Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A história se repete. Outra vez, uma vez mais

Há pouco mais de um mês (28/5/2014), a Folha de S.Paulo publicou reportagem com o título “Dilma diz ao PT que fará regulação da mídia” onde se lia:

Na segunda (26), a Executiva do PT decidiu incluir a regulação dos meios de comunicação no programa do partido para a campanha presidencial. “A democratização da sociedade brasileira exige que todas e todos possam exercer plenamente a mais ampla e irrestrita liberdade de expressão, o que passa pela regulação dos meios de comunicação –impedindo práticas monopolistas – sem que isso implique qualquer forma de censura, limitação ou controle de conteúdos”, afirma. A inclusão do tema no programa petista foi acertada com Dilma, desde que ficasse bem claro que não haveria nenhuma proposta de controle de conteúdo [íntegra aqui].

Cerca de uma semana depois (5/6/2014), o ministro das Comunicações Paulo Bernardo concedeu entrevista ao jornal Valor Econômico na qual “qualificava” a posição do governo em relação ao tema. Dentre outras, fez as seguintes afirmações:

De acordo com Paulo Bernardo (…) “A regionalização da produção precisa ser feita, porque é o que determina a Constituição em seu artigo 221. Isso não significa controle do conteúdo, porque a Constituição demarca o que pode ou não ser feito e proíbe embaraço ou restrições à plena liberdade de informação”. (…) Para o ministro, a regionalização do conteúdo é uma discussão mais relevante do que o da criação de mecanismos que limitem o tamanho de grupos de mídia, nos moldes da legislação argentina. (…) “A questão brasileira é substancialmente diferente da realidade argentina. Lá existe uma multiplicidade de licenças que não existe aqui”, disse Bernardo, para quem “a questão da titularidade dos meios de comunicação é menor que a da exigência de conteúdo regional”. Segundo Paulo Bernardo, a propriedade cruzada de meios de comunicação eletrônica, que permite a diversos grupos serem (sic) donos de emissoras de rádio e TV, pode ser coibida, mas o ministro ponderou que a regulamentação do parágrafo quinto do artigo 220 da Carta, que veda a concentração midiática, deve ser feita com cautela. “Precisamos discutir o conceito de monopólio. Na época em que a Constituição foi feita, em 1988, a situação era outra, as tiragens dos jornais eram muito maiores e a audiência da TV aberta bem mais expressiva. Os conceitos daquele tempo talvez não se ajustem aos tempos de hoje” [ver “Proposta para lei da comunicação regionaliza produção de conteúdo“].

Pouco mais de um mês após a primeira notícia, a apenas três dias do prazo final para registro dos programas dos candidatos no Tribunal Superior Eleitora (TSE), a mesma Folha de S.Paulo (2/7/2014) informa:

A coordenação da campanha da presidente Dilma Rousseff excluiu do programa de governo da sua candidatura à reeleição bandeiras tradicionais do PT, como a democratização da mídia (…). O documento em que o PT apresentou suas diretrizes para o programa de Dilma, aprovado em maio pela cúpula do partido, incluía o “compromisso” de discutir a democratização dos meios de comunicação em um eventual segundo mandato. Na versão do programa concluída na segunda-feira (30), o compromisso foi eliminado. No texto aprovado há dois meses, os petistas sugeriam que, num segundo mandato, o governo discutisse ações para impedir “práticas monopolistas” da mídia, “sem que isso implique qualquer forma de censura, limitação ou controle de conteúdo”. O trecho também foi cortado. Segundo relato de participantes da reunião de segunda, apesar de defendido pelos petistas, o tema não é consenso entre os demais partidos que compõem a coligação e, por isso, não foi incorporado [ver “Programa de Dilma exclui propostas polêmicas do PT“].

Finalmente no sábado, dia 5 de julho, tornou-se público o documento “Mais Mudança, Mais Futuro – Proposta de Governo Dilma Rousseff 2014“ e confirma-se o que havia sido antecipado pela Folha de S.Paulo: foi excluída qualquer referência à democratização da mídia.

Princípios questionados

Quando do registro do primeiro programa de governo Dilma no TSE, em julho de 2010, a versão original que incluía propostas de regulação da mídia foi substituída, horas depois, por outra que excluía todas elas.

Naquela ocasião, o programa original partia do diagnóstico de que “apesar dos avanços dos últimos anos, a maioria da população brasileira conta, como único veículo cultural e de informação, com as cadeias de rádio e de televisão, em geral, pouco afeitas à qualidade, ao pluralismo e ao debate democrático” e propunha políticas que buscassem: (1) ampliação da rede de equipamentos, como centros culturais, museus, teatros e cinemas, política que deve estar articulada com a multiplicação dos pontos de cultura, representando amplo movimento de socialização cultural; (2) iniciativas que estimulem o debate de ideias, com o fortalecimento das redes públicas de comunicação e o uso intensivo da blogosfera; (3) medidas que promovam a democratização da comunicação social no país, em particular aquelas voltadas para combater o monopólio dos meios eletrônicos de informação, cultura e entretenimento.

Além disso, reconhecia e apoiava propostas aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, tais como: (a) o estabelecimento de um novo parâmetro legal para as telecomunicações no país; (b) a reativação do Conselho de Comunicação Social; (c) o fim da propriedade cruzada; (d) a exigência de uma porcentagem para a produção regional; (e) a proibição da sublocação de emissoras e de horários; e (f) o direito de resposta coletivo [ver “Existe luz no final do túnel?“].

Em 2010 como em 2014, o que se propunha estava em absoluta consonância com os princípios e normas da Constituição Federal de 1988, a maioria dos quais, decorridos mais de 25 anos, não foi sequer regulamentada e, portanto, não é cumprida.

Registre-se, todavia, que alguns desses princípios e normas têm sido questionados publicamente pelo Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo [ver a entrevista ao Valor Econômico, referida acima].

A tese falaciosa

No campo das comunicações, as propostas do programa de governo “Dilma 2014” se reduzem às promessas de “democratizar ainda mais o uso da internet” e a desenvolver o “projeto banda larga para todos”.

Prevalece a tese falaciosa de que a universalização da internet resolveria, por si só, as questões relacionadas à universalização da liberdade de expressão e à formação de uma opinião pública democrática.

Ainda uma vez mais, os oligopólios da mídia tradicional e seus parceiros devem estar celebrando.

Repito o que tenho afirmado em outras ocasiões: o único caminho possível para a democratização da comunicação no nosso país é a consciência da cidadania. As mudanças virão das ruas.

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Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador de Para Garantir o Direito à Comunicação – A lei argentina, o relatório Leveson e o HGL da União Europeia, Perseu Abramo/Maurício Grabois, 2014; entre outros livros