Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ética na mídia e nas redes sociais

A nova paisagem mediática trouxe para o debate público um conjunto de novas preocupações e desafios ligados com a ética da comunicação. É certo que as questões éticas associadas à comunicação sempre foram objecto de acaloradas controvérsias, mas nem por isso têm estado muito presentes nas agendas de investigação de instituições académicas e científicas. Frequentemente associada a perspectivas singelamente moralistas, ou reduzida a um conjunto de lugares-comuns sobre bom ou mau comportamento social, a dimensão ética da comunicação pública nem sempre tem sido suficientemente valorizada enquanto processo racional, consciente e crítico, de escolhas baseadas em princípios comprometidos com a verdade, a confiança e a dignidade humana, com tudo o que isso implica. No entanto, não faltam vozes a afirmar, nos mais diversos contextos, a importância dessa exigência ética para todos os actores envolvidos na comunicação pública, ao mesmo tempo que apontam precisamente a falta de ética como um dos mais preocupantes sinais de uma actividade comunicativa pouco respeitadora de princípios básicos de uma sã convivência social. Ou seja: o tema mantém uma fortíssima actualidade na área dos estudos da comunicação, reclamando continuadas pesquisas e reflexões que ajudem a compreender e a melhorar os processos comunicativos em sociedades complexas como aquelas em que hoje vivemos. Acresce que, com os desenvolvimentos tecnológicos da era digital, e em particular com a disseminação da Internet e das múltiplas oportunidades de comunicação on-line, novos problemas e novos desafios éticos têm vindo a colocar-se, seja no contexto profissional de sectores específicos (o jornalismo, a publicidade, as relações públicas, a assessoria, a produção multimédia), seja para o conjunto dos cidadãos que hoje têm (ou podem ter) no espaço público uma voz que não tinham no passado. Cada vez mais, a ética não é um assunto que diga apenas respeito aos profissionais ou às instituições tradicionais da comunicação e dos media; ela afecta e implica também os públicos, cada vez mais participantes activos e co-autores dos processos de comunicação no espaço público, e tornou-se um elemento decisivo para distinguir o que é ou não é aceitável, o que é ou não é correcto, o que é ou não é respeitador da dignidade humana.

Assim, a revista Comunicação e Sociedade decidiu organizar uma edição temática especificamente voltada para os problemas da Ética na Comunicação, entendida nas suas múltiplas dimensões. A chamada de artigos teve uma grande aceitação e cerca de 30 textos, oriundos dos mais diversos países, foram propostos para publicação. Na sequência do processo de avaliação, feito através do recurso a revisão cega por pares (tanto de Portugal como do Brasil), foram selecionados os oito artigos classificados com melhor pontuação. Podemos lê-los na Parte 2 desta revista.

Dimensão humana

A Parte 1 é constituída por quatro ensaios escritos propositadamente para este número especial por alguns dos mais conceituados investigadores da ética na comunicação à escala mundial. Clifford Christians (EUA), Jane B. Singer (EUA, mas presentemente a trabalhar no Reino Unido), Carlos Maciá-Barber (Espanha) e Carlos Camponez (Portugal) foram os quatros investigadores convidados para colaborar neste dossier, oferecendo-nos simpaticamente uma valiosa colaboração que muito nos honra e, estamos certos, em muito enriqueceu este trabalho.

Assim,Clifford Christians faz uma exaustiva revisão das questões associadas à ética dos media no plano internacional, recordando passos importantes no calendário do seu processo de progressiva internacionalização. Depois da análise de algumas das mais relevantes teorias da ética, retoma o tema, que lhe é caro, dos valores universais que subjazem a todas aquelas teorias (a verdade, a dignidade humana, a não-violência), vendo neles a plataforma comum para um consenso alargado em que todo o mundo possa rever-se e com que possa contribuir para uma maior exigência ética nos domínios da comunicação.

Pelo seu lado, Jane B. Singer aborda as enormes convulsões que o contexto digital trouxe aos meandros da comunicação, e muito especificamente ao jornalismo, cujos profissionais vêm revelando alguma dificuldade em lidar com as novas realidades (blogues, redes sociais, conteúdos gerados pelo utilizador…). E a ética, como diz, tem sido por vezes utilizada mais como uma muleta defensiva do que como uma causa legítima de reivindicação de uma postura profissional. Insistindo na centralidade dos valores éticos, esta investigadora apela à capacidade de inovação e de flexibilidade dos jornalistas para começarem a ganhar já hoje os desafios de amanhã.

Mas a ética não é só um assunto dos jornalistas ou dos profissionais da comunicação. Como sublinha Carlos Maciá-Barber, ela respeita também às próprias empresas de media, aos seus gestores e directores, e com especial importância num tempo em que o ‘modelo de negócio’ tradicional entrou em crise. O aprofundamento da responsabilidade social das empresas (com uma maior abertura a mecanismos de prestação de contas e de certificação da qualidade), bem como o estímulo à maior participação do público, são, segundo o investigador espanhol, duas exigências crescentes que darão corpo a uma boa resposta ética às dificuldades presentes.

Carlos Camponez chama a atenção para a importância de uma ética do cuidado (ethics of care) como resposta aos problemas de credibilidade com que se confronta o jornalismo do nosso tempo. Baseada no respeito pela individualidade do ‘Outro’, esta proposta ética pode, segundo o autor, ajudar a contrariar as lógicas da comercialização, do share de audiências e do entretenimento que dominam os media contemporâneos, emprestando-lhes uma dimensão mais humana que os tornará mais confiáveis e mais próximos das pessoas reais.

Moral e publicidade

Iniciando a Parte 2, Luis Mauro Sá Martino e Ângela Cristina Salgueiro Marques desenvolvem um trabalho sobre as concepções de ética que estão presentes nas principais Teorias da Comunicação. Colocando-se numa perspectiva histórico-crítica, os autores abordam as questões do poder e da capacidade comunicativa do sujeito político, articulando-as com as exigências éticas.

Num registo mais próximo das práticas mediáticas, Paulo Martins discorre sobre a complexa questão ética do respeito pela privacidade, articulado com o direito dos cidadãos à informação e à liberdade de expressão. E sublinha que esse respeito pela esfera privada se impõe não só no momento da transmissão pública de notícias, mas durante o próprio processo de recolha de elementos noticiosos, sobretudo quando as fontes de informação estão em situações de fragilidade.

Passando mais claramente para o domínio dos novos media, Mohammad Ofiul Hasnatanalisa a estrutura de apresentação das notícias nas redes sociais, levantando questões sobre a sua credibilidade e sobre o modo como conseguem, ou não, obter a confiança do público. A análise da situação na Finlândia, com um conjunto de entrevistas a jornalistas profissionais daquele país, fornece interessantes elementos de reflexão.

É também de redes sociais, e mais especificamente de blogues, que trata o artigo de Elsa Costa e Silva. Partindo da análise de questionamentos de natureza ética que têm atravessado a blogosfera portuguesa, em especial no domínio do debate político, a autora discute a oportunidade de regulação destas plataformas comunicativas – e mesmo a possibilidade de elaboração de um código deontológico específico para os bloggers.

Muitos dos autores de blogues, mesmo os que se dedicam à actualidade informativa, não são jornalistas – nem pretendem sê-lo. E é precisamente sobre o jornalismo feito por não-jornalistas, e particularmente sobre as preocupações éticas que ele vem suscitando, que se debruça o artigo de Rogério Christofoletti. Baseando-se em alguns episódios concretos recentes, o autor lança dados para o debate sobre proximidade ou distância dos valores e modelos por que se regem os amadores, em contraposição com os dos jornalistas profissionais, e abre caminho a novas possibilidades de cooperação entre uns e outros no processo de produção noticiosa.

J. Paulo Serra, pelo seu lado, discute as fronteiras entre jornalismo e propaganda, considerando que as possibilidades de utilização da Internet por parte da generalidade dos cidadãos ajudam a contrabalançar as tendências propagandísticas dos media convencionais. Admitindo que tudo isto tem provocado uma séria crise no jornalismo, defende uma reafirmação sistemática da ética como condição para a superação dessa crise.

É também de propaganda que nos fala Marius-Adrian Hazaparu, mais propriamente da utilização de géneros híbridos, onde se misturam o jornalismo e a publicidade (publireportagens), para servir determinados interesses económicos. Através de um interessante estudo de caso passado na Roménia, o artigo defende a necessidade de avaliar a ética da publicidade não só a partir dos seus resultados finais, mas também através dos contextos da sua produção.

De publicidade trata igualmente o último artigo desta revista, da autoria de Paulo Barroso. Interrogando-se sobre qual a relação entre a publicidade e a moral, recorda que a publicidade assume uma dimensão ética devido às estratégias que utiliza, havendo a possibilidade de tais estratégias serem ardilosas, falaciosas ou falazes. Assim, procura aqui fazer uma análise crítica da ética na publicidade e na comunicação, evocando um conjunto de relevantes contributos teóricos sobre o tema.

Confiança e participação

A diversidade de abordagens e a variedade de propostas que constituem este número temático, umas mais voltadas para a reflexão teórica, outras para a análise de situações práticas, proporcionará, cremos, uma leitura estimulante e claramente apontada a muitas das preocupações actuais no domínio da comunicação. As questões da ética estão, mais do que nunca, na ordem do dia, e por elas passa também um esforço de melhoria da qualidade dos processos comunicativos e de envolvimento de todos os protagonistas (empresas de media, profissionais, instituições, públicos) num esforço por maior transparência, confiança e participação efectiva na construção da cidadania.

Resta-nos agradecer a todos os autores a sua inestimável contribuição para este número especial da revista Comunicação e Sociedade. [Os editores]

>> Aqui, a íntegra desta edição de Comunicação e Sociedade

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Joaquim Fidalgo é professor no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do Minho (Portugal); Rogério Christofoletti é professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina