, da equipe azul celeste e Neymar, do time nacional, foram os atletas mais faltosos (19 e 18 faltas, cada, na soma de cinco jogos).] Isso demonstra que, independentemente do perfil crítico dos jornalistas que apontavam os números, os dados atacados por Scolari eram verídicos. Sendo a opinião parte do jornalismo (BELTRÃO, 1980, p. 14) e a informação transmitida aos telespectadores apurada e veraz, a reação do treinador ao atacar especificamente a ESPN Brasil revelou-se oportunista e inadequada. Sobretudo porque o treinador finalizou sua declaração protestando contra um suposto ato de “jogar contra” atribuído a um veículo de comunicação. Segundo a deontologia que rege a profissão jornalística, não deve existir intenção em beneficiar ou prejudicar nenhuma parte, antes de posicionar-se com a máxima isenção. Logo após a entrevista coletiva de Scolari, o jornalista José Trajano defendeu o trabalho realizado pela ESPN Brasil, atestando a legitimidade das informações e da notícia como prestação de serviço ao público.

[…] tudo o que foi dito aqui são informações que você encontra em qualquer site que analisa e que faz estatística de futebol. Essa que nós temos aqui é da Footstats, mas tem da própria Fifa também, tem da Conmebol. Então, ninguém inventou que o Neymar é o mais faltoso da Copa das Confederações, ninguém inventou que o Brasil faz mais de vinte faltas, em média, por partida, ninguém inventou que o Brasil tem 81 faltas em toda a Copa das Confederações. […] E você, ao revelar estes números, não está fazendo o trabalho do inimigo, está prestando um favor ao seu assinante, ao seu leitor, a quem te paga, a quem te assiste. Ele toma isso como uma agressão. Como se você tivesse que esconder os números para estar servindo à pátria. (TRAJANO, Linha de Passe, ESPN Brasil, 26 jun. 2013)

Neste sentido, em texto publicado no Observatório da Imprensa [Disponível em:http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed753_por_uma_midia_que_torce_ou_distorce. Acesso em: 8 nov. 2013], o jornalista João Paz, não ligado à ESPN, questionou se informar números exatos seria sinônimo de torcer ou jogar contra, e se, pela ótica do treinador brasileiro, seria correto distorcer os fatos em prol do fortalecimento da imagem da seleção. Para Paz, o jornalismo esportivo é naturalmente rodeado pelo dilema de torcer. Entretanto, o pensamento equivocado e extremista transmitido ao público é prejudicial. Além disso, o autor considera que “números são números e apresentá-los não classifica quem os faz como contrário ou a favor”. Ainda segundo apuração do jornalista, a ESPN Brasil não havia sido o único nem sequer o primeiro veículo a abordar a temática das faltas com uso de scouts.

[…] diversos veículos repercutiram os números faltosos do time brasileiro. O ponto inicial dessa discussão foi uma matéria do site globoesporte.com que apresentou detalhadamente o dado, levantado pela organizadora do evento (Fifa). Na segunda-feira (24/6), o tema foi debatido na mesa-redonda da ESPN Brasil (programa Linha de Passe). No dia seguinte, o jornalFolha de S. Paulo falou sobre essa questão namatéria com o seguinte título: “Brasil é o time que mais bate na Copa das Confederações; Neymar é o mais faltoso”. Na mesma data, o programa Redação, do canal esportivo SporTV, também discutiu o assunto. Se a ESPN Brasil foi mais enfática nessa discussão, não pode ser tida como o único veículo que falou sobre; muito menos de que “joga contra”. O que a emissora fez está dento do esperado – levar a informação ao telespectador de um fato que não é tão comum para a seleção. Tanto que a repercussão não se restringiu à ESPN Brasil. (PAZ, 2013)

O mau exemplo como referência

Luiz Felipe Scolari foi treinador da seleção portuguesa entre 2003 e 2008. Conforme apresentado acima, em Portugal, ocorreu debate sobre limites entre inclinação ao favorecimento da representação nacional sobre valores deontológicos do jornalismo. Naquele país, embora não possuísse aprovação total por parte dos fãs de futebol, Scolari escapava às críticas sobre seu trabalho devido ao sentimento de apoio à seleção em primeiro lugar materializado pelos jornalistas em suas coberturas, como relata João Nuno Coelho.

Já durante o ano de 2003, a propósito da polémica levantada por determinadas decisões do Seleccionador Nacional Luís Filipe Scolari, foi comum ler-se nos jornais desportivos que, por muito que se discordasse das decisões em causa, e inclusive da escolha do treinador brasileiro para ocupar o cargo em questão, o importante era apoiar a sua acção no sentido de que o nome do país saísse engrandecido do verdadeiro “desígnio nacional” que constitui o Campeonato da Europa de 2004, disputado em Portugal. (COELHO, 2004, p. 37)

É provável que a convivência com este tipo de cobertura pouco questionadora possa ter desacostumado o treinador à abordagem diferenciada – e do ponto de vista profissional mais apropriada – que ainda prevalece no Brasil. Outro pedido para que a mídia adotasse uma postura mais colaborativa em prol da seleção foi expresso pelo lateral-direito do time brasileiro Daniel Alves [Disponível em: http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/06/29/daniel-alves-critica-imprensa-dobrasil-e-pede-cobertura-a-la-espanhola.htm.Acesso em: 7 nov. 2013]. Em entrevista coletiva concedida em 29 de junho, véspera do jogo decisivo contra a Espanha, o jogador do Barcelona sugeriu que o jornalismo esportivo brasileiro seguisse o exemplo da espanhola, que, segundo suas palavras, “torce pela seleção”. De acordo com apuração do site de notícias Lancenet, a declaração de Alves gerou manifestações contrárias por parte de jornalistas nas redes sociais [Disponível em:http://www.lancenet.com.br/selecao/Selecao_Brasileira-Copa_das_ConfederacoesEspanha_0_947305304.html.Acesso: 7 nov. 2013].

Curiosamente, no dia seguinte à entrevista de Daniel Alves, jornalistas espanhóis que cobriam a Copa das Confederações no Brasil foram fotografados trabalhando no centro de imprensa localizado no Rio de Janeiro e no estádio Maracanã vestidos com a camiseta da Fúria. A conduta foi criticada por comentaristas da ESPN Brasil [Disponível em:  http://www.espn.com.br/video/339556_bertozzi-detona-imprensa-espanhola-nao-temexemplo-pior-no-mundo-e-a-que-mais-torce-e-distorce.Acesso em: 7 nov. 2013].

Conclusões

Sessenta e quatro anos após o Mundial de 1950, o Brasil tem a oportunidade de sediar novamente uma Copa do Mundo. Ainda que a conquista em campo se concretize e a seleção consagre-se a única hexacampeã do planeta, há um significado restrito em termos de legado social e avanço coletivo. Exemplo de debate acerca dos assuntos sobre práticas jornalísticas que torcem e, com isso, correm o risco de omissão ou distorção, Portugal intensificou as discussões sobre o tema após sediar a Euro de 2004, competição importante por reunir as principais seleções europeias e a atenção de seus respectivos países. Antes da Copa do Mundo da Alemanha, em 2006, realizou mais discussões sobre os efeitos da paixão pela pátria sobre a ética jornalística. No Brasil, a despeito do torneio que atraiu a atenção de diversos países e da proximidade do megaevento principal, muito pouco se propôs sobre a continuidade do tema.

O episódio de Scolari e depois de Daniel Alves são representativos, mas não isolados de como a falta de discussão pode fazê-los parecer. Ainda que no Brasil não se verifique um nacionalismo tão exacerbado interferindo completamente no jornalismo, não se pode afirmar que o jornalismo-torcedor seja apenas um pedido de profissionais da bola ou uma ameaça virtual à credibilidade jornalística. Por meio de uma análise mais detalhada é possível identificar expressões de riscos de desvio ético no jornalismo esportivo atual, quanto às coberturas estaduais e regionais de futebol no país.

A relação íntima e pouco clara de determinados veículos de comunicação com entidades que comandam o futebol também pode resultar em um ambiente favorável à manipulação de notícias e ao direcionamento de atenções do público de acordo com os interesses das organizações. Tal realidade não é ideal e tende a ser cada vez menos identificável caso o assunto não passe a ser tratado com a devida atenção por profissionais da imprensa e acadêmicos. A expectativa pós-autoria deste trabalho é estimular que a reflexão sobre a influência do nacionalismo de ocasião e do jornalismo-torcedor em práticas jornalísticas seja um dos legados deixados pela Copa do Mundo no Brasil.

Referências

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Renan Apuk é bacharel em Jornalismo pela Universidade de Brasília. Fernando Oliveira Paulino é jornalista (1999), radialista, mestre (2003) e doutor (2008, com estágio na Universidad de Sevilla) em Comunicação pela Universidade de Brasília. Professor na UnB, pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação e do Projeto Comunicação Comunitária e Cidadania (CNPq). Membro do Conselho Diretivo da ALAIC (Associação Latinoamericana de Pesquisadores da Comunicação), 2009-2014, e coordenador do Grupo "Ética, Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação" (ALAIC). Gestor de Termos de Cooperação entre UnB e Communication University of China, UnB e Universidade do Minho e UnB e Universidade de Coimbra.