Medir índices de audiência é relativamente fácil. O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) explica, em seu site oficial, que a tecnologia utilizada para saber a média dos aparelhos de TV ligados a uma determinada emissora opera pelo uso dos peoplemeters. Trata-se de um serviço viabilizado pela utilização de um dispositivo eletrônico – o DIB – que, após ser instalado em domicílios dispostos a colaborar com a medição, permite a transferência dos registros da sintonia dos canais para o IBOPE. Com o objetivo de se obter um dado cientificamente válido, utilizam-se os relatórios do Painel Nacional de Televisão (PNT), responsável pela validação dos dados de um grupo fixo de residências ao longo dos anos. Estima-se que 25% da amostra são atualizados anualmente. Mas, sob o ponto de vista democrático, como seria possível medir o nível de confusão ideológica que está sendo provocado pela cobertura midiática da Copa do Mundo no Brasil?
Para início de conversa, é preciso identificar o que tem levado as pessoas a tomarem posicionamentos do tipo “sou contrário à Copa, pois amo o Brasil e quero vê-lo avançar em áreas tão necessitadas, como saúde e educação”, ou ainda “sou a favor da Copa e torço pela Seleção, mas não suporto o país onde vivo e só não tenho vergonha de ser brasileiro dentro de um estádio de futebol” – o conhecido “complexo de vira-latas”, prenunciado por Nelson Rodrigues, na década de 1950, e equivocadamente empregado pelo sociólogo Emir Sader em recente comentário, no Twitter, dirigindo-se ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Final da Copa será nas urnas
Essa confusão encontra respaldo na cobertura do evento. Como resultado, evidencia-se um nacionalismo esquizofrênico; é o tal orgulho de “ser brasileiro com muito orgulho e muito amor” associado ao ódio pela presidenta da República, Dilma Rousseff, e por países vizinhos, como o Chile. E não podia ser diferente. A comoção provocada pela transmissão dos jogos, principalmente na TV Globo, é insuflada pelo mesmo saudosismo dos anos em que o “país do futebol” era, também, o “país das aparências” e, certamente, um “país de poucos”, que procurava histericamente copiar o american way of life. O país dos privilegiados, daqueles que podem fazer e falar o que bem entenderem, pois estão no topo da pirâmide social e julgam-se acima da média.
Mesmo que o Brasil esteja longe de vencer os desafios sociais, fez algo inaceitável aos olhos dos catequizados pela cartilha neoliberal do Consenso de Washington. Na última década, um operário e uma mulher ascenderam ao mais alto cargo da Nação. Para confundir, ainda mais, a média da população não abandonou as regras da política econômica insuflada por seus opositores. Mas foram competentes ao promover algumas políticas sociais. Dado o contexto, a revolta e perturbação mental só poderia dar em choradeira. Afinal, os “chorões” e “entusiasmados” responsáveis pela cobertura da Copa são os cabos eleitorais das forças políticas que torcem pelo fracasso do mundial e, paradoxalmente, pelo sucesso da Seleção Brasileira. O novo comentarista esportivo da Rede Globo Ronaldo Nazário disse “não ter estrutura emocional” para acompanhar um jogo eliminatório definido nos pênaltis, como ocorreu no confronto contra o Chile. Será que manterá essa postura no caso de um processo eleitoral definido em um possível segundo turno?
O troféu mais perseguido
A permanência da Seleção brasileira até a última fase do campeonato representa a possibilidade de índices de audiência ainda maiores e, consequentemente, lucros a perder de vista. De acordo com informações do Ibope, se forem consideradas apenas as duas emissoras de TV aberta, Globo e Band, o percentual de aumento da audiência, em relação ao ano de 2010, é de 29% e 18%, respectivamente. São milhões de pessoas que assistem não apenas a transmissão de um evento esportivo de nível internacional, mas ao sucesso ou fracasso de um governo, de corte keynesiano, cujas tímidas políticas sociais incomodam os que, hoje, podem ter o privilégio – concedido por este mesmo governo, é bom que se diga – de esquentarem um dos assentos dos 12 estádios construídos para atender os interesses comerciais da Federação Internacional de Futebol (Fifa).
O sucesso da Seleção, nos gramados, tem sido associado a um possível sucesso eleitoral do atual governo, nas urnas, até porque as tentativas tresloucadas de manchar a imagem do mundial – como à associação paranoide, promovida por um colunista da revista Veja, entre a utilização da cor vermelha, no logo da Copa, e uma suposta propaganda socialista – foi motivo de escárnio internacional. A principal crítica dos jornais estrangeiros à referida fantasia do periódico brasileiro esteve direcionada à falta de investigação jornalística para opinar sobre como se deu a confecção do emblema. A imagem resulta de um projeto criado pela agência de publicidade África, sendo selecionado por uma equipe escolhida pelo Comitê Local da Copa (COL) – conforme noticiado, recentemente, pela revista Fórum.
É inegável que os muitos séculos de patrimonialismo escravista – processo histórico que perpassa desde o absolutismo ibérico até o advento da liberal democracia – expressando-se, na contemporaneidade, pelo insucesso do neoliberalismo, influencia diretamente nas formas de conceber a informação. Por isso, é preciso saber separar os interesses que estão por trás da construção simbólica promovida pelos grandes grupos de comunicação. A estratégia eleitoral da oposição é antiga. Pretende, exclusivamente, fragmentar as forças políticas progressistas e promover uma sucessão presidencial a qualquer custo.
A visão maniqueísta da Copa, induzida pela fraca cobertura midiática, resulta na utilização de feedbacks confusos e pouco contextualizados, nas redes sociais, cuja aparente antítese dos movimentos ?#NãoVaiTerCopa e #VaiTerCopaSim sofre, em sua gênese, a infeliz coincidência de ignorar o quadro complexo das relações culturais, sociais e econômicas responsáveis por condicionar as lutas políticas em uma sociedade globalizada. Embora as urnas devam refletir o entendimento coletivo sobre os “campos” onde são travadas as disputas mais significativas, um “campo” se sobressairá em relação aos demais, tornando-se o único espaço possível para a realização do “jogo decisivo”. Não há dúvidas. O troféu mais perseguido é – e sempre será – o que leva ao poder.
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Eduardo Silveira de Menezes é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação e pesquisador do Laboratório de Estudos em Análise do Discurso